Foto: Divulgação/Polícia Militar

A Polícia Militar de São Paulo (PM) matou 14 pessoas no estado em cinco dias após o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirmar não estar preocupado com as denúncias de irregularidades nas ações das forças de segurança na Operação Verão, na Baixada Santista.

É o que aponta levantamento feito pela GloboNews com base em dados do Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp), do Ministério Público do Estado de São Paulo.

Na semana passada, ao ser questionado sobre as denúncias de que corpos de vítimas da policial no litoral são levados como vivos para hospitais para evitar perícia, Tarcísio afirmou: “E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”.

O ouvidor das policias, Cláudio Silva, disse que tem recebido uma série de denúncias e reclamações de moradores da região e que já existem testemunhas protegidas. Ele espera que o Ministéreio Público (MP) faça a melhor apuração possível.

“A gente tem documento que determina que pessoas cegas foram colocadas em cenas de crime como pessoas que teriam atacado a corporação policial. Pessoas que usavam muletas, precisavam do amparo de muletas para se movimentar, também foram colocadas em cena de crime como se tivessem trocado tiros com a polícia”, relatou.

“O que a gente tem vivenciado na Baixada Santista é algo que jamais ocorreu naquele território”, acrescentou.

As 14 mortes registradas entre os dias 9 e 13 superam as 11 cometidas por PMs ao longo dos oito primeiros dias deste mês, incluindo a data da declaração de Tarcísio (8 de março).

A manifestação do governador em apoio à Operação Verão completa uma semana nesta sexta-feira (15).

A Secretaria Estadual da Segurança Pública disse, em nota, que “as forças de segurança do estado de São Paulo são instituições legalistas que atuam no estrito cumprimento do seu dever constitucional”.

A PM matou 25 pessoas entre os dias 1° e 13 de março no estado de São Paulo, segundo dados do Gaesp.

Todas as mortes foram cometidas por policiais em serviço. Esse número representa um aumento de 67% em relação às mortes cometidas por PMs no mesmo período de 2023, primeiro ano do governo Tarcísio, quando houve 15 óbitos.

Os dados também apontam uma letalidade em alta no estado, fenômeno puxado pela Operação Verão, que, do dia 3 até esta sexta (15), contabiliza 47 mortes na Baixada Santista.

Todas essas mortes da Operação Verão foram registradas após o assassinato do soldado da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), morto com um tiro no rosto desferido por um criminoso durante patrulhamento numa favela em Santos.

Depois do assassinato do PM da Rota, o governo do estado anunciou uma nova fase da Operação Verão, iniciada em dezembro de 2023, com reforço do policiamento na Baixada Santista.

O que diz o governo de SP

Questionada sobre os dados, a Secretaria da Segurança Pública enviou a seguinte nota:

“As forças de segurança do Estado de São Paulo são instituições legalistas que atuam no estrito cumprimento do seu dever constitucional. As mortes em confronto são consequência direta da reação dos criminosos diante da ação da polícia no combate à criminalidade, que somente na Baixada Santista resultou na prisão de importantes líderes de facções criminosas, por meio da Operação Verão. Todos os casos de MDIP são rigorosamente investigados pelas polícias Civil e Militar, com acompanhamento da respectiva corregedoria, Ministério Público e Poder Judiciário”.

Histórico

Nas últimas semanas, a ONG Conectas e a Comissão Arns denunciaram o que chamam de “operações letais e escalada da violência policial na Baixada Santista, em São Paulo, promovida pelo governador”. A denúncia foi feita durante a 55ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra (Suíça).

“O governador Tarcísio de Freitas promove atualmente uma das operações mais letais da história do estado: a Operação Escudo”, afirmou Camila Asano, da Conectas, na denúncia.

Na mesma coletiva em que minimizou as denúncias, Tarcísio afirmou que o estado investigará os casos.

“Tem uma questão de denúncia, vamos investigar. Agora, nós precisamos de fato saber o que realmente aconteceu. Não há nenhum interesse da nossa parte em confrontar ninguém. Nós tínhamos lá na Baixada uma série de barricadas que foram removidas. Locais em que o poder público não entrava. Hoje, a gente retirou todas as barricadas. A gente está restabelecendo a ordem. Não existe progresso sem ordem”, alegou.

Trabalho do MP

As suspeitas de irregularidades são investigadas pelo MP-SP. Os promotores vão colher os prontuários médicos e identificar os socorristas para saber como esses transportes ocorreram.

O Gaesp também oficiou a Secretaria de Santos para saber se sindicância interna foi instaurada, junto à Corregedoria da PM.

“Quando o corpo é retirado do local do crime, o trabalho da perícia fica prejudicado, e é difícil constatar, por exemplo, se houve um homicídio ou uma Morte Decorrente de Intervenção Policial (MDIP) – quando alguém é baleado em confronto com a polícia”, falaram especialistas em segurança pública ouvidos na denúncia dos corpos levados já sem vida aos hospitais da região.

De acordo com promotores e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a retirada dos corpos, se for confirmada, pode ser enquadrada como crime de fraude processual. A pena prevista na lei é de três meses a dois anos de detenção, e multa.

O porta-voz da PM de São Paulo, Émerson Massera, afirmou que as denúncias e os diálogos com os socorristas serão analisados. “As notícias que foram relatadas, que foram trazidas, vão ser analisadas, os diálogos com socorristas. Para que a gente consiga identificar as causas e identificar os motivos e se houver necessidade de adotar providências pelos fatos que já ocorreram serão adotados”, disse.

Pedido à ONU para encerrar operação

A Defensoria Pública de São Paulo, a Conectas Direitos Humanos e o Instituto Vladimir Herzog pediram à ONU, no último dia 16, o fim da operação e a obrigatoriedade do uso de câmeras corporais pelos policiais militares. Segundo o órgão, as câmeras não foram utilizadas em nenhuma das ocorrências analisadas.

De acordo com o documento enviado à ONU, há “indícios da não preservação das cenas dos crimes, bem como a repetição da versão policial em todas as ocorrências com morte: que os suspeitos portavam drogas, atiraram e que teriam sido socorridos ainda com vida. Nesse contexto, a ausência de corpos nas cenas de crimes impossibilitaria que a perícia coletasse provas técnicas”.

Não há previsão de a Operação Verão acabar.

Com informações do G1 e da TV Globo.