Foto: Newton Rodrigues

Extensão é um termo comumente utilizado para se referir às ações de difusão de conhecimentos. Existem duas denominações amplamente empregadas que a qualificam principalmente quanto às instituições e agentes que a fazem: extensão universitária e extensão rural. No primeiro caso, os serviços são oferecidos pelas universidades, elaborados e executados por professores e alunos. No segundo caso, são realizados por órgãos públicos especializados e referem-se ao assessoramento continuado e integral a agricultores familiares, pescadores artesanais, indígenas e quilombolas.

A extensão rural tem origem na Irlanda, em 1845, como forma sistematizada de assistência técnica, com o objetivo de atender às necessidades reais de agricultores e suas famílias que passavam por grandes dificuldades. Naquele país, entre o referido ano e 1852, houve uma doença na cultura da batata, que era a base da alimentação da população. A fome e, como consequência, as doenças provocaram a morte de 1 milhão de pessoas e expressiva emigração.

Outro evento que significa um marco na trajetória da extensão rural foi a criação do Sistema Cooperativo de Extensão (Cooperative Extension Service) nos Estados Unidos da América em 1914. No entanto, em 1785 já havia ações que podem ser consideradas como de extensão rural nos estados da Carolina do Sul e na Filadélfia. Grupos da sociedade atuavam para a “Promoção e Progresso da Agricultura”, com oferta de prêmios pelos progressos obtidos na área, por meio do financiamento de palestras e publicação das realizações de seus integrantes.

O Sistema Cooperativo de Extensão é uma referência, pois sua organização se mantém desde a sua criação, sendo integrado pelo governo federal, por meio do Departamento de Agricultura (USDA), pelos estados, por meio das universidades e pelos governos locais, havendo em sua estrutura um expressivo número de voluntários.

É importante ressaltar que a criação da extensão rural está associada, historicamente, à necessidade de se debelar a fome e o aumento da diversificação e melhoria da qualidade dos alimentos.

No Brasil, a Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) foi criada em 1948, em Minas Gerais, por proposta da Fundação Rockfeller, que tinha o objetivo de melhorar as condições econômicas e sociais da vida rural. Em São Paulo, o marco da sua institucionalização foi o ano de 1967, com a criação da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), órgão vinculado à Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento. No entanto, antes, havia os departamentos de produção vegetal e animal que de alguma forma assessoravam tecnicamente produtores rurais.

Os serviços prestados estavam diretamente ligados ao modelo de desenvolvimento econômico do país. Dessa forma, pode-se identificar dois períodos distintos: de 1945 a 1985 e de 1985 até o presente.

No início do primeiro período, até 1960, sob influência dos EUA, a extensão rural foi moldada para que tivesse um caráter humanista, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida da família rural. Posteriormente, a verdadeira intenção emergiu com o direcionamento dos serviços de extensão rural para mudar, por meio de práticas difusionistas, a base tecnológica de produção agropecuária.

Esse processo transformou o produtor em consumidor de produtos químicos, máquinas e implementos agrícolas e, com isso, movimentou a economia dos EUA, que produzia e exportava esses componentes. O objetivo era modernizar o processo produtivo e, consequentemente, aumentar a produtividade da terra. O crédito rural era usado de forma orientada, voltado para os produtos de exportação. A extensão não atuava para que os agricultores se organizassem e, consequentemente, os trabalhos de promoção social junto às famílias dos produtores foram abandonados. As preocupações com a qualidade de vida do homem no campo eram um engodo. 

Esse processo permaneceu até o início da década de 80 e foi denominado de modernização conservadora da agricultura brasileira ou revolução verde, que de verde nada teve, e foi responsável pela criação do agronegócio no modelo atual. As consequências, todos conhecemos: êxodo rural, concentração da propriedade da terra, contaminação dos alimentos e do ambiente com agrotóxicos. 

Esse período pode ser caracterizado como difusionismo produtivista, ou seja, a extensão rural difundiu técnicas para aumentar a produção.

Porém, emergiu a crítica ao modelo de extensão em curso, realizada principalmente pelo educador Paulo Freire, que publicou o excelente livro “Extensão ou Comunicação?” e por pesquisadores que trabalhavam no Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas (IICA). A proposta era que fosse criado um modelo de extensão rural capaz de construir relações horizontais entre extensionistas e produtores. A extensão estaria além da difusão de resultados tecnológicos da pesquisa, pois buscaria desenvolver processos participativos, fundamentados na educação, com a valorização dos conhecimentos dos produtores, problematização da realidade e construção coletiva das soluções, sejam elas de ordem técnica ou organizacional. Em 1975, o governo federal criou a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Embrater) para coordenar esse processo em todo o país com a atuação de afiliadas nos estados, denominadas Empresas de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater).

Nas décadas de 1980 e 1990 houve uma diminuição dos recursos empenhados para a extensão rural em toda a América Latina, visto que as elites dominantes brasileiras orientadas pelo neoliberalismo difundido, principalmente, por Ronald Reagan e Margaret Thatcher, avaliaram que o papel da extensão rural havia se extinguido com a estruturação do agronegócio e que os agricultores familiares deveriam buscar assessoramento técnico no mercado, junto à iniciativa privada. Em 1990, Fernando Collor extinguiu a Embrater e algumas Emater tiveram o mesmo destino.

Porém, havia novos desafios lançados, principalmente a partir do Relatório Brundtland (ONU), de 1987, quando emergiu o conceito de sustentabilidade. Os fatores que motivaram o modelo de desenvolvimento adotado pelos países industrializados ou em desenvolvimento foram o uso excessivo dos recursos naturais sem considerar a capacidade de suporte dos ecossistemas e a incompatibilidade entre desenvolvimento sustentável e os padrões de produção e consumo vigentes.

O Relatório apontou que o desenvolvimento deveria responder às demandas do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir as suas próprias necessidades. Assim, colocava-se em debate o modelo de desenvolvimento estimulado na América Latina pela extensão rural. No Brasil, em 1997, a Federação dos Trabalhadores da Assistência Técnica e do Setor Público Agrícola do Brasil (Faser) propôs uma nova definição para extensão rural, fundamentada na reflexão elaborada por Paulo Freire e que atendia às necessidades do conceito de sustentabilidade: “Processo educativo que se propõe a contribuir de forma participativa com o desenvolvimento rural sustentável, centrado na expansão e fortalecimento da agricultura familiar, que assegure a construção do pleno exercício da cidadania e a melhoria da qualidade de vida da sociedade”.

Dessa forma, emergiram no conceito e nas ações da extensão rural, termos como participação, desenvolvimento rural sustentável, agricultura familiar e pleno exercício da cidadania, que contrastam com “difundir informações úteis e práticas” e “encorajar a aplicação das mesmas”, que estão vinculadas a um período em que a prioridade era a modernização conservadora da agricultura.

Observa-se, assim, uma proposta de mudança das ações dos extensionistas, que deixariam de priorizar a difusão tecnológica para terem uma orientação pedagógica dialógica. O estímulo à organização autônoma dos produtores também passaria a ser prioridade. O modelo construtivista passou a ser preconizado em substituição ao modelo difusionista. A prática do “é essa a melhor tecnologia para todos”, passou para “qual a melhor tecnologia de acordo com a realidade local?” A atuação dos extensionistas deveria contemplar o assessoramento técnico aos produtores no que concerne às atividades agropecuárias, assim como de catalisação de processos sociais com a inclusão do ambiente nos debates e projetos.

Em 2004, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), extinto em 2019 por Jair Bolsonaro, elaborou a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER), que se se tornou referência por valorizar a agroecologia, a agricultura familiar e as comunidades tradicionais. A PNATER definiu o papel dos extensionistas na execução de programas e projetos vinculados ao Plano: “Participar na promoção e animação de processos capazes de contribuir para a construção e execução de estratégias de desenvolvimento rural sustentável, centrado na expansão e no fortalecimento da agricultura familiar e das suas organizações, por meio de metodologias educativas e participativas, integradas às dinâmicas locais, buscando viabilizar as condições para o exercício da cidadania e a melhoria da qualidade de vida da sociedade”.

Nessa perspectiva, os extensionistas devem desempenhar, pelo uso de metodologias participativas, um papel educativo, privilegiando o potencial endógeno das comunidades, resgatando e fazendo interagir os seus conhecimentos com aqueles do público beneficiário.

Porém, com o aprofundamento do neoliberalismo no Brasil e no estado de São Paulo, os serviços de extensão rural são desmontados, a despeito da insegurança alimentar grave ou moderada que expressiva parte da população brasileira vivencia. Esse processo se dá, ao contrário da Irlanda, que como citado, criou a extensão rural para combater uma situação também de fome da população.

Atualmente, os poderes executivo e legislativo de quase todo o país são dominados por representantes do sistema financeiro e do agronegócio que agem para deixar agricultores familiares, pescadores artesanais, quilombolas e indígenas à própria sorte, no mercado. Todos sabemos que esses segmentos não têm condições de pagar por serviços de assessoramento técnico e organizacional. Além disso, a Constituição de 1988 determina que esses serviços devem ser prestados gratuitamente pelo Estado.

Também é importante destacar que os cursos que o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) disponibilizam para agricultores familiares são pontuais, não há continuidade no assessoramento e atendem a um pequeno número de agricultores.

O fortalecimento da agricultura familiar é estratégico para a segurança alimentar dos brasileiros, visto que a maior parte dos alimentos consumidos no país têm origem neste segmento, que disponibiliza diversidade, qualidade, gera trabalho e renda para a família e constrói proximidade com os consumidores. Neste sentido, difere do agronegócio, que produz para a exportação um pequeno número de produtos, ocupa grandes áreas, impacta negativamente o ambiente e se fundamenta na lógica da acumulação de capital por poucos.

A extensão rural tem um papel fundamental para fortalecer a agricultura familiar, a pesca artesanal, quilombos e aldeias indígenas de acordo com a orientação da PNATER. Presta assessoramento técnico e organizacional, orienta para a transição agroecológica, apoia a criação e funcionamento de circuitos curtos de comercialização com base nos princípios e valores da economia solidária, apoia e assessora para o associativismo e cooperativismo, orienta o acesso a programas governamentais como o Programa de Aquisição de Alimentos e Programa Nacional de Alimentação Escolar, viabiliza a construção de redes sociotécnicas colocando em relação diferentes atores sociais para a viabilização de projetos, assessora a adequação da propriedade rural às exigências da legislação ambiental, elabora projetos de abastecimento alimentar colocando em relação o campo e a cidade.

A Ater já serviu para construir o agronegócio. Agora, por que não atender àqueles que produzem alimentos e vivem no campo? Fortalecê-la é contribuir para que se construa democracia econômica e garanta a segurança alimentar com base em organizações que se fundamentam na solidariedade em forma de reciprocidade entre os diferentes atores sociais.

Faz-se necessário promover concursos públicos para extensionistas, formação dos aprovados de acordo com a orientação da PNATER e valorizar os profissionais que já atuam na Ater, melhorando as condições de trabalho.

Caso a pesquisa científica seja alinhada a esse tipo de Ater e aos projetos dos agricultores familiares, pescadores artesanais, quilombolas e indígenas, pode-se construir a estrutura denominada tecnociência solidária. Para a compreensão dessa proposta, acessar o livro em PDF intitulado “Tecnociência Solidária, um Manual Estratégico”, do professor Renato Dagnino.

Dia 6 de dezembro se comemora o Dia do Extensionista. Parabéns a esses profissionais que assumiram a missão de construir uma sociedade mais justa, inclusiva, para a promoção da segurança alimentar e organização da economia solidária.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista.