A execução de Wallace deixou os moradores da Vila Telma indignados - Foto: Arquivo pessoal

O corpo do jovem negro Wallace dos Santos Dorvalino, mais conhecido como Pilão, de 27 anos, foi sepultado neste domingo (17), no Cemitério Municipal de Cubatão. Ele foi executado por policiais militares, na sexta-feira (15), no bairro Vila Telma, na divisa entre São Vicente e Santos.

Wallace, morador da Vila dos Pescadores, em Cubatão, deixa esposa e dois filhos, um menino de 4 anos e um bebê recém-nascido.

A operação, gravada em vídeos pela população e divulgada pelo Folha Santista (veja aqui), foi protagonizada por policiais do 2º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep), que prenderam outro jovem, chamado Felipi Macedo Rocha de Queiroz, de 20 anos.

A ação teria ocorrido como retaliação, após a morte de um soldado da Polícia Militar, cujo corpo foi encontrado neste sábado (16). Bruno de Oliveira Gibertoni, 30 anos, saiu de casa na noite de terça (12) para ver um jogo de futebol e, desde 1 hora de quarta, estava desaparecido. Seu corpo foi encontrado em uma área de mangue em Cubatão.

A execução de Wallace deixou os moradores da Vila Telma indignados. Todos que deram seus depoimentos ao Folha Santista demonstraram revolta e tristeza profunda pelo que ocorreu.

Uma testemunha, que preferiu não se identificar com medo de represálias, afirmou que viu toda a ação.

“Eu estava no fundo do beco que dá bem de frente onde ouve o acontecido. Ele (Wallace) não estava armado, apenas pulou do barco para poder se salvar. Ele estava nadando, os polícias chegaram e começaram a dar tiros. Os primeiros não pegaram nele, mas os outros dois acertaram na cabeça. Os policiais usavam fuzis”, relata.

Ela disse que conhecia Wallace. “Gente boa. Era na dele, muito humilde. Conheço a família também. Todos de coração bom demais”.

Outra moradora, que também pediu para não informar seu nome, disse que Wallace e Felipi se tratavam como irmãos e passeavam de barco com frequência. Inclusive, tinham o hábito de levar os respectivos filhos. “Felizmente, justo nesse dia, eles não levaram as crianças”, conta.

A moradora revela que Felipi é um rapaz tranquilo. “Jamais se envolveria no assassinato de um policial. É grudado no filho e nos pais. Nunca foi de ficar horas fora de casa. Todos os moradores aqui o conhecem bem”.

Preocupada com Felipi, ela diz que o rapaz deve estar psicologicamente abalado. “Ele é muito sentimental, tinha várias crises de choro. Imagina ver um ‘irmão’ ser assassinado na frente dele”.

Amigos e familiares se despediram de Wallace – Foto: Reprodução/Facebook Vila Siri Pescadores

Desabafo

Outro morador, que também guardou anonimato, fez um desabafo emocionado sobre a execução de Wallace e pediu justiça.

“Se os policiais estão certos e não devem nada, por que ameaçaram o povo da nossa comunidade, enquanto estávamos filmando tudo? Outra coisa: não havia operação nenhuma no bairro e não havia dois barcos, era apenas um com esses dois jovens, um bote da polícia e um helicóptero. Também não houve trocas de tiro. Os meninos estavam dentro da água e não dispararam tiros em ninguém”, diz o morador.

“O vídeo está circulando de todos os ângulos. Todos estão vendo, principalmente o Doria, governador mentiroso, que alegou que estava havendo uma operação na comunidade Vila Telma. Não estava. É uma vergonha pra ele e esse governo PSDB, que não é de hoje que coloca policiais dentro das comunidades com a justificativa de fazer o trabalho de combate ao crime. Porém, a realidade é outra”, acrescenta.

O morador revela seu receio. “Somos humanos, trabalhamos, pagamos impostos e os salários dos policiais. Temos medo, sim, de colocar a cara e denunciá-los, porque sabemos que a nossa vida estará em jogo. Queremos apenas respeito”, destaca o morador.

“Não exponho meu rosto para garantir minha segurança e minha vida, pois tenho família. Eu afirmo que o jovem negro assassinado não trocou tiros com nenhum deles. O vídeo está aí, mostrando ele com as mãos para o alto e os policiais o executando”, diz.

Outro morador relatou que os dois jovens estavam no barco. “No momento em que viram a polícia entraram em desespero e com a voz de rendição pularam na água. Wallace levantou as mãos, mostrando que não tinha nada e os policiais atiraram mesmo assim”.

Wallace e Felipi se tratavam como irmãos – Foto: Reprodução/Facebook Página Vila Siri Pescadores

Violência estimulada

De acordo com Ariel de Castro Alves, advogado, especialista em direitos humanos e segurança pública, além de membro do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, “as imagens e também os relatos de moradores que estão na página Vila Siri Pescadores indicam que o jovem negro foi executado, apesar de os PMs alegarem confronto”.

“Este jovem e o rapaz branco, que também estava no barco, se renderam diante da abordagem policial. Mas o rapaz negro, mesmo assim, foi alvo de disparos dos PMs. Na verdade, em ações desse tipo, se um deles tivesse, de fato, efetuado disparos contra os PMs, nenhum sobreviveria, certamente ambos seriam alvejados. Além disso, PMs alegam algo praticamente impossível, do jovem que foi morto ter efetuado disparos quando já estava dentro da água”, analisa o advogado.

Para Ariel, ações violentas e assassinatos cometidos por policiais se tornaram mais corriqueiros e evidentes. “Afinal, os policiais nunca estiveram tão encorajados para cometerem abusos desde a ditadura militar, diante do governo Jair Bolsonaro, que claramente estimula a violência policial e prega que policiais não sejam punidos, quando se envolvem em ações abusivas contra civis”.

O advogado lembra que na última semana a ONG Internacional Human Rights Watch divulgou um relatório, demonstrando que ocorre no Brasil uma escalada de violência policial.

“Em 2019, as polícias brasileiras mataram 6.357 pessoas no país, colocando o Brasil entre os países com mais violência policial no mundo. Aproximadamente 80% das vítimas eram negras”, ressalta.

Secretaria de Segurança

Em nota enviada ao Folha Santista neste domingo (17), a Secretaria da Segurança Pública (SSP) diz que, na sexta-feira (15), policiais faziam diligências na região do Rádio Clube em busca do policial militar que estava desaparecido, quando do outro lado do canal que faz divisa com a última ponte foram recebidos a tiros por indivíduos que fugiram em duas embarcações. Os policiais revidaram.

Um dos barcos, de acordo com as informações que constam do boletim de ocorrência, retornou de onde havia saído com diversos indivíduos e o outro seguiu sentido Cubatão. Foi solicitado apoio para a equipe de bote do Baep que se encontrava no canal para que se interceptasse um dos barcos que fugiu.

A nota da SSP diz que a equipe foi alvejada por disparos e revidou. “Em seguida, dois indivíduos pularam do barco, sendo que um deles continuou dentro d’água efetuando disparos em direção aos policiais e outro se entregou”, diz o documento. A SSP afirma que foi solicitado apoio do Corpo de Bombeiros para realizarem buscas pelo canal, “mas o comparsa não foi localizado até o término da operação”.

No barco em que estava o preso foram apreendidos drogas, caderno com a contabilidade referente ao tráfico de drogas e uma pistola calibre 380. Na outra embarcação que estava abandonada, havia dois aparelhos celulares, cápsulas deflagradas, um rádio HT, mais cadernos e entorpecentes.

Ao todo, foram encaminhadas para perícia 2.277 porções de drogas, junto com as armas dos PMs e dos envolvidos e os outros itens. A SSP diz que o jovem preso tem 20 anos.

O caso foi registrado como drogas sem autorização ou em desacordo, tentativa de homicídio, posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito.