Foto: Newton Rodrigues

O Turismo de Base Comunitária (TBC) é orientado pelos princípios da economia solidária com a valorização da forma associativa de prestação de um serviço que se caracteriza pelo fortalecimento da cultura local, visando a apropriação pelas comunidades dos benefícios advindos das visitações.

O interesse dos visitantes se fundamenta na necessidade de conhecer o que para ele é diferente da sua cultura, o resultado da interação histórica entre homem e ambiente em determinado local. A renda gerada é uma contribuição para que a cultura se fortaleça e haja reprodução social. Comumente, escolas fazem estudos do meio, principalmente em aldeias indígenas, para que os alunos se formem cidadãos e cidadãs que conhecem e respeitam a cultura dos povos originários. No entanto, outros grupos também o fazem.

O TBC se fundamenta na reciprocidade, no tríplice movimento de dar – receber – retribuir, entre integrantes das comunidades e visitantes. Aqueles que visitam aprendem, de acordo com a comunidade, a história do local, características da etnia, canto, dança, espiritualidade, o que representa a Mata Atlântica pelo olhar daqueles que vivem em interação constante com o bioma, características da alimentação, sabores dos alimentos.

Os que recebem esses ensinamentos, ou seja, os visitantes, também ensinam sobre a sua cultura. Todos aprendem se colocando em interação, o que possibilita a construção de uma visão de mundo e comportamento humanistas.

O TBC na Baixada Santista é organizado por indígenas, pescadores artesanais caiçaras e comunidades situadas no entorno do Parque Estadual da Serra do Mar. Trata-se de uma organização que se fundamenta na economia solidária por ser autogestionária, organizada pelas pessoas que residem nos locais. A emergência do TBC na região se deu em algumas comunidades por iniciativa de voluntários que tinham o objetivo de apoiar as comunidades tradicionais, seus integrantes e alguns agentes do poder público.

Porém, em 2016, foi iniciado na Baixada Santista o processo de construção de uma rede sociotécnica – que requer cooperação coletiva para o alcance de objetivos por todos que a integram – de apoio ao TBC. Havia integrantes das comunidades tradicionais, Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati), Unesp, Funai, Instituto Polis, prefeituras e Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista.

O primeiro passo foi a organização de um curso de quatro meses de duração pelos integrantes da rede com 40 vagas para indígenas, caiçaras, extensionistas, agricultores familiares e agentes dos governos municipais. Foi apresentado pelo professor Davis Gruber Sansolo (Unesp) uma metodologia de organização do TBC que desenvolveu ao longo da sua vida profissional. Ao final, os participantes apresentaram o resultado da sua aplicação, que teve apoio de técnicos da Cati, Funai, prefeituras de Mongaguá, Itanhaém, Peruíbe, Santos e Guarujá nos processos de elaboração dos planos de visitação.

A pergunta central respondida pelos participantes na realização do trabalho foi: quais aspectos da nossa comunidade nos disponibilizamos a compartilhar com os visitantes? Há nesta questão uma importante diferença do TBC com o turismo tradicional, que se organiza apenas com o interesse do turista com base na lógica mercantil. As apresentações do TBC que cada comunidade quer praticar foram realizadas no encerramento do curso e debatidas por todos os participantes. Posteriormente, outras comunidades adotaram o TBC.

Foi realizada atividade prática na aldeia Tabaçu Reko Ypy, de Peruíbe, como aula prática e, posteriormente, na Tekoá Mirim, com alunos do Liceu Santista, já como implementação da metodologia que envolvia indígenas, alunos que participaram da visitação e, também, os que não foram por serem pequenos.

Para os indígenas, a atividade realizada com os estudantes foi uma ação de TBC; para a coordenação pedagógica da escola, tratou-se de um estudo do meio, que exigiu uma metodologia específica, como relata a coordenadora do ensino médio da época, Alcielle dos Santos.

“A vivência foi muito rica e importante para o repertório dos alunos. Para nós, como escola, trata-se de prática de estudo do meio, ou seja, um estudo que se faz em campo com diferentes focos de observação. Nesse, em especial, olhamos para questões ambientais e sociológicas. Foi um estudo que compreendeu quatro etapas: debate e leitura em sala (alunos do ensino médio); recebimento das perguntas dos amigos da educação infantil, que não participariam da visita; ida à aldeia (estudo do meio para a escola e TBC para os indígenas); e rodas de conversas com exibição de vídeos e fotos, pelos alunos do ensino médio para os da educação infantil. Ao todo, cerca de 250 alunos estudaram a cultura indígena não apenas pelos livros, mas pelos conhecimentos e pelas vivências socializadas de uma aldeia de nossa região. Os alunos avaliaram positivamente a atividade e se integraram com os jovens da aldeia.

O cacique da Tekoá Mirim, Karai Edmilson, aprovou a experiência. Ele destacou que se emociona ao falar da trajetória do povo Guarani. “O futuro da etnia depende de uma maior compreensão do seu significado e da importância e valorização dos não indígenas”.

Entre 2018 e 2019, o governo estadual, por meio da Cati, em parceria com o Banco Mundial, investiu R$ 1.800.00, via Programa de Microbacias II, nas aldeias que estavam regularizadas. Esse recurso foi destinado fundamentalmente para infraestrutura e para a organização de TBC. Esse aporte foi importante e teve resultado positivo.

O período do afastamento social fez cessar as atividades de visitações às comunidades, mas paulatinamente se organizam mesmo com as dificuldades que enfrentam. Segue relação daquelas que atualmente organizam TBC em cada um dos nove municípios da Baixada Santista. São 23 experiências em aldeias indígenas, áreas rurais, caiçaras, moradores da Serra do Mar. Caso fossem considerados o Vale do Ribeira e o Litoral Norte do estado de São Paulo, esse número seria ainda mais expressivo, inclusive com o TBC organizado nos quilombos.

Bertioga – Aldeia Indígena Ribeirão Silveiras;

Cubatão – Bairros Cota – Moradores da Serra do Mar;

Guarujá – Prainha Branca – Caiçaras;

Itanhaém – Aldeia Indígena Rio Branco; Aldeia Indígena Tangará; Aldeia Nhanderekoá.

Mongaguá – Aldeia Indígena Aguapeú; Aldeia Indígena Itaóca Tupi; Aldeia Indígena Itaóca Guarani; Aldeia Indígena Arapyau; Aldeia Indígena Barigui; Área Rural – Agricultores familiares.

Peruíbe – Área Rural – Agricultores familiares; Barra do Una – Caiçaras; Despraiado – Caiçaras e agricultores familiares; Aldeia Tabaçu Reko Ypy; Aldeia Tapirema; Aldeia Piaçaguera; Aldeia Nhamandu Mirim; Aldeia Awa Porungawa Dju.

Praia Grande – Aldeia Tekoá Mirim.

Santos – Bairro Caruara – Moradores da região costeira.

São Vicente – Aldeia Paranapuã.

Em reunião de integrantes do Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista com representantes de algumas comunidades, foi respondida a seguinte questão: o que fazer para consolidar, aperfeiçoar, o TBC na sua comunidade?

As respostas mais frequentes, foram:

– Cursos de formação em TBC nos municípios – fundamentação teórica, elaboração do projeto de recepção de visitantes, como estabelecer as taxas de visitação.

– Cursos de economia solidária nos municípios.

– Definir quais espaços serão compartilhados no TBC em cada comunidade.

– Ampliação da rede de TBC com o apoio das secretarias de turismo e cultura dos municípios.

– Linha de financiamento para a implantação de equipamentos que melhorem a qualidade de vida dessas populações e, consequentemente, a qualidade de recepção dos visitantes.

– Manutenção das estradas de acesso às aldeias por parte das prefeituras.

– Divulgação em escolas, sites, stands de prefeituras em feiras, elaboração de folder.

– Promover encontros entre representantes de comunidades para trocas de experiências.

– Apoio da Agência Metropolitana da Baixada Santista com disponibilização de uma página no seu site.

Os resultados esperados são:

– Fortalecimento cultural das comunidades.

– Aumento da autoestima.

– Melhoria da coesão social nas comunidades e da qualidade de vida.

– Geração de trabalho e renda.

– Formação de cidadãos para conhecerem a importância da cultura dos povos tradicionais.

O governo federal, em 16/03/2023, por meio dos Ministérios dos Povos Indígenas, do Turismo, Igualdade Racial e Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, anunciou o projeto Experiências do Brasil Original, que vai apoiar a estruturação de roteiros turísticos em comunidades tradicionais.

Consta que esta iniciativa prevê ações de diagnóstico, capacitação, estruturação e comercialização para fortalecer o TBC, com foco para experiências lideradas por mulheres. Seria muito importante que o governo do estado de São Paulo e prefeituras da Baixada Santista estivessem juntos com o governo federal na implementação dessa política pública.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista.