Foto: Reprodução/Vivendo em São Vicente

Por Gines Salas*

“Minha cova, minha vida”. Esse deveria ser o nome da indicação absurda feita pelos vereadores ao prefeito de São Vicente, Kayo Amado (Podemos). Por unanimidade, todos os quinze legisladores aprovaram que a cidade retorne ao “Plano São Paulo”, contrariando a indicação de infectologistas e a decisão do Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana da Baixada Santista (Condesb), que no último dia 19 definiu pelo lockdown regional.

Na prática, se acatada pelo prefeito, a medida populista aprovada pelos vereadores Adilson da Farmácia (DEM), Thiago Alexandre (DEM), Jefferson Cezarolli (Podemos), Jailton Jatobá (Podemos), Dr. Eduardo (PSL), Wagner Cabeça (PSL), Dercinho Negão do Caminhão (MDB), Higor Ferreira (PSDB), Edinho Ferrugem (PSDB), Dr. Palmieri (PSB), Jhony Sasaki (PSB), Jabá Bezerra (PL), Tiago Peretto (PL), Benevan Souza (Republicanos) e Rodrigo Digão (PP) dará fim ao lockdown no município, o que teria um impacto imediato nas redes hospitalares de toda a região, que já não possui leitos e convive com uma média de mortalidade superior à média nacional.

A decisão da Câmara foi tomada na última quinta-feira (25), durante a semana mais letal da Baixada Santista desde o início da pandemia, em que 155 pessoas morreram da doença na região.

A medida dos vereadores é fruto da pressão pública de comerciantes desesperados e grupos odiosos da internet. Em ato realizado na manhã da quinta-feira, os manifestantes se avolumaram em frente ao Paço Municipal cobrando do prefeito o fim das restrições e a reabertura imediata do comércio.

O ato, desrespeitando todos os protocolos de distanciamento social, chegou a ter momentos de tensão e agressividade, o que foi registrado nas várias lives publicadas. Em um dos vídeos, o vereador Jabá Bezerra (PL) é hostilizado pelos manifestantes, com ofensas e dedo no rosto.

Apesar da presença inegável de comerciantes, transtornados com o total abandono do Estado, uma característica desses atos tem sido o negacionismo científico e a adesão ao bolsonarismo. Oras, como realizar um ato tratando da perda financeira do comércio e não tecer críticas ao sadismo do governo federal, que não comprou vacinas quando deveria, não forneceu créditos com juros baixos aos pequeno e médio empresários, não suspendeu o pagamento de determinados impostos e ainda fornecerá um auxílio emergencial de fome?

Nas faixas e cartazes levados ao ato, havia críticas a Kayo Amado e a João Doria, mas nenhuma a Bolsonaro e nenhuma exigindo auxílio emergencial ou vacinação em massa. Em compensação, havia faixas defendendo tratamento precoce, voto impresso e intervenção militar, bandeiras do bolsonarismo mais convicto.

Isso se dá pelo fato de os atos serem articulados e liderados por ex-candidatos a vereador de medíocre expressão eleitoral. Em comum, “coincidentemente”, todos eles são negacionistas, todos eles defendem o presidente da República e alguns sequer são comerciantes.

Páginas regionais do Facebook, que apresentam notícias da cidade e do bairro, há muito tempo são instrumentalizadas para promover determinados nomes da política local, com lives e postagens personalistas periódicas, quase sempre com um viés reacionário. Do conteúdo que é publicado, há muita coisa que vem pronta diretamente dos dutos do gabinete do ódio e sua indústria sofisticada de fake news.

Essas mesmas lideranças e páginas foram as responsáveis pela realização e promoção de outras manifestações menores, entre elas os atos antidemocráticos em frente ao 2º Batalhão de Infantaria Leve, exigindo intervenção militar no país. Atos com a mesma temática foram realizados em várias cidades e capitais simultaneamente, o que comprova a relação orgânica que essas lideranças e páginas mantêm com as entranhas do bolsonarismo.

Um dos motivos que deu combustível para a manifestação de quinta-feira passada foi a repercussão da declaração do prefeito Kayo Amado no processo eleitoral do ano passado. Na ocasião, Kayo declarou em debate televisivo que era contra as políticas de distanciamento social aplicadas pelo governador João Doria (PSDB), em um claro aceno ao eleitorado bolsonarista. Com a adesão de Kayo ao lockdown regional indicado pelo Condesb, o cinismo do prefeito foi evidenciado, gerando duras críticas nas redes sociais.

A indicação covarde da Câmara coloca Kayo numa encruzilhada. Se Kayo acatá-la, ficará mal visto pelos prefeitos do Condesb e agravará a crise sanitária na região, já que especialistas, como o médico infectologista Marcos Caseiro, discordam da boçalidade bolsonarista e declaram que a Baixada Santista deveria estender o lockdown até depois do próximo dia 4, visto que o pico de infecções na região está previsto para a segunda semana de abril.

Se decidir por revogar a indicação da Câmara, Kayo será ainda mais desidratado pela extrema direita tresloucada e marginal que ele sempre procurou agradar, com o agravante de que os vereadores “terão feito a sua parte” na visão da opinião pública. Se Kayo revogar a indicação, há ainda a possibilidade de os vereadores – que já demonstraram que cedem fácil – derrubarem o decreto que impõe restrições na cidade, o que seria desmoralizante e permitiria a reabertura do comércio.

Como vocês podem ver, da esfera federal à municipal, enquanto vivemos um caos sanitário e social sem precedentes na História, o bolsonarismo trabalha para nos lançar à morte e colher votos em cima dos nossos cadáveres.

*Gines Salas é historiador e militante do PSOL em São Vicente.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista