Foto: Newton Rodrigues

A Baixada Santista possui expressiva desigualdade socioespacial. A maioria dos pobres vive em espaços precários em termos de habitação e demais direitos básicos, como saneamento, saúde pública, educação, lazer, alimentação adequada, trabalho e transporte coletivo; enquanto parte do território concentra a infraestrutura e renda dos municípios.

Os espaços onde reside a maioria dos pobres, notadamente homens e mulheres negras, têm sido alvos de operações policiais que deixam um saldo de mortes e destruição dos laços de solidariedade existentes entre os moradores das comunidades, com a evidente emergência do medo. Sob o argumento de combater o crime organizado, as pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade são submetidas à violência policial, se não bastasse a violência cotidiana imposta pelas precárias condições de vida.

Segundo especialistas em segurança pública, as operações em questão não se baseiam em inteligência que resolvam crimes de relevância, tais como tráfico internacional de entorpecentes e armas, latrocínio e violência contra as mulheres, por exemplo. São ações sem planejamento que colocam em risco a vida de moradores e a dos próprios policiais, por atuarem sem referências para elaboração de estratégias que desmontem efetivamente o crime organizado.

Com esta atuação sem fundamentação na inteligência de segurança pública, todos são suspeitos nas comunidades sob o olhar dos policiais, mas principalmente homens negros e mulheres negras. O racismo está introjetado na sociedade e significa causa e resultado das desigualdades sociais. Portanto, é estrutural. Esse quadro tem que mudar!

A Baixada Santista não precisa de operações violentas em espaços específicos, com métodos que são herdados da ditadura militar. Observam-se demonstrações de força por um governo para agradar o eleitorado elitista que pauta o seu comportamento pelo individualismo, egoísmo e desinformação. A Baixada Santista, rapidamente, adquire a fama de região violenta, semelhante à Baixada Fluminense, o que espanta turistas e afeta diretamente a sua economia. Enquanto isso, o crime organizado continua a existir sem um combate efetivo que seja fundamentado, inclusive, no desmonte da sua estrutura financeira. Fica a questão: onde está a operação de inteligência que deve integrar, também, as polícias civil e federal?

A Baixada Santista precisa de uma Operação Solidariedade, que reforce os vínculos sociais entre as pessoas e destas com o Estado, que promova a educação de forma sistêmica, o trabalho associado, a segurança alimentar, os serviços de saúde de boa qualidade e um projeto que oferte moradia digna para a população que habita em condições precárias ou vive em situação de rua. Devem-se elaborar políticas públicas para melhorar a qualidade de vida de forma participativa com a integração dos governos federal, estadual e municipais no planejamento e operacionalização. Precisa-se de uma solidariedade integral.

O Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista (FESBS) apresentou, em 2020, um conjunto de 54 propostas para candidatos às prefeituras e câmaras municipais que, se implantadas, haveria em curso a construção de um território solidário, com inclusão socioeconômica e governança ambiental. Em 2022, foram apresentadas propostas específicas para os candidatos aos governos federal e estadual.

No âmbito das prefeituras pouco ou quase nada foi adotado. Em relação ao governo estadual, além de não implementar a Lei da Economia Solidária aprovada pela Alesp em 2011, o que existe são as Operações Escudo e Verão, ou seja, a antítese de uma Operação Solidariedade.

Já o governo federal, recriou a Secretaria Nacional de Economia Solidária e o Conselho Nacional de Economia Solidária e lançou uma série de projetos que promovem inclusão socioeconômica, mas ainda falta uma política pública consistente de apoio e fomento à economia solidária. Considerando que o governo Lula reconstrói as instituições públicas federais devastadas por Jair Bolsonaro em quatro anos, há necessidade de se ter mais tempo para que o governo atue e cumpra os seus compromissos assumidos com os movimentos sociais.

Seguem algumas propostas apresentadas pelo FESBS que, se implementadas conjuntamente pelos governos, seria determinante para uma Operação Solidariedade de caráter permanente. Trata-se de uma contribuição para a construção de melhor qualidade de vida na Baixada Santista, principalmente para as pessoas que hoje são vítimas de operações pautadas pela violência e falta de planejamento com base na inteligência de segurança pública. Porém, a primeira ação a ser feita é o cessar fogo nas comunidades.

No âmbito do governo federal

– Criação de forma participativa de uma legislação nacional da economia solidária.

– Implantação de reforma tributária para viabilizar os empreendimentos econômicos solidários.

– Criação de linhas de financiamento para os empreendimentos econômicos solidários, incluindo programa para recuperação de empresas pelos trabalhadores.

– Associar o programa de renda básica a moedas sociais e bancos municipais ou comunitários.

No âmbito do governo estadual

Implementação da Lei da Economia Solidária, ñº 14.651, de 15 de dezembro de 2011, com a criação de forma participativa o Programa Estadual de Economia Solidária.

– Criação de um órgão gestor da política pública de economia solidária e centros gestores regionais.

– Estabelecimento de convênios com as prefeituras e entidades dos movimentos sociais para implementação da política pública de economia solidária.

– Estabelecimento de convênios com universidades, institutos de pesquisa e escolas técnicas para criação de incubadoras de empreendimentos da economia solidária.

– Criação de linhas de financiamento para os empreendimentos econômicos solidários rurais e urbanos, incluindo programa para recuperação de empresas pelos trabalhadores.

– Implantação do ensino de economia solidária nas escolas.

– Apoio ao turismo de base comunitária em territórios de povos e comunidades tradicionais, agricultores familiares e pescadores artesanais.

– Implantação de forma participativa o turismo em unidades de conservação com gestão dos conselhos.

– Apoio à agricultura urbana e periurbana e os circuitos alimentares de proximidades.

– Implantação de sistema de compras públicas de produtos e serviços da economia solidária

Criação do programa Jovem da Cultura Solidária para pessoas de 16 a 28 anos, contratadas pelo governo estadual por dois anos para exercerem trabalhos de produção cultural e artística de acordo com os princípios da economia solidária, atuando dentro de suas comunidades e territórios.

 No âmbito do governo municipal.

Considerando que as propostas para prefeituras e vereadores da Baixada Santista foram amplamente difundidas, inclusive pelo jornal digital Folha Santista, segue o link para acesso.

As propostas apresentadas pelo FESBS são de caráter socioeconômico. Aliado a esse conjunto de ações, deve-se criar o sentido de segurança comunitária e solidária. Onde haja educação, lazer e esportes para crianças e jovens e, ao mesmo tempo, vigilância contra o crime organizado para que não haja oportunidades de práticas de aliciamento. A educação sistêmica envolve a sociedade para o desenvolvimento da cultura da paz, contra a violência, em favor do desarmamento. Armar a população e incitar a violência, principalmente contra as mulheres, negros e pobres, são práticas vinculadas ao fascismo que devem ser sepultadas.

Torna-se determinante a definição de papéis para polícia ostensiva e a polícia investigativa, com priorização de combate ao crime organizado com inteligência, assim como aos crimes hediondos. É necessária e urgente a formação dos policiais para um olhar social, pois há ações, crimes, cometidos contra integrantes de suas próprias classes sociais. Este procedimento não se observa quando são pessoas da elite econômica que, inclusive, cometem infrações.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista.