O desembargador Eduardo Siqueira - Foto: Reprodução

Mesmo com o registro das imagens da ocorrência no dia 18 de julho, o desembargador Eduardo Siqueira, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), declarou que os integrantes da Guarda Civil Municipal (GCM) de Santos, Cícero Hilário Roza Neto e Roberto Guilhermino da Silva, que o multaram por andar sem máscara, cometeram “abuso de autoridade”.

Além disso, sua reação, ao chamá-los de “analfabetos”, ocorreu em função de sua indignação em relação ao “desrespeito a questões jurídicas”. A manifestação foi encaminhada pela defesa de Siqueira ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

De acordo com o desembargador, ele já teria sido abordado em outras oportunidades por agentes municipais por andar sem máscara na cidade. Segundo ele, a utilização obrigatória do acessório, exigido por decreto, é inconstitucional.

“Informa-se que, tendo em vista as questões jurídicas acima, os guardas municipais da Guarda Civil Municipal de Santos envolvidos nos incidentes filmados com o cidadão Eduardo, e nas abordagens anteriores praticaram, em tese, crime de abuso de autoridade, pois exigiram ‘informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou não fazer, sem expresso amparo legal’”, disse a defesa de Siqueira.

As respostas do desembargador foram enviadas ao CNJ, depois que o órgão abriu uma reclamação disciplinar. A Corregedoria listou cinco condutas do magistrado que teriam ferido a Lei Orgânica da Magistratura e o Código de Ética da Magistratura, além do Código Penal e da própria Lei de Abuso de Autoridade.

A defesa, no entanto, alegou que sua reação se deu em um momento de “profunda indignação com o desrespeito às questões jurídicas acima e às inúmeras abordagens ilegais e ameaçadores que recebeu”.

Siqueira também negou ter dado “carteirada”, ao se anunciar como desembargador do Tribunal de Justiça ou ao telefonar para o secretário de Segurança Pública de Santos, Sérgio Del Bel.

A defesa afirmou, ainda, que ele sofreu “abordagens ilegais”, por parte dos agentes, sendo até “perseguido e ilegalmente filmado” pela Guarda Civil. “No dia 18 de julho, acabou sendo vítima de uma verdadeira armação”.

Um levantamento encaminhado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo ao CNJ apontou que Siqueira já foi alvo de 42 procedimentos disciplinares no TJ-SP, em mais de 15 anos. A maioria dos casos foi arquivada e nenhum deles resultou em punição grave.

Veja a íntegra da defesa:

A defesa de Eduardo Siqueira é assinada pelo advogado Marco Antonio Barone Rabello e foi encaminhada ao corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins:

1. DA INCOMPETÊNCIA DESSE EGRÉGIO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

Em primeiro lugar, informa-se que o Magistrado EDUARDO ALMEIDA PRADO ROCHA DE SIQUEIRA é Desembargador do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo há 12 (doze) anos, sendo juiz de carreira há mais de 35 (trinta e cinco) anos.

Em razão disso, a apuração dos fatos que deram origem ao Pedido de Providências em epígrafe, data maxima venia, é de competência originária e primária do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – que iniciou uma apuração preliminar no dia 19/07/2020, processo n. 2020/00068397 (Num. 4055732 – Págs. 1-63) – e não desse Egrégio Conselho Nacional de Justiça, cuja competência é SUBSIDIÁRIA, sendo inconstitucional o art. 12, caput e § único, da Resolução CNJ n. 135/11.

Melhor explicando, o art. 103-B, § 4º, da Constituição da República, que atribui poder correcional a esse Egrégio Conselho Nacional de Justiça, em seu inc. III, dispõe que é “…sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais (…)”.

Por sua vez, o art. 96, inc. I, alínea ‘b’, da Constituição da República, dispõe que “compete privativamente aos tribunais organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados, velando pelo exercício da atividade correicional respectiva”.

A aparente controvérsia, conforme as insofismáveis lições do Douto Professor CARLOS VELLOSO, ex-ministro Presidente do Egrégio Supremo Tribunal Federal, resolve-se “….numa interpretação harmoniosa dos dispositivos constitucionais indicados, que A COMPETÊNCIA CORREICIONAL DO CNJ É SUBSIDIÁRIA, porque a Constituição assegura autonomia administrativa aos tribunais – autonomia, aliás, pela qual deve o CNJ zelar (§ 4º, I) (…)” (VELLOSO, Carlos. Competência da Corregedoria do CNJ é subsidiária. Consultor Jurídico, 2011.

Ressalte-se, nesse passo, não se desconhecer a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4638 – que ainda está pendente de julgamento no Egrégio Supremo Tribunal Federal – em que a questão da competência correcional desse Egrégio Conselho Nacional de Justiça foi apreciada, em sede liminar, pelo plenário, tendo, naquele momento (fev/2012), prevalecido à tese oposta a aqui exposta, por 6×5, mas com votos de dois Excelentíssimos Ministros que hoje não mais compõem o Pretório Excelso.

Não vamos, porém, plantar uma “nulidade de algibeira.” A questão, sem dúvida, será definitivamente decidida e esperamos que a nova composição do Egrégio Supremo Tribunal Federal observe as seguintes ponderações do seu Decano, Excelentíssimo Ministro CELSO DE MELLO: “(…) o exercício, pelo Conselho Nacional de Justiça, da competência disciplinar que lhe foi atribuída depende, ordinariamente , para legitimar-se, da estrita observância do postulado da subsidiariedade , cabendo, ao Tribunal judiciário local, o desempenho da competência primária em tema de responsabilização disciplinar dos magistrados a ele vinculados.

Como já tive o ensejo de enfatizar, a subsidiariedade, enquanto síntese de um processo dialético representado por diferenças e tensões existentes entre elementos contrastantes, constitui, sob tal perspectiva , cláusula imanente ao próprio modelo constitucional positivado em nosso sistema normativo, apta a propiciar solução de harmonioso convívio entre o autogoverno da Magistratura e o poder de controle e fiscalização outorgado, no plano central, ao Conselho Nacional de Justiça.

Se, no entanto, o Tribunal local deixar de exercer a competência primária de que se acha investido ou, então, vier a manipulá-la, ilicitamente, dando causa a situações anômalas, legitimar-se-á, em tal ocorrendo, a possibilidade de o Conselho Nacional de Justiça agir, desde logo, em sede originária, fazendo instaurar o pertinente procedimento disciplinar contra magistrados faltosos.

Destaco, para esse efeito, em rol meramente exemplificativo, algumas das situações anômalas cuja ocorrência justificará o exercício imediato, pelo Conselho Nacional de Justiça, de sua competência disciplinar originária: (a) a inércia dos Tribunais na adoção de medidas de índole administrativo-disciplinar, (b) a simulação investigatória, (c) a indevida procrastinação na prática dos atos de fiscalização e controle ou (d) a incapacidade de promover, com independência, procedimentos administrativos destinados a tornar efetiva a responsabilidade funcional dos magistrados.

Isso significará que o desempenho da atividade fiscalizadora (e eventualmente punitiva) do Conselho Nacional de Justiça deverá ocorrer nos casos em que os Tribunais – havendo tido a possibilidade de exercer, eles próprios, a competência disciplinar e correcional primária de que se acham ordinariamente investidos – deixarem de fazê-lo (inércia) ou pretextarem fazê-lo (simulação) ou demonstrarem incapacidade de fazê-lo (falta de independência) ou, ainda, dentre outros comportamentos evasivos, protelarem, sem justa causa, o seu exercício (procrastinação indevida).

Dessa maneira, a incidência do postulado da subsidiariedade, como requisito legitimador da prática concreta, pelo Conselho Nacional de Justiça, de sua competência em matéria correcional, disciplinar e/ou administrativa, não só harmonizará o exercício dessa jurisdição censória com o princípio da autonomia institucional dos Tribunais, como conferirá, também, maior coeficiente de legitimidade jurídica à atuação desse órgão estatal, propiciando-se, desse modo, nos termos da abordagem ora preconizada, a análise do tema sob a perspectiva dos múltiplos valores constitucionais envolvidos”.

Enfim, tendo em vista a imediata atuação do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no caso concreto, data maxima venia, não há respaldo legal para esse Egrégio Conselho Nacional de Justiça exercer sua competência SUBSIDIÁRIA. De rigor, portanto, a devolução da apuração para o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2. DA INCONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO N. 8.944, DE 23 DE ABRIL DE 2020, DO PREFEITO MUNICIPAL DE SANTOS

Em segundo lugar, informa-se que no Município de Santos onde reside o cidadão EDUARDO, foi publicado o Decreto n. 8.944, de 23 de abril de 2020, do Prefeito Municipal de Santos (doc. n. 2) – que considerou obrigatório o uso de máscara facial, sob pena de multa – o qual é INCONSTITUCIONAL, por contrariar o princípio da legalidade (art. 5º, inc. II, da CR), mas tem sido usado para justificar abusos, desmandos e restrições de direitos individuais dos cidadãos.

Ora, como é do conhecimento de Vossa Excelência, “ninguém, brasileiro ou estrangeiro, pode ser compelido a fazer, a deixar de fazer ou a tolerar que se faça alguma coisa senão em virtude de lei. Qualquer comando estatal ordenando prestação de ato ou abstenção de fato, impondo comportamento positivo (ação) ou exigindo conduta negativa (abstenção), para ser juridicamente válido, há de emanar de regra legal” (CHIMENTI, Ricardo Cunha et al. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 66-67).

Vale dizer: “o princípio da legalidade garante o particular contra os possíveis desmandos do Executivo e do próprio Judiciário. Instaura-se, em consequência, uma mecânica entre os Poderes do Estado, da qual resulta ser lícito apenas a um deles, qual seja o Legislativo, obrigar aos particulares” (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 18. ed. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 186).

Em outras palavras, “esse princípio – ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei – visa a combater o poder arbitrário e se ligar ao conceito de lei manifesto na Declaração de 1789. Só a lei pode criar obrigação para o indivíduo, porque ela é apenas expressão da vontade geral. Expressão da vontade geral por seu órgão, o Parlamento. Expressão da vontade geral, que a tudo e todos governa, na democracia. O princípio da legalidade onde só é lei o ato aprovado pelo Parlamento, representante do povo, exprime a democracia, na medida em que subordina o comportamento individual apenas e tão-somente à vontade manifesta pelos órgãos de representação popular” (FERREIRA FILHO,
Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 23. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 244).

Nesse passo, o Egrégio Supremo Tribunal Federal, ainda que noutro contexto, “(…) já firmou entendimento no sentido de que MERO DECRETO EDITADO PELO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL NÃO TEM FORÇA NECESSÁRIA PARA INSERIR INOVAÇÃO NORMATIVA (…)” (STF, AI n. 857344 AgR, Rel. Min. GILMAR MENDES, 2ª Turma, j. em 19/02/2013).

Pois bem! No caso, a inovação normativa foi a obrigatoriedade do uso de máscara facial, sob pena de multa. Explica-se: considerada para o inconstitucional Decreto n. 8.944/2020, a Lei n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 – que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019 – originalmente, não previa o uso obrigatório de máscaras de proteção individual.

Tal obrigatoriedade, cuja eficácia no combate ao coronavírus ainda é discutida pela comunidade científica, só foi incluída no ordenamento jurídico pátrio 2 (dois) meses depois do início da vigência do inconstitucional Decreto n. 8.944/2020, pela Lei n. 14.019, de 2 de julho de 2020 – que alterou a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para dispor sobre a obrigatoriedade do uso de máscaras de proteção individual para circulação em espaços públicos e privados acessíveis ao público, em vias públicas e em transportes públicos, sobre a adoção de medidas de assepsia de locais de acesso público, inclusive transportes públicos, e sobre a disponibilização de produtos saneantes aos usuários durante a vigência das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia da Covid-19.

Indiscutível, pois, a inconstitucionalidade do Decreto n. 8.944/2020 – ressalte-se, anterior à Lei n. 14.019/2020 – razão pela qual O USO DA MÁSCARA NÃO PODIA SER EXIGIDO DO CIDADÃO EDUARDO COM BASE EM TAL REGRAMENTO, E ESTE PODIA RECUSAR-SE A USÁ-LA E A RECEBER MULTA.

Mas, ainda que assim não se entenda, o que se admite para argumentar, ao menos o art. 4º do Decreto n. 8.944/2020 é inconstitucional, pois a cominação de multa no caso de inobservância do uso da máscara facial não está prevista em lei (em sentido estrito).

Ressalte-se, por relevante, que a própria a Lei n. 13.979/2020, em seu § 4º, do art. 3º, prevê que “as pessoas deverão sujeitar-se ao cumprimento das medidas previstas neste artigo, e o descumprimento delas acarretará responsabilização, nos termos previstos em lei”.
Entretanto, salvo engano decorrente dessa verdadeira pandemia normativa, não há lei (em sentido estrito) que responsabilize, com multa, o cidadão que não usa a máscara facial, não bastando para tanto um simples decreto anterior à obrigatoriedade legal.

Enfim, a declaração do estado de calamidade pública no Município de Santos, não é um “alvará” para que o Chefe do Poder Executivo Municipal aja como um ditador por decreto, deixando o Poder Legislativo, a Câmara Municipal de Santos, os Vereadores eleitos pelo povo, à margem de sua atuação atribuída constitucionalmente.

3. DO ABUSO DE AUTORIDADE DOS GUARDAS CIVIS MUNICIPAIS DE SANTOS

Em terceiro lugar, informa-se que, tendo em vista as questões jurídicas acima, os guardas municipais da Guarda Civil Municipal de Santos envolvidos nos incidentes filmados com o cidadão EDUARDO, e nas abordagens anteriores praticaram, em tese, crime de abuso de autoridade, pois exigiram “…informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal” (art. 33 da Lei n. 13.869/19). Especificamente, exigiram o cumprimento da obrigação de usar máscara facial, sob pena de multa.

Não bastasse, as guardas municipais destinam-se “(…) à proteção de seus bens [dos Municípios], serviços e instalações, conforme dispuser a lei” (art. 144, § 8º, da CR), não sendo órgãos de segurança pública (art. 144, caput, incs. I a VI, da CR), razão pela qual não podem exercer a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas, independentemente das interpretações extensivas, inconstitucionais, que alguns dão à Lei n. 13.022/2014 – que dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais.

Em outras palavras, “(…) nossa Constituição Federal dispõe – ou seja, manda, consagra, determina – que a atividade policial é atribuição das polícias civis e da polícia militar – a primeira, aliás, incumbida do policiamento judiciário, posto que dirigida por delegado de polícia de carreira, enquanto à polícia militar toca, por sua vez, o chamado policiamento ostensivo e a preservação da ordem – , sendo competência das guardas civis não mais que a proteção dos bens, serviços e instalações municipais (artigo 144, parágrafos 4º, 5º e 8º) (…)” (TJSP, Apelação Criminal n. 1500548- 57.2018.8.26.0571, Rel. Des. SÉRGIO MAZINA MARTINS, 2ª Câm. de Direito Criminal, j.em 29/07/2019).

Por essa razão, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já decidiu que, “…realmente, a Guarda Municipal não detém competência para revistar pessoas em abordagens ou fazer patrulhamento preventivo fora das hipóteses do art. 144, §8º, da CRFB. Embora esteja reservada à lei a delimitação das atribuições da Guarda Municipal, não se pode extrapolar as limitações constitucionais, que a ela atribuiu a proteção dos bens, serviços e instalações do Município” (TJSP, Apelação Cível n. 1010780-61.2015.8.26.0032, Rel. Des. RUBENS RIHL, 1ª Câm. de Direito Público, j. em 08/11/2016).

Nesse contexto legal, ainda que se considere que não são inconstitucionais o Decreto n. 8.944/2020, ou pelo menos seu art. 4º – o que se admite apenas ad argumentandum tantum – ainda assim os guardas municipais da Guarda Civil Municipal de Santos envolvidos nos incidentes filmados com o cidadão EDUARDO, e nas abordagens anteriores, a pretexto de exercerem suas funções, abusaram da autoridade que lhes atribui o art. 144, § 8º, da Constituição Federal e a Lei n. 13.022/2014.

4. DOS INCIDENTES OCORRIDOS ENTRE O CIDADÃO EDUARDO E OS GUARDAS CIVIS DA GUARDA CIVIL MUNICIPAL DE SANTOS

Em quarto lugar, informa-se que os incidentes ocorridos entre o cidadão EDUARDO e a Guarda Civil Municipal de Santos, tiveram como pano de fundo sua profunda indignação com o desrespeito às questões jurídicas acima e às inúmeras abordagens ilegais e ameaçadoras que recebeu, as quais, sem dúvida, exaltaram seus ânimos.

Melhor explicando, desde a entrada em vigor do inconstitucional Decreto n. 8.944/2020, no dia 1º de maio de 2020, o cidadão EDUARDO vem sofrendo abordagens ilegais da Guarda Civil Municipal de Santos, enquanto caminha na praia ou no calçadão, chegando ao ponto de acionar a Polícia Militar.

Nas primeiras abordagens, educadamente, o cidadão EDUARDO explicou as questões jurídicas acima, porém, de modo agressivo, foi ameaçado de prisão, que só não aconteceu – assim como não ocorreram situações de violência como as que estamos vendo por todo o país, inclusive em Santos – por se identificar como Desembargador.

Ressalte-se, nesse ponto, que sua identificação como Desembargador era extremamente relevante durante as abordagens – e não “carteiradas”, como se quer fazer crer – pois é “prerrogativa do magistrado: não ser preso senão por ordem escrita do Tribunal ou do Órgão Especial competente para o julgamento, salvo em flagrante de crime inafiançável (…)” (art. 33, inc. II, da Lei Complementar n. 35/1979).

Infelizmente, como mostram os vídeos editados até agora divulgados, o cidadão EDUARDO passou a ser perseguido e ilegalmente filmado pela Guarda Civil Municipal de Santos e, no dia 18 de julho de 2020, acabou sendo vítima de uma verdadeira armação, pois o guarda municipal que permaneceu na viatura sabia das abordagens anteriores, especialmente a última, quando, pela primeira vez, houve uma altercação.

Valendo-se de procedimento não previsto, com uma câmera pessoal ligada (não da viatura ou corporação) – provavelmente, na esperança de que, depois de tantas arbitrariedades, houvesse nova altercação com o cidadão EDUARDO – o guarda municipal que permaneceu na viatura filmou a abordagem do seu colega CÍCERO HILÁRIO (curiosamente, a única midiaticamente divulgada dentre as dezenas, quiçá centenas, que ocorreram no mesmo final de semana), a qual foi completamente diferente das demais.

Como se viu, realmente, o cidadão EDUARDO se exaltou, desmedidamente, com o guarda municipal CÍCERO HILÁRIO, mas porque não era a primeira vez que a Guarda Civil Municipal de Santos o abordava e ele já não aguentava mais tamanha ilegalidade.

No calor do momento, entendeu que se não fizesse nada mais contundente, quem sabe não seria a última abordagem. Por isto, imediatamente, contatou o Secretário de Segurança Pública, que é o responsável pela Guarda Civil Municipal de Santos, não se podendo cogitar de abuso de autoridade, pois o cidadão EDUARDO não estava no exercício de suas funções de magistrado ou a pretexto de exercê-las e, como se pode ver do vídeo, não pediu qualquer vantagem ou privilégio indevido, ou isenção de obrigação legal.

Nada disso, porém, justifica os excessos ocorridos, notadamente referir-se ao guarda municipal CÍCERO HILÁRIO como “analfabeto” ou perguntar se ele “sabe ler”.

Do mesmo modo, não se justifica cogitar de desacato a funcionário público no exercício da função ou em razão dela, pois, a pretexto de exercer sua função, o guarda municipal CÍCERO HILÁRIO abusou da autoridade que lhe atribui o art. 144, § 8º, da Constituição Federal e a Lei n. 13.022/2014, que se restringe “(…) à proteção de seus bens [dos Municípios], serviços e instalações (…)” (art. 144, § 8º, da CR).

Pelos excessos, o cidadão e magistrado EDUARDO se arrependeu, pedindo desculpas em nota pública, sabedor de que é seu dever “manter conduta irrepreensível na vida pública e particular” (art. 35, inc. VIII, da Lei Complementar n. 35/1979), e que “a integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura” (art. 15 do Código de Ética da Magistratura Nacional).

É verdade que “o magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral” (art. 16 do Código de Ética da Magistratura Nacional), mas a situação excepcional atual, nunca vivenciada por cidadãos em geral ou magistrados, deve ser levada em conta, a fim de atenuar o acontecido.

Sendo esses os esclarecimentos que se faziam necessários, valho-me da oportunidade para renovar a Vossa Excelência os protestos de elevada estima e distinta consideração, e requerer, se for o caso, prazo para a defesa prévia prevista no art. 27, § 1º, da Lei Complementar n. 35/1979, no art. 70 da Resolução CNJ n. 67/2009 e no art. 14 da Resolução CNJ n. 135/2011, bem como a produção de todos os meios de prova em direito admitidos.

Com informações do Estadão