O projeto para o Emissário Submarino - Foto: Reprodução/PMS

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou, no dia 8 de julho, uma tutela de urgência suspendendo a obra de revitalização do Parque Roberto Mário Santini, localizado no Emissário Submarino de Santos, o chamado Novo Quebra-Mar A decisão foi tomada depois de um pedido do Ministério Público do Estado (MP-SP).

O juiz Leonardo Grecco, além de paralisar a obra, suspendeu o termo firmado pela prefeitura de Santos com a Valoriza Energia SPE LTDA, no qual a empresa se compromete a investir R$ 15 milhões para a recuperação do local, em troca de obter o direito de construir uma usina de processamento de lixo urbano no Morro das Neves, na Área Continental da cidade.

A Valoriza Energia SPE LTDA é uma empresa que se originou da associação entre a Terrestre Ambiental, empresa do Grupo Terracom, e a Ribeirão Energia.

A tutela de urgência determinou, também, a suspensão da decisão da Comissão Municipal de Análise de Impacto de Vizinhança (Comaiv), que havia aprovado o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) referente à usina.

O MP justificou sua decisão alegando que as obras começaram sem que a empresa tivesse o “direito adquirido em iniciar seu empreendimento” e que o estudo de impacto foi aprovado sem audiência pública prevista em lei, além de não atender aos princípios de direito ambiental.

O arquiteto e urbanista José Marques Carriço avalia que há irregularidades na obra. Em entrevista ao Folha Santista, ele detalha sua análise sobre o caso.

Folha Santista: Que tipo de irregularidades você observa na obra do Emissário Submarino, chamada de Novo Quebra-Mar?
José Marques Carriço:
Há mais de uma irregularidade. A primeira que eu vejo é a seguinte: a compensação ambiental que se está dando para a aprovação do estudo de impacto de vizinhança (EIV) da Usina de Recuperação Energética (URE), a usina de incineração de lixo, que é a obra do Quebra-Mar, não se encaixa em nenhuma das hipóteses previstas pela lei de estudo de impacto de vizinhança (EIV) para compensação ambiental. Fora isso, a lei estabelece que a compensação tem de ser, preferencialmente, na área de influência do empreendimento. Embora não elimine a hipótese de a compensação ser prestada em outro local, o EIV, em nenhum momento, esgota as alternativas de compensação na área de influência.

Folha Santista: Qual a ligação que existe entre as obras do Emissário Submarino e da Usina de Recuperação Energética?
Carriço:
A prefeitura aprovou o estudo de impacto e vizinhança da usina de incineração e, como é comum no caso desses estudos, ao estabelecer as medidas mitigadoras ou compensatórias, ela optou por uma medida compensatória em uma área distante, que não tem absolutamente nada a ver com os impactos, que é a obra do Novo Quebra-Mar, no Emissário Submarino. O que há em comum é que o próprio empreendedor, a Terracom, uma empresa que participa da Terrestre Ambiental, empresa responsável pela usina de incineração, estava executando a obra no novo Quebra-Mar. Além disso, há outra questão: o projeto da Sabesp, já em fase de implantação, que é o reservatório de água bruta da Pedreira, que vai reservar água do Jurubatuba para encaminhar à estação de tratamento de água no Guarujá, que sofre há décadas com falta d´água. Esse reservatório fica do outro lado da rodovia, quase em frente ao aterro sanitário onde vai ser instalada a usina. Portanto, ele deveria ter sido objeto de um cuidado no estudo de impacto de vizinhança, porque ele fica dentro da área de influência do empreendimento. Por exemplo, as emissões de gases e particulados que virão dessa usina afetarão a qualidade da água do reservatório? Isso vai aumentar o custo do tratamento? Isso inviabiliza o tratamento da água? Isso vai afetar a saúde de quem consumir a água? Foi feito um relatório muito falho neste aspecto.

O arquiteto José Marques Carriço é crítico do projeto para o Emissário – Foto: Arquivo pessoal

De volta à obra do Emissário, você havia dito que há mais irregularidade. Qual seria?
Carriço:
A outra ilegalidade que eu vejo é a questão da audiência pública. O Ministério Público entrou com um pedido de suspensão da obra do Emissário, o juiz acatou, concedeu uma liminar e uma das argumentações do MP é que não houve audiência pública, como estabelece a lei de EIV de Santos. E agora, estranhamente, o município resolveu promover a audiência, mais do que uma, inclusive. Ele está dividindo as audiências em duas. Uma no dia 31 de julho, para discutir a usina, e outra no dia 5 de agosto, para discutir a obra do Emissário. Essa estratégia confunde a população, pois elimina o vínculo entre as questões, quando, na verdade, elas estão bastante ligadas entre si. Ou seja, a obra do Emissário só começou a ser realizada porque a empresa responsável pela usina é quem está executando, como compensação ambiental. Agora, com a realização dessas audiências, o município, certamente, espera resolver essa ilegalidade. Acontece que não se tem notícia de que o município tenha revogado a aprovação do EIV. Se isso não ocorreu, é gravíssimo, porque como você vai fazer uma audiência pública, ou duas, se o EIV já está aprovado? Para que serve ouvir a comunidade, a população? O pior: essas audiências têm um regulamento estranhíssimo. O cidadão, para se manifestar, tem de se inscrever até um determinado horário no dia da realização da audiência, ou seja, se durante a audiência for dada alguma informação que suscite dúvida, o cidadão não vai ter como intervir, como tirar as dúvidas. Em resumo: é um jogo de cartas marcadas, me parece.

Folha Santista: Diante das necessidades do município, você enxerga a obra no Emissário como prioridade?
Carriço:
Ainda recentemente, durante reunião do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano, que não se reunia desde o final do ano passado, alguns conselheiros questionaram esse tipo de prioridade política de compensar os impactos da usina no Emissário. Inclusive, eles ressaltaram algo que é de conhecimento da maioria das pessoas de que a nossa cidade tem muitas outras carências, tanto no campo da saúde, quanto em educação, moradia, saneamento. Por que direcionar recursos para uma área que, inclusive, já absorveu muitos investimentos nos últimos anos? Eu cito dois convênios do Dadetur, que é o fundo das estâncias turísticas do estado de São Paulo, com cerca de R$ 3,6 milhões destinados a obras dos equipamentos do Emissário Submarino. Quer dizer, está se aplicando mais R$ 15 milhões em uma obra que já recebeu muito dinheiro. Inclusive, tem uma vereadora reclamando que destinou recursos de emendas parlamentares para as obras do Emissário, e que a prefeitura resolveu não utilizar. Está muito estranho isso e não se justifica como prioridade política. Me parece mais uma forma de resolver um imbróglio, que é o licenciamento da usina.

Folha Santista: Quais os riscos de se construir a usina de incineração ao lado do futuro reservatório de água da Cava da Pedreira, que vai abastecer o Guarujá?
Carriço:
Contaminação do ar, que acaba se tornando contaminação da água. Há risco de as partículas e gases em suspensão, se depositados no solo podem carrear para dentro do reservatório, através do curso do Jurubatuba, que é muito próximo do local do empreendimento. Eu não sou químico, não sou técnico nessa área, mas isso não aparece como estudo de impacto de vizinhança. Em nenhum momento, o empreendedor aborda essa questão. O empreendedor, inclusive, informa no EIV que a pedreira fica ali ao lado, só que não fala, em nenhum momento, que a Sabesp vai implantar o reservatório na pedreira. É uma omissão grave dos autores do EIV, que levou a Comissão de Análise de Impacto de Vizinhança (Comaiv) a erro.

Folha Santista: Por que você acha que houve pressa em licenciar a obra da usina de incineração?
Carriço:
Isso está escancarado. Primeiramente, o licenciamento ambiental, a análise do Eia-Rima (Estudo de Impacto Ambiental-Relatório de Impacto Ambiental) do empreendimento que transcorre no nível estadual, encontra-se em um estágio inicial. Seria prudente que o município aguardasse a aprovação do Eia-Rima para analisar o estudo de impacto de vizinhança. Isso não ocorreu, denota uma pressa, e quando a gente descobre que o contrato de coleta e disposição final de resíduos sólidos de Santos entre a prefeitura e a Terracom se esgota em dezembro, ainda no mandato do atual prefeito, acende uma luz amarela. Me parece que essas questões estão conectadas. Me parece que há uma pressa em resolver a questão do licenciamento municipal da usina ainda no atual governo e para que isso ocorra é imprescindível que o EIV seja aprovado. Aí eu conecto os pontos e me parece óbvio que há interesse que precisa ser melhor investigado.

A obra do Novo Quebra-Mar foi paralisada por determinação da Justiça – Foto: Marcelo Martins/PMS

O Folha Santista procurou a prefeitura para obter um posicionamento a respeito das denúncias. Via assessoria de imprensa, a administração encaminhou as seguintes respostas:

– Em relação à aprovação do EIV de forma prematura, sem a aprovação do Eia-Rima.

O Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança – EIV não está condicionado ao Estudo de Impacto Ambiental. Importante mencionar que o Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257/2001, prevê, em seu artigo 38, a autonomia dos citados institutos. O EIV é instrumento autônomo e sua aprovação não confere o direito de instalação de qualquer empreendimento, sendo tão somente uma das etapas do processo de aprovação. Em âmbito municipal, dito instituto está disciplinado pela Lei Complementar nº 793, de 14 de janeiro de 2013 e alterações posteriores.

– Há relação entre o final do contrato com a Terracom e a urgência em aprovar o EIV?

O estudo analisado foi apresentado pela empresa Valoriza Energia SPE, empresa que não tem nenhum vínculo ou contrato com a prefeitura de Santos. A Comissão Municipal de Análise de Impacto de Vizinhança – Comaiv, por sua vez, ao analisar qualquer EIV apresentado, não adentra nas questões comerciais das empresas responsáveis pelos empreendimentos avaliados.

– Por que destinar a compensação do EIV no Emissário, equipamento que já recebeu recursos do Dadetur em 2017 e 2018 e que tem a previsão de receber novos recursos de emendas parlamentares, ao invés de investir em áreas prioritárias?

Com relação aos recursos do Dadetur, diga-se que os mesmos foram utilizados para as recentes melhorias ocorridas no local, isto é, a reforma da torre de jurados e o novo Museu do Surf. No que diz respeito à emenda parlamentar, tal verba será utilizada em outro equipamento público localizado nas proximidades do Emissário. A revitalização proposta para o parque municipal no emissário atende reivindicação de seus frequentadores e da Câmara Municipal. O objetivo da administração é consolidar o espaço público como um dos maiores e mais democráticos e acessíveis atrativos da cidade, disponibilizando melhor infraestrutura para a prática de esportes, lazer e convivência. Com as novas atrações e novos espaços planejados para receber eventos e competições nacionais e internacionais, a cidade será amplamente beneficiada, principalmente no momento de retomada econômica após o término da pandemia do coronavírus. É importante ressaltar que outras compensações exigidas, a partir da análise e aprovação de outros EIVs, já garantiram ao município dezenas de investimentos substanciais nas áreas de educação, saúde e assistência social, como por exemplo para a conclusão da UPA da Zona Leste; a construção do Bom Prato da Vila Gilda, em novas escolas entregues e em construção na Zona Noroeste; e uma creche em fase de construção no bairro Caruara. A cidade também recebeu contrapartidas utilizadas para equipagem e modernização de equipamentos públicos, como as Vilas Criativas da Vila Nova e Morro da Penha e a Nova Rodoviária de Santos.

– Audiência pública e a participação popular.

Com relação à participação popular, no caso, audiência pública na modalidade presencial, não há nenhuma mudança no cenário da pandemia da Covid-19, vale dizer, as medidas de isolamento e restrição de aglomeração continuam em vigor, sendo, inclusive, prorrogadas até o dia 10 de agosto de 2020, conforme recente alteração do Decreto Estadual nº 64.881, de 22 de março de 2020. No que diz respeito à audiência pública na modalidade virtual, é importante consignar que à época da elaboração do Relatório Comaiv havia dúvidas acerca de sua abrangência e dos recursos técnicos para sua realização. Contudo, o setor de tecnologia da informação resolveu a questão relativa à disponibilidade de recursos para tanto. Ademais, após análise da experiência de outros órgãos públicos, das três esferas da Federação e dos Três Poderes Constituídos, verificou-se que houve maciça participação da sociedade civil e de todas as camadas da população, uma vez que grande parte dos cidadãos utiliza aparelhos de telefone móvel com acesso à internet, o que permite o controle social dos atos administrativos e, consequentemente, a ampla participação social, premissa de tal evento.