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Por Sania Cristina Dias Baptista*, José Marques Carriço** e Marcos Pellegrini Bandini***

Antes de se falar sobre o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI) da Região Metropolitana da Baixada Santista (RMBS), é necessário lembrar os motivos e condições da organização da nossa Região Metropolitana, criada por meio da Lei Complementar nº 815, de 30 de julho de 1996, sendo a primeira Região Metropolitana do país, fora de uma capital e a primeira no estado de São Paulo, organizada segundo a Constituição Federal de 1988.

Importante lembrar, também, que essa Lei foi aprovada apenas após intensa mobilização da região, quando os prefeitos da época se apresentaram ao recém-eleito governador Mario Covas, de posse de uma pauta regional pactuada e discutida publicamente, em que se destacavam questões de saúde, mobilidade, saneamento e educação, dentre outras.

A legislação apenas reconheceu o que os estudos apontavam desde a década de 1970: nossa vida urbana funciona de forma extremamente integrada, moramos em um município e trabalhamos ou estudamos em outro, bebemos água que vem de nascentes distantes e nossos resíduos são tratados e dispostos muitas vezes fora do nosso município.

Ou seja, em nossa região estão muito claras as questões denominadas pelos técnicos como Funções Públicas de Interesse Comum, especialmente aquelas relativas à mobilidade e transporte, ao saneamento ambiental, à habitação e ao desenvolvimento econômico, cujo equacionamento depende da atuação cooperada e solidária dos municípios, do estado e da União e, em alguns casos, em parceria com a iniciativa privada. Dessa forma, o planejamento e o desenvolvimento de ações integradas relativas a essas Funções Públicas de Interesse Comum não podem se restringir a convênios, que o governo do estado estabelece em separado com cada município, o que acaba por pulverizar recursos tão necessários e escassos.

É necessário buscar um processo permanente de planejamento e cooperação, que conte com novos instrumentos de gestão, implementação e acompanhamento das ações planejadas, utilizando da integração dos diversos fundos de financiamento e, principalmente, de um efetivo controle social que possa garantir a implementação das ações para além do calendário eleitoral.

Desde sua criação em 1996, muitos planos foram realizados para a RMBS, como o Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado (PMDI), realizado em 2002, que se tornou base para aprovação da destinação de recursos do Fundo Metropolitano de Desenvolvimento da Baixada Santista (Fundo), e o Plano Metropolitano de Desenvolvimento Estratégico (PMDE), iniciado em 2013 e aprovado pelo Condesb em abril de 2014.

Após a aprovação da lei federal nº 1.089/2015, o Estatuto da Metrópole, os planos metropolitanos, agora denominados Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI), devem ser aprovados por Lei Complementar Estadual, o que juntamente com a exigência da existência de um “sistema de acompanhamento e controle de suas disposições” (inciso IV do artigo 12 do EM), pode conferir maior efetividade às propostas existentes no PDUI.

O PDUI da RMBS foi aprovado pelo Conselho de Desenvolvimento da Baixada Santista (Condesb), em 28 de novembro de 2017, ocasião em que este órgão encaminhou minuta de Projeto de Lei Complementar ao governador do estado, que estranhamente não foi encaminhada para a Assembleia Legislativa até a presente data.

Importante lembrar que o PDUI da Baixada Santista foi realizado com alguma participação da sociedade civil, de abril de 2016, quando o Condesb aprovou o Plano de Trabalho elaborado pela Câmara Temática de Planejamento, até sua aprovação em novembro do ano seguinte.

Essa versão aprovada pelo Condesb incorporou as propostas do PMDE de 2014 e o macrozoneamento do Zoneamento Ecológico e Econômico (ZEE), definido no Decreto nº 58.996, de 25 de março de 2013, avançando ao propor um Sistema de Monitoramento e Avaliação do Plano (Sima) e ao instituir uma Instância Deliberativa do PDUI denominada Comissão do PDUI, cumprindo o estabelecido no Estatuto da Metrópole.

O Sima deveria estabelecer os meios de controle social do planejamento e execução de Funções Públicas de Interesse Comum, por meio do acompanhamento da implementação dos objetivos, e metas para o desenvolvimento da regional, da proposição de ajustes, atualizações e revisões, bem como da compatibilização dos orçamentos plurianuais e anuais do estado e dos municípios.

A Instância Deliberativa do PDUI da Baixada Santista deveria atuar como órgão de assessoramento ao Condesb, na formulação de políticas de desenvolvimento urbano e na implementação do processo de planejamento.

Infelizmente, porém, o governo do estado de São Paulo tem sistematicamente esvaziado as pautas regionais, dando prioridade ao tratamento setorial de questões fundamentais para o desenvolvimento da nossa região. Também barra, na elaboração e aprovação dos Planos Plurianuais e das Leis Orçamentárias Estaduais, a destinação de recursos orçamentários vinculados às questões de interesse metropolitano.

Só para exemplificar, questões como a ligação seca entre Santos e Guarujá, a melhoria das travessias hidroviárias, da privatização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, questões relativas ao enfrentamento da crise climática, ao desenvolvimento do Porto, são tratadas sem qualquer articulação, seja com o conjunto das prefeituras, seja entre os diversos órgãos setoriais do Estado ou da União.

Em meio a esse esvaziamento da pauta do planejamento e gestão regionais no setor público e da sua memória técnica, com a extinção da EMPLASA, empresa estadual com décadas de serviços prestados ao planejamento e gestão metropolitanos de São Paulo, a Agência de Desenvolvimento da Baixada Santista (AGEM), criada para apoiar tecnicamente o Condesb, também foi sistematicamente esvaziada desde o início do governo Doria. Mas, em agosto de 2023, surpreendentemente, foi convocada uma reunião do Condesb, para uma segunda “aprovação” do PDUI, com alterações no texto original de 2017 que resultam em significativas modificações de conteúdo. Importante destacar que para essa finalidade não houve mobilização e participação da sociedade, como em 2017.

Esse segundo PDUI, inicialmente, já desvincula o Macrozoneamento da RMBS do Zoneamento Ecológico Econômico de 2013, condicionando-o apenas a uma aprovação do Condesb, onde o governo do estado pode fazer maioria se acompanhado apenas de um município. Isso tornaria o macrozoneamento da região extremamente frágil, podendo ser alterado com facilidade.

Essa versão também simplifica as definições do Sistema de Monitoramento e Avalição e, principalmente, afirma que o próprio Condesb exercerá as funções da Comissão do PDUI da Baixada Santista, que deveria atuar como órgão de assessoramento ao próprio Conselho, na formulação de políticas de desenvolvimento urbano e na implementação de um processo permanente e participativo de planejamento.

Isso tudo, porém, não tem qualquer validade prática, visto que o governo do estado de São Paulo, embora tenha criado novas regiões e conselhos de desenvolvimento metropolitanos, mobilizou as prefeituras para a realização de PDUIs e principalmente para definir, no bojo dessa discussão, alguns “projetos estratégicos específicos”, sem ter encaminhado, até o momento, qualquer projeto de lei para a Assembleia Legislativa do Estado. Essa situação leva-nos a crer que todos esses PDUIs serão revisados e refeitos sempre que interessar mobilizar alguma obra de cunho regional, em flagrante desrespeito ao Estatuto da Metrópole.

Fica a expectativa de que a participação da sociedade civil no Condesb possibilite a reversão desse quadro, com o resgate do planejamento regional e a aprovação de um PDUI que possa efetivamente influenciar as decisões sobre pautas de interesse da região.

*Sania Cristina Dias Baptista e **José Marques Carriço são arquitetos e urbanistas e ***Marcos Pellegrini Bandini é geólogo.

Todos são pesquisadores do Núcleo da Baixada Santista do Observatório das Metrópoles, que desenvolve o projeto Observatório das Metrópoles nas Eleições: um outro futuro é possível.

****Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista.