Cláudio Aparecido da Silva, ouvidor das polícias de SP - Foto: Reprodução

A Operação Verão na Baixada Santista chegou a lamentável marca de 28 mortes em 16 dias. Os números, segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), são resultado de confrontos entre policiais e suspeitos. Porém, para o ouvidor das policias do estado, Claudio Aparecido da Silva, a ação tem sido conduzida com “desrespeito à vida humana”.

Estabelecida na Baixada Santista em fevereiro de 2024, após as mortes dos policiais Samuel Wesley Cosmo e José Silveira dos Santos, a Operação Verão, segundo a SSP-SP, reforçou o efetivo de agentes de segurança na região e implantou novas fases. De 7 e 19 de fevereiro, 28 suspeitos foram mortos.

De acordo com o ouvidor, as denúncias de familiares dos mortos, de testemunhas e moradores das comunidades onde acontecem a operação evidenciam “violações de direitos humanos”. Ele citou, inclusive, a história do catador de recicláveis que teria implorado para não ser morto.

“A gente acompanha todas essas informações relacionadas a operação com muita preocupação, uma vez que a gente está vivenciando uma das operações mais letais da história da segurança pública do estado de São Paulo”, disse.

Aparecido da Silva ressaltou estar preocupado com os números de mortes, e que sente que os policiais estão com muita liberdade para fazer o que querem nas comunidades.

“A gente não vai aceitar que a polícia de segurança pública do maior estado do país seja a política de segurança pública da morte, da vingança e do desrespeito à vida humana”, apontou.

O ouvidor disse, ainda, que tem dialogado com organizações nacionais e internacionais de direitos humanos para que atuem com o objetivo de cessar ou repensar a operação, pois, de acordo com ele, no momento o estado não demonstra “compromisso com a vida”.

Operação Verão

José Silveira dos Santos (à esq.) e Samuel Wesley Cosmo (à dir.) — Foto: Reprodução
José Silveira dos Santos e Samuel Wesley Cosmo — Foto: Reprodução

A Operação Verão na Baixada Santista igualou as 28 mortes ocorridas na Operação Escudo, realizada na região em 2023. Os números foram confirmados nesta terça-feira (20). A incursão policial anterior durou 40 dias, entre os meses de julho a setembro de 2023, e foi deflagrada após a morte do policial militar da Rota, Patrick Bastos Reis. A Operação Verão, por sua vez, foi estabelecida depois da morte de Samuel Wesley Costa, outro PM da Rota, no dia 3 de fevereiro, com o reforço policial.

A SSP-SP contabiliza as mortes de suspeitos desde o último dia 3 de fevereiro. A 3º fase da operação se deu com a instalação do gabinete de Segurança Pública, em Santos, que foi desarticulado na segunda-feira (19), depois de 13 dias.

A Operação Escudo de 2023 teve o registro de aproximadamente 0,7 morte por dia. Já a Verão registrou até o momento cerca de 1,6 mortes por dia.

Em nota, a SSP-SP afirmou que todos os casos da ação atual são rigorosamente investigados pela 3ª Delegacia de Homicídios da Deic de Santos (SP) com o acompanhamento do Ministério Público e do Poder Judiciário.

Como começou a Operação Escudo?

PM da Rota morto era da capital de SP e estava em serviço quando foi atingido por criminosos — Foto: Arquivo Pessoal
PM da Rota morto era da capital de SP e estava em serviço quando foi atingido por criminosos — Foto: Arquivo Pessoal

Ela foi deflagrada na região após a morte do PM da Rota Patrick Bastos Reis, em julho de 2023. Na ocasião, o agente ser baleado durante patrulhamento em Guarujá.

Nos 40 dias de ação, segundo divulgado pelo secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, 958 pessoas foram presas e 28 suspeitos morreram em supostos confrontos com policiais. Desde o início da ação, instituições e autoridades que defendem os direitos humanos pediam o fim da operação.

Uma das mortes foi a de Rogério de Andrade Jesus. O homem teria sido supostamente executado por policiais em Guarujá. Nas imagens, é possível ver o momento em que, segundo o Ministério Público de São Paulo (MP-SP), a vítima foi assassinada dentro de casa com um tiro de fuzil.

A Defensoria Pública de São Paulo, em conjunto com a Conectas Direitos Humanos e o Instituto Vladimir Herzog, pediu, na sexta-feira (16), à Organização das Nações Unidas (ONU), o fim da operação policial na região e a obrigatoriedade do uso de câmeras corporais pelos policiais militares.

Relembre outras mortes em confrontos policias no litoral:

Sábado (dia 3 de fevereiro) – seis mortos

O primeiro suspeito, que não foi identificado, morreu na madrugada. O caso aconteceu na Avenida Francisco da Costa Pires, no bairro São Jorge, em Santos. Segundo a SSP-SP, policiais da Rota estavam em operação no local quando foram recebidos a tiros pelo homem e revidaram. O suspeito chegou a ser socorrido ao Hospital Vicentino, mas não resistiu.

Ainda naquela madrugada, José Marcos Nunes da Silva, de 45 anos, morreu. Este caso aconteceu na Avenida Sambaiatuba, no bairro Jóquei Clube, em São Vicente. Segundo a SSP, os policiais deram ordem de parada ao suspeito, que tentou fugir a pé e atirou na direção dos agentes. Em contrapartida, a família da vítima disse que José era catador de recicláveis e implorou pela própria vida.

Por volta das 11h do mesmo dia, outro suspeito, também não identificado, morreu na Rua Joaquim Teixeira de Carvalho, no bairro do Bom Retiro, em Santos. Ele foi atingido após supostamente ter atirado contra policiais do 3º BPChq.

Durante aquela noite, outras três mortes foram registradas na Vila dos Criadores, também em Santos. De acordo com a SSP-SP, suspeitos atiraram contra policiais que faziam uma incursão na região e, depois, fugiram. No entanto, houve troca de tiros e o trio acabou atingido.

Domingo (dia 4) – uma morte

Rodnei da Silva Sousa, de 28 anos, morreu após ser baleado por tiros de fuzis de dois PMs da Rota no Morro São Bento, em Santos. Ele estava em um carro de aplicativo que foi abordado pelos agentes.

Segundo o boletim de ocorrência, o motorista de aplicativo atendeu a ordem dos policiais e desceu. Porém, o passageiro, que estava no banco da frente, teria apontado uma arma contra os agentes. Dois PMs reagiram e dispararam.

Rodnei veio de Peruíbe e vivia no Morro do São Bento, em Santos (SP); ele deixou filho de 4 anos — Foto: Arquivo pessoal
Rodnei veio de Peruíbe e vivia no Morro do São Bento, em Santos; ele deixou filho de 4 anos — Foto: Arquivo pessoal

Quarta-feira (dia 7) – seis mortos

Gabriel da Silva Batista de Sena, de 14 anos, morreu após ser baleado por uma equipe da Polícia Rodoviária na Rodovia dos Imigrantes, durante a madrugada, na altura de Cubatão. Segundo Boletim de Ocorrência (BO), os policiais viram três homens em atitude suspeita andando na beira da rodovia. Eles desembarcaram da viatura e foram surpreendidos por disparos de arma de fogo.

Um homem, de 33 anos, morreu após cair do 4º andar de um prédio durante a tarde. A queda aconteceu enquanto ele fugia da Polícia Militar, que procurava pelos suspeitos de atirarem no cabo da PM José Silveira dos Santos, no bairro São Manoel, em Santos. Essa morte não é contabilizada pela Secretaria de Segurança Pública.

Na mesma data, outro suspeito, identificado como Davi Gonçalves Junior, de 20 anos, morreu após ser baleado em uma casa na Avenida Oswaldo Toschi, no bairro Jóquei Club, em São Vicente. Ele teria apontado uma arma para os policiais, que atiraram novamente em legítima defesa.

Durante a noite, por volta das 21h50, outros dois homens morreram em Itanhaém. Segundo a PM, uma equipe da Força Tática estava em patrulhamento na Rua Manoel Francisco Lisboa, no bairro Belas Artes, quando avistou suspeitos. Eles teriam efetuado diversos disparos de arma de fogo contra a equipe, que teria se defendido. Dois homens foram baleados e morreram no local, enquanto os demais fugiram.

Mais tarde naquela noite, por volta das 22h45, um homem identificado como Jonathan Correa de Oliveira, morreu baleado por policiais militares do 6º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep) na comunidade da Vila dos Pescadores, em Cubatão. Ao notar a aproximação da equipe, o suspeito teria sacado uma pistola e atirado diversas vezes contra os policiais militares, que revidaram.

Quinta-feira (dia 8) – dois mortos

Dois homens, que ainda não foram identificados, morreram em suposto confronto com policiais militares da Rota em frente a um terreno baldio de Santos.

De acordo com o boletim de ocorrência, agentes averiguavam uma denúncia sobre a localização do acusado de matar o policial Samuel Wesley Cosmo, quando viram homens que teriam disparado contra os PMs enquanto fugiam. Uma outra equipe se deparou com os indivíduos e durante confronto, dois suspeitos foram baleados.

Sexta-feira (dia 9) – quatro mortos

Por volta das 10h30, um adolescente de 16 anos morreu após supostamente entrar em confronto com policiais militares no bairro Vila Voturuá Independência, em São Vicente. A equipe policial apurava uma denúncia de tráfico de drogas.

Com o adolescente, teria sido apreendida uma mochila com 66 pinos com cocaína, 96 pedras de crack, 48 porções de haxixe e 44 cigarros de maconha, além de porções de K9, um caderno com anotações, um celular, a quantia de R$ 389 e revólver calibre 22 municiado.

Mais tarde no mesmo dia, dois homens, de 36 e 37 anos, morreram após outro suposto confronto com policiais militares do 4º Batalhão de Choque, do Comando de Operações Especiais (COE). Segundo o boletim de ocorrência, os agentes estavam em patrulhamento pela operação em combate ao crime organizado no Morro São Bento, em Santos, quando se depararam com a dupla armada.

Confronto aconteceu no Morro São Bento, em Santos (SP) — Foto: Reprodução
“Confronto” aconteceu no Morro São Bento, em Santos — Foto: Reprodução

De acordo com a corporação, a dupla passou a atirar na direção dos policiais, que revidaram com tiros de fuzis. Ao todo, foram dez disparos: sete realizados por um dos agentes e três por outro. Os homens, identificados como Jefferson Ramos Miranda e Leonel Andrade Santos, foram levados até o hospital, mas não resistiram.

Na quarta-feira (7), Davi Gonçalves Junior, morto em uma casa na Avenida Oswaldo Toschi, no Jóquei Club, em São Vicente, estava acompanhado de Hilderbrando Simão Neto, de 24 anos. Este suspeito foi baleado, socorrido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e levado ao Hospital do Vicentino, onde permaneceu internado sob escolta policial até morrer na sexta-feira (9).

Sábado (dia 10) – um morto

Allan de Morais Santos, também conhecido como “Príncipe” dentro de uma facção criminosa, morreu após ser baleado por policiais militares ao desobedecer uma ordem de parada e jogar o carro que dirigia contra uma viatura. O caso aconteceu na Avenida Martins Fontes, no bairro Saboó, em Santos. Ele chegou a ser levado para a Santa Casa, mas não resistiu.

Domingo (dia 11) – um morto

Um homem, ainda não identificado, foi baleado e morto por policiais da Rota durante um confronto, no bairro Alemoa, em Santos. Segundo a polícia, o suspeito recebeu ordem de parada, mas não obedeceu. Consta no BO que ele teria deixado a bicicleta, sacado a arma e efetuado dois disparos contra os policiais. Um dos tiros, inclusive, teria acertado a viatura policial. Os PMs revidaram com dois tiros.

Quarta-feira (14) – um morto

Um homem, de 33 anos, morreu após ser baleado por policiais militares durante confronto no Saboó, em Santos. A operação, segundo o secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Guilherme Derrite, utilizou um “atirador designado”, popularmente chamado de ‘sniper’, que disparou de cerca de 60 metros e matou o suspeito. O g1 apurou que, para essa técnica, o profissional responsável geralmente usa um fuzil.

Quinta-feira (15) – dois mortos

Um homem morreu após ser baleado por policiais militares ao longo de um confronto na comunidade Maré Mansa, no bairro Jardim Mar e Céu, em Guarujá, durante a tarde. Segundo a SSP, policiais militares realizavam patrulhamento na comunidade, quando se depararam com homens traficando drogas. Durante a abordagem, os suspeitos teriam disparados contra os agentes, que revidaram e balearam um deles.

Outro suspeito, de 31 anos, identificado como Ygor Júnior Gonçalves, foi morto com tiros de fuzil e pistola por policiais militares na comunidade México 70, no bairro Vila Margarida, em São Vicente. De acordo com o boletim de ocorrência, policiais militares faziam um patrulhamento na Avenida Brasil por volta de 16h50. Na Rua 8, os agentes foram recebidos com tiros dentro de um cômodo e revidaram. Ele foi levado ao Hospital Vicentino, mas não resistiu.

Sexta-feira (16) – três mortos

Rodrigo Pires dos Santos, conhecido como o líder de uma facção criminosa e cujo apelido é Danone, e outros dois suspeitos foram mortos durante um confronto com policiais militares da Coordenação de Operações Especiais (COE), da Polícia Militar, em Guarujá, pela manhã.

A Polícia Militar informou que o caso ocorreu, por volta de 5h50, na Rua Isaudo Martins, no bairro Santa Cruz dos Navegantes. Os agentes foram até um apartamento, onde estaria Danone. No local, eles se depararam com ele e outros dois homens. Houve confronto e o trio foi baleado, segundo a polícia.

Conhecido como Danone’e outros dois homens morreram após abordagem policial em Guarujá — Foto: Redes sociais

Sábado (17) – uma morte

Um homem, ainda não identificado, foi morto de manhã pela Polícia Militar em um local conhecido como Beco das Almas, em Guarujá. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), o suspeito puxou a arma para os policiais, momento em que foi baleado.

Segunda-feira (19) – duas mortes

Uma equipe da Rota matou um homem suspeito e deixou dois trabalhadores feridos, de manhã, no morro do São Bento, em Santos. Segundo a polícia, houve um confronto. Os moradores, porém, dizem que os policiais chegaram atirando na comunidade.

Um homem foi baleado e levado à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Zona Noroeste, mas não resistiu. Dois funcionários da Geologus, empresa contratada pela Prefeitura de Santos para executar serviços de contenção e drenagem no local, foram atingidos. Segundo a SSP, eles ficaram feridos por conta de “estilhaços”

Morte de policiais

No dia 26 de janeiro, o policial militar Marcelo Augusto da Silva foi morto na rodovia dos Imigrantes, na altura de Cubatão. Ele foi baleado enquanto voltava para casa de moto. Uma grande quantidade de munições estava espalhada na rodovia. O armamento de Marcelo, no entanto, não foi encontrado.

Segundo a Polícia Civil, Marcelo foi atingido por um disparo na cabeça e dois no abdômen. Ele integrava o 38º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M) de São Paulo, mas fazia parte do reforço da Operação Verão em Praia Grande.

No dia 2 de fevereiro, o policial da Rota Samuel Wesley Cosmo morreu durante patrulhamento de rotina na Praça José Lamacchia. O agente chegou a ser socorrido para a Santa Casa de Santos, mas morreu na unidade.

Cinco dias depois, o cabo PM José Silveira dos Santos, do 2⁰ Batalhão de Ações Especiais de Polícia (BAEP), morreu ao ser baleado durante patrulhamento no bairro Jardim São Manoel, em Santos. Na ocasião, outro policial militar foi baleado e está internado.

Chip é preso em MG

Ainda na última quarta-feira, a Polícia Militar prendeu o suspeito de matar o PM da Rota Samuel Wesley Cosmo. Kaique Coutinho do Nascimento, de apelido Chip, foi detido em Uberlândia, em Minas Gerais. O crime aconteceu em Santos.

O policial foi baleado durante patrulhamento na Praça José Lamacchia, no bairro Bom Retiro, no último dia 2 de fevereiro. Ele chegou a ser levado para a Santa Casa de Santos, mas não resistiu aos ferimentos e morreu no local.

O G1 apurou junto à PM que Chip foi preso no Bairro Gávea. A informação foi confirmada pelo secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, por meio das redes sociais.

Chip, apontado como o responsável por ter matado o soldado da Rota, Samuel Wesley Cosmo, em uma favela de Santos – Foto: Divulgação

Com informações do G1