Foto: Reprodução/TV Globo

Por Rafael Ambrosio*

Infelizmente, a Baixada Santista sofre com os resultados das fortes chuvas ocorridas neste início de mês de março. Porém, ao contrário do que o senso comum reproduz e do que políticos, de forma desonesta, divulgam, as tragédias oriundas das inundações e dos deslizamentos ocorridos principalmente em áreas onde vivem famílias mais vulneráveis, não é apenas questão da ocorrência das chuvas, mas, principalmente, pelo modelo perverso de urbanização ao qual as cidades não só da BS, mas da esmagadora maioria dos municípios brasileiros, estão sujeitos.

Um modelo de ocupação e expansão urbana marcado por forte desigualdade social, que é socialmente segregador e ambientalmente degradante. É socialmente segregador, pois alija das áreas urbanizadas e bem localizadas a população excluída, que não consegue comprar moradia através do mercado, e é, ao mesmo tempo, ambientalmente degradante, pois dá como única opção de moradia às famílias de baixa renda, a ocupação de áreas ambientalmente frágeis, impróprias para habitação e sujeita a riscos, como os deslizamentos que vimos neste início de mês.

Esse quadro de desigualdade social refletida no modelo de ocupação das cidades fere, de forma direta, o acesso a direitos sociais garantidos constitucionalmente, tais como o direito à moradia, ao transporte, ao lazer e à segurança, mas com reflexos também em relação ao acesso à educação e saúde (Art.º 6 da CF,1988).

Assim, temos duas cidades em um mesmo território. De um lado, a “cidade formal”, que é caracterizada por espaços urbanos privilegiados, que dispõem de toda infraestrutura urbana e que, em períodos como estes de fortes chuvas, sofrem, mas se recuperam rapidamente, e onde o prejuízo fica limitado à perda de bens materiais, como carros em garagens alagadas.

De outro lado, temos a “cidade informal”, produzida como única alternativa para a população de baixa renda que não possui condições financeiras de morar na “cidade formal”, e é caracterizada pela ocupação de espaços sem condições razoáveis de habitabilidade, áreas ambientalmente frágeis, sem oferta de infraestrutura, serviços e equipamentos públicos.

As consequências da ocupação desses espaços se dão de diversas formas: pela ilegalidade urbanística e edilícia, pela precariedade construtiva das habitações, pela falta ou inexistência de infraestrutura, serviços e equipamentos públicos e pela permanente exposição não só a riscos e tragédias como as que estamos observando, mas também pela exposição ao contágio de doenças provenientes da falta de saneamento básico.

Esse modelo predominante de produção das cidades brasileiras, caracterizado por agressão ao meio ambiente, segregação socioespacial e ilegalidade, só tende a ser revertido se as políticas públicas voltadas ao desenvolvimento urbano e ambiental convergirem para o cumprimento da função social da propriedade urbana, ou seja, a garantia do direito à cidade e à moradia.

Nessa lógica, a única maneira de defender a integridade de áreas ambientalmente sensíveis é oferecendo moradia digna para a população de baixa renda. Estudos recentes apontam que o déficit habitacional nas cidades da Baixada Santista vai além de 100 mil unidades. Guarujá, São Vicente e Santos são os municípios com o maior déficit, 33 mil, 20 mil e 10 mil unidades, respectivamente, segundo dados divulgados recentemente. São justamente as cidades onde foram registradas mortes devido a deslizamentos.

*Rafael Ambrosio é arquiteto, urbanista e professor universitário