Foto: Kamila Drieli

Dia desses pensei em fazer graduação em filosofia só para ter o título de filósofa e, por conseguinte, me sentir segura para expor todos os meus insights advindos de muita observação e convivência com outros exemplares da minha espécie, percepções sobre o comportamento humano.

A busca pelo conhecimento é uma estrada infinita, árida, destruidora de inocências e reveladora de nuances péssimas de nós. Sem contar todas as ideias medíocres que surgiram a partir dos filósofos do século XVIII e que perduram até hoje sem embasamento científico algum, coisas como a divisão das pessoas em raças.

A consciência da dinâmica, do sistema, da desigualdade que o alimenta, me faz questionar o propósito original: viver. Se não posso apenas nascer, adentrar e usufruir da natureza livremente, me alimentar nutritivamente, dormir adequadamente, criar meus filhotes afetivamente, não existo conforme meu DNA está programado.

Como viver dentro de uma máquina que tritura quem a faz funcionar?

Dia desses li a seguinte frase no Instagram do Padre Julio Lancellotti: “Sou um fracassado, pois essa é a lógica do sistema injusto e de exclusão ao qual pertencemos. Fazer sucesso é ser conivente com ele e isso eu não sou”.

Amigas próximas podem imaginar o triplex que o Padre construiu na minha cabeça com essa publicação. Parecem não haver alternativas. Ou a alternativa mais bonita seja viver da forma mais modesta possível para ajudar pessoas menos favorecidas a viver de forma mais justa. Mas, ainda assim, viver de forma modesta não amputa a fome que milhões sentem. Ajudar os próximos, os visíveis, não exclui toda maldade que milhões sofrem neste exato segundo.

Novamente me pego presa entre desejar ficar rica, me tornar uma escritora conhecida, criar campanhas para grandes marcas, ouvir minhas músicas na voz de grandes intérpretes e poder usufruir do que o homem inventou de melhor ou apenas parar tudo que estou fazendo e aceitar que eu nunca poderei alterar essa realidade, no máximo posso mudar vidas próximas, dos que amo, dos que não me viraram as costas nunca. Pensando assim acho até bacana a ideia de ganhar muita grana, isso viabilizaria maior possibilidade de ajuda. Mas viver no luxo, no exagero que só o dinheiro compra e nos segrega, não seria uma confissão explícita de descaso? Logo, as boas ações que exerço seriam apenas uma forma de me consolar, de me sentir menos conivente com tudo isso?

Estou cansada de me sentir frustrada por viver num mundo fictício e me afastar cada vez mais do que é de fato real. Cansada de observar todos os absurdos que esse modelo perpetua. Por vezes tento buscar um sentido mais amplo, olho pro meu filho e penso que ele tem direito de ver e tocar a beleza, de sentir o poder da matéria que nos compõe. Ao mesmo tempo me vejo fragilizada e infeliz por não ter escolha. Não posso simplesmente escolher um pedaço de terra no meio de uma floresta e viver lá, plantando e colhendo meu alimento, ouvindo o barulho do vento e dos insetos à noite. Existindo conforme minha natureza e em contato com essa mesma natureza que me sustenta.

Ao invés disso, eu preciso de um smartphone e de força e coragem pra continuar sendo massacrada por um mecanismo que me impede de ser o que nasci pra ser e, no meio disso tudo, ainda aprender a amar, ainda aprender o que é amor.

Aprender, sobretudo, que não se pode ter tudo, é preciso escolher: A burrice passageira ou a felicidade eterna?

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista.