Por Gabriela Ortega*
Escreva “Porto de Santos” nos mecanismos de busca e uma enxurrada de matérias positivas aparecerá na tela: sempre batendo recordes de cargas e investimentos, expandindo terminais ou anunciando a construção de túneis e por aí vai. No dia 21 de março, em A Tribuna, o secretário de Assuntos Portuários e Emprego de Santos, Bruno Orlandi, escreveu um artigo pelo mesmo caminho, “Protagonismo do Porto de Santos”, louvando, “com entusiasmo”, investimentos e o compromisso do porto com a cidade.
E isso é ótimo, certo? Mas que “estreita relação porto-cidade” é essa na qual comunidades da cidade de Santos, vizinhas a este porto eficiente e moderno, convivem com tantas precariedades? Nenhuma delas foi citada pelo secretário nas quase mil palavras de seu artigo, principalmente as mais pobres, periféricas e que mais precisam acessar recursos públicos.
A Vila dos Criadores é uma delas. Colada ao Porto, inclusive agora, cobiçada pelo Porto, convive há anos com a ausência de ruas asfaltadas, para não mencionar a absoluta falta de urbanização, com moradias inadequadas e insalubres, falta de rede de água e esgoto para todas as pessoas, transporte público insuficiente. Imagine por anos e anos, nos dias de chuva (que são muitos!) ter que se deparar com essas ruas para ir trabalhar, estudar ou mesmo passear, que é também um direito.
Há três semanas participei ali de uma reunião entre moradores e representantes da Companhia Municipal de Trânsito sobre a localização de um ponto de ônibus (isso mesmo, até o local do ponto de ônibus é precário). Só não foi muito sucesso sair da Vila depois de tanta chuva. As ruas, todas de terra, ficam um mar de lama.
A população da Bela Vista, no topo da Vila Progresso, onde estive dias atrás, observa o entra e sai dos navios levando todo tipo de produto e grande parte do nosso PIB. Enquanto assiste à movimentação, convive também com todo tipo de precariedade. E são apenas dois exemplos. A cidade que tem o maior Porto do país não pode aceitar, como aceita, que comunidades inteiras convivam com tantos problemas, urgentes e gigantescos.
Temos também os congestionamentos na entrada do Porto causados pela chegada da safra, atrapalhando o deslocamento de milhares de moradores de Santos e das demais cidades da Baixada Santista, além de impedir o tráfego de ambulâncias e veículos de emergência. Sem contar os problemas da dragagem ou o navio-bomba, o horror.
Há alguns anos tenho atuado nas lutas por moradia e direitos humanos junto aos movimentos sociais da Baixada Santista. Para além da defesa jurídica, é preciso estudar, pesquisar e debater para construir coletivamente soluções para essas questões que colocam em xeque a dignidade de milhares de pessoas.
Que a Autoridade Portuária crie espaços para que as comunidades afetadas diretamente pela atividade do Porto tenham voz ativa. Precisamos pensar, propor e executar políticas públicas que aproximem o Porto da cidade real. Precisamos que os recordes de movimentação de carga, exportações e lucros alcancem todas as pessoas. Precisamos dividir o bônus de sediar o Porto. Hoje, arcamos, todos nós, de toda a cidade, só com o ônus.
Que a expansão portuária propicie expansão de saúde, educação e moradia!
*Gabriela Ortega é advogada popular, diretora de Direitos Humanos da Associação Cultural José Martí, integrante da Campanha Despejo Zero e pesquisadora do Núcleo da Baixada Santista do Observatório das Metrópoles, que desenvolve o projeto Observatório das Metrópoles nas Eleições: um outro futuro é possível.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista.