Foto: Divulgação/Prefeitura de Santos

Em 1978, eu era um menino de 13 anos e já tocava na Banda do Colégio Ateneu Santista. Na época e por conta desse ambiente musical, eram formadas algumas rodas de samba nas imediações do bairro com – Elias do Cavaco e Barbosinha (in memoriam), Jadir, Rubens Gordinho entre outros bambas.

O preconceito com o estilo musical ainda era presente e não era raro a gente ter que parar o samba por conta de reclamações da vizinhança. Sonhava em desfilar numa escola de samba e fui incentivado pelo saudoso amigo Sérgio Barroso a fazer um teste numa das baterias mais respeitadas da cidade – GRCES Brasil.

Chegou o dia esperado e lá fomos eu e meu amigo mais velho à Rua Santos Dumont, no Macuco. O local era a sede da escola e a casa da “Tia Isaurinha”. Na parede da sala aonde se guardavam os instrumentos, me deparei com uma frase num quadro que nunca mais saiu da minha cabeça – “Não é bateria, é uma sinfônica encourada”.

Fui apresentado ao mestre “Paulinho” e ao seu parceiro “Buchecha”, com a intenção de desfilar na bateria. Fui avisado que pra tocar caixa, teria que passar pela “prova de fogo”, que era simples assim: ao comando do mestre, a bateria para e você continua a tocar sozinho durante alguns compassos – se pipocar, já era, tá fora, se mandar bem, tá aprovado!

Naquele instante senti uma espécie de medo misturado com o prazer de um desafio adolescente. Na hora da entrega dos instrumentos, esse menino foi alertado mais uma vez que não teria moleza. O ensaio começa, não demora e assisto um verdadeiro esculacho num cara que foi reprovado. A tensão aumenta e logo na sequência o mestre encosta ao meu lado, aponta pro meu instrumento e dá o comando pra bateria parar.

Era a minha vez. Respirei fundo, me concentrei, busquei coragem e toquei com a vontade e a força que não conhecia ter. Aqueles compassos de solo com todos os olhares e ouvidos a me analisar pareciam uma eternidade.

Enfim, é dado o comando, a bateria volta com seus surdos, repiques, tamborins, agogôs e chocalhos e recebo naquele momento um tapa nas costas. Era o sinal que estava apto a participar do grupo, aprender mais e realizar meu sonho de desfilar.

Que alegria sentiu aquele menino nesse dia. Terminei a noite com as mãos cheias de bolhas e sangue nos dedos, mas feliz e orgulhoso do meu feito. “Mestre Paulinho”, que a princípio parecia ser durão, veio falar comigo em outro tom, de forma educada, me presenteou com uma regata da escola e disse: “Aí garoto, se você vai desfilar mesmo com a gente, vem nos ensaios com essa camiseta que é pra malandragem não te incomodar”.

Foram 8 anos consecutivos desfilando na bateria da “GRCES Brasil”. Carrego comigo o orgulho de muitas notas 10 ao lado dos meus companheiros de bateria. Sou muito grato por tudo que aprendi nesse período com o “Mestre Paulinho”, que já levou seu apito pro céu, mas deixou uma herança imensa por aqui, fortaleceu a minha musicalidade e me ensinou na prática, como já dizia “Noel Rosa”, que “batuque é um privilégio”.

*Michel Pereira é produtor artístico, técnico e executivo, músico percussionista e batuqueiro, proprietário do Torto Bar e Bar do 3, Secretaria de Cultura de Santos (2016 a março 2024).

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista.