Porto de Santos - Foto: Divulgação

Por Deputado Maurici*

O bom senso recomendaria que a segurança da população e a preservação do meio ambiente devem prevalecer sobre os interesses econômicos. Não é o que acontece atualmente com relação à instalação de um terminal marítimo na Baixada Santista, na porção marítima do estuário da cidade de Santos.

Um terminal que, na verdade, trata-se de um navio projetado para armazenamento e regaseificação de gás natural liquefeito (GNL), ancorado permanentemente próximo ao porto, com a finalidade de receber o gás metano vindo de outros navios metaneiros.

Apenas a carga de um desses navios, não por acaso apelidados de navios-bomba, pode carregar até 265 mil metros cúbicos de gás liquefeito, na temperatura de 162 graus célsius negativos. Somando-se o potencial de carga do próprio navio tornado terminal de regaseificação, com seus 173,5 mil metros cúbicos do produto, pode-se chegar ao volume de até 438,5 mil metros cúbicos de gás natural concentrados no local.

A preocupação com a iniciativa de tamanhas dimensões, portanto, não é injustificada. Estudos feitos nos Estados Unidos (POWER BRITTE, 1982) – e citado em um informe da Frente Ambientalista da Baixada Santista – apontam que um acidente atingindo tal volume concentrado de gás natural teria o potencial de 190 bombas atômicas, como as lançadas sobre Hiroshima, no Japão, na Segunda Guerra Mundial. Não é preciso dizer o quanto é inimaginável, ou incalculável, o prejuízo diante de uma catástrofe desta natureza.

Portanto, não é despropositado considerar que, no mínimo, navios metaneiros e o de armazenamento e regaseificação, esse último a funcionar como terminal de GNL, fiquem operando em alto-mar, o mais distante possível da costa. No caso em questão, do porto. Ou fora do estuário santista.

É o que pretende o Ministério Público do Estado de São Paulo, ao propor uma ação civil pública junto à 2ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça em Santos, com pedido de tutela antecipada visando a suspensão do licenciamento e paralisação do início da obra de implantação do terminal de atracação dos navios e, defendendo a instalação do navio-terminal offshore, ou seja, fora do estuário.

Tendo o pedido de tutela antecipado negado, o Ministério Público recorreu para o TJ-SP na capital. E então, aquele tribunal, por meio de agravo de instrumento (nº 2053883- 90.2021.8.26.0000) acatou o pedido de tutela antecipada e apontou várias omissões do EIA-RIMA (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental), pedindo a suspensão da licença ambiental e das obras.

No entanto, o então governador João Doria, por meio da lei nº 8.437/92, recorreu da decisão do TJ-SP, impetrando mandado de segurança junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que acatou o recurso, sob alegação de perdas na arrecadação do ICMS.

O então presidente do STJ não só sustou os efeitos da decisão proferida pelo TJ-SP, ou seja, o que permitiu a continuidade das obras, mesmo frente às omissões referidas, como também bloqueou qualquer outro questionamento, até o trânsito em julgado da decisão de mérito da ação principal, em primeira instância em Santos-SP.

Assim, em favor da atividade privada, e argumentação implícita em desfavor da segurança, o então governador por meio da lei nº 8.437/92, derrubou decisão do TJ-SP, alegando manifesto interesse público para evitar grave lesão à economia com a perda de ICMS, que será, no futuro, gerado pela atividade.

Tal medida é contraditória, pois, não se perder o que não se tem, além de omitir o que também é previsto nesta referida lei, ou seja, risco de grave de lesão à saúde e à segurança que, conforme o Ministério Público, comporta o referido empreendimento.

Frise-se o STJ, por meio de seu presidente, em agosto de 2021, além de derrubar a decisão do TJ-SP, vetou qualquer decisão em contrário até o trânsito em julgado da decisão de mérito da ação principal. E somente dois anos depois, após a empresa — certa da impunidade e do inexistente direito na área ambiental do fato consumado — concluir a implantação do terminal, é exarada a sentença de primeira instância julgando improcedente a ação para o arrepio da população santista.

O Ministério Público, imediatamente, recorreu para instância superior, mas é preciso uma ação legislativa legítima e eficaz, que traga a imediata proteção aos bens públicos, privados, mas sobretudo, segurança ambiental, econômica e social, que são direitos humanos inalienáveis que estão sendo maculados por manobras mentais necrocorporativas que não se espera de empresas, outrora públicas, que têm o dever de servir à população e não driblar instrumentos e diplomas legais de proteção garantidos na nossa Constituição Federal.

Chega de segurança jurídica para beneficiar projetos e empreendimentos megalomaníacos! A segurança jurídica deve atender o tripé do desenvolvimento sustentável (social, ambiental e econômico) e servir ao bem-estar da população brasileira, e não aos fins meramente lucrativos, sobretudo os necrocorporativos.

*Deputado Maurici é deputado estadual pelo PT-SP.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista.