Foto: Danilo Tavares

Por Danilo Tavares*

Recentemente, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) lançou um relatório que ecoa um grito de alerta para a humanidade: estamos à beira do precipício climático. Com uma temperatura média global 1,45ºC acima dos níveis pré-industriais, o planeta está perigosamente próximo do limite crítico de 1,5ºC estabelecido pelo Acordo de Paris. Mas há um aspecto dessa crise que merece atenção especial: a estreita ligação entre desigualdade social e mudança climática.

Os eventos climáticos extremos estão se multiplicando, causando devastação e caos em todo o mundo. Ondas de calor escaldantes, secas prolongadas, ventanias e enchentes avassaladoras e incêndios florestais catastróficos estão se tornando o novo normal. E são as comunidades mais pobres e marginalizadas, nos morros e favelas, nas comunidades tradicionais e indígenas que sofrem o impacto mais severo dessas crises.

O relatório da OMM destaca que os últimos nove anos foram os mais quentes já registrados, com a década de 2014 a 2023 marcando um recorde de temperaturas médias. Esse aquecimento acelerado não é apenas uma questão climática, mas também uma manifestação direta da desigualdade global. Enquanto os cinco homens mais ricos do mundo mais que dobraram sua riqueza desde 2020, cinco bilhões de pessoas ficaram ainda mais pobres e, muito provavelmente, estamos entre essa massa. Essa disparidade obscena não apenas perpetua a pobreza e a injustiça social, mas também exacerba os impactos da crise climática.

Para ilustrar o absurdo dessa disparidade, basta pensar que se cada um desses cinco magnatas gastasse um milhão de dólares por dia, levariam incríveis 476 anos para esgotar toda sua fortuna combinada, conforme pesquisa recente da Oxfam. Enquanto isso, em termos globais, a desigualdade de gênero é grande e os homens possuem 105 trilhões de dólares a mais do que as mulheres – uma diferença que ultrapassa em mais de quatro vezes a economia dos Estados Unidos.

Mas a concentração de riqueza vai além da desigualdade econômica. Ela está totalmente ligada ao colapso climático que ameaça o futuro de nossa civilização. Muitos desses bilionários controlam empresas que lucram financeiramente com processos que emitem gases de efeito estufa e, portanto, têm interesse em bloquear avanços em uma transição justa para fontes de energia mais limpas. Enquanto isso, o 1% mais rico do mundo emite tanta poluição de carbono quanto os 5,3 bilhões (66%) mais pobres da humanidade.

Chamado à ação local: Promovendo a economia solidária e ecológica

Na encruzilhada de nossos tempos, precisamos imaginar outros mundos possíveis, outras formas de convivência em harmonia com a natureza e entre nós mesmos. A sociedade é impulsionada por utopias e ideologias, e até mesmo o discurso contemporâneo da não ideologia revela uma ideologia em si. Somos seres de escolhas e sonhos, não meras pedras inertes no caminho da história.

Ailton Krenak, ambientalista, filósofo e escritor, primeiro indígena recém-empossado na Academia Brasileira de Letras, em seus textos nos convida a reconhecer o sonho não apenas como uma experiência noturna, mas como um exercício disciplinado de buscar orientação para nossas escolhas diárias. Será possível que a ideia de coletividade engajada globalmente em busca do Bem Viver vá além das divisões políticas tradicionais? É uma questão de colocar a vida no centro do debate, todas as vidas, humanas e não humanas.

Para enfrentar essa relação complexa entre desigualdade e crise climática, além de taxar grandes fortunas e criar uma legislação tributária mais justa e que beneficie os mais pobres, é essencial agir em nível local, no seu bairro, cidade e região, por uma existência construída coletivamente em harmonia com a natureza, combatendo a busca incessante por acumulação material individualista.

Uma das abordagens que mais acredito é a promoção da economia solidária, um modelo econômico baseado na cooperação, solidariedade e distribuição justa de recursos e renda. A economia solidária, concebida por operários no século XIX como resposta à pobreza gerada pelo capitalismo industrial, propõe uma nova dimensão da solidariedade no sistema de trabalho e renda. Nesse modelo, sem patrão, o capital é apropriado pelos próprios trabalhadores, sendo assim, possuem participação democrática nas decisões dos meios de produção por meio da autogestão.

Na Baixada Santista/SP, iniciativas inspiradoras estão florescendo em direção a uma economia mais inclusiva e sustentável como as Feiras Populares, a Cooperativa Livres da Baixada Santista, Rede Agroecológica de Produção e Consumo. Em Cubatão, a cozinha Saberes e Sabores, liderada por mulheres, é um exemplo de união em torno do alimento e da cultura. A cooperativa santista de professores Cipó Educação trabalha com formação de professores numa perspectiva construtivista. Enquanto hortas comunitárias surgem em diversos municípios, como Santos, Cubatão e Praia Grande. Na Vila Margarida, em São Vicente, as Associações Entre Amigos e Flor do México mostram a união comunitária em torno do cultivo sustentável com a implantação de horta comunitária financiada pela Diocese de Santos, com recursos da Campanha da Fraternidade 2023 e não pela prefeitura.

Em São Vicente, que é minha terra amada, infelizmente é zero investimento público em economia solidária, a gestão Kayo Amado (Podemos) é liberal, com loteamento político das secretarias, que permite lixões clandestinos e que não possui um plano urbanístico ecológico para a cidade. É preciso operacionalizar a Lei da Economia Solidária da cidade, criar um Centro de Referência e ativar o Fundo Municipal. É fundamental fortalecer o Conselho Municipal de Economia Solidária.

Esses empreendimentos, além de produtos e serviços de qualidade, promovem a inclusão social, a preservação ambiental e o envolvimento comunitário. Neste ano de eleição municipal é preciso verificar os políticos que apoiam e fortalecem essas iniciativas, é fundamental o engajamento de toda sociedade. São necessários investimentos ($) em políticas de fomento à economia solidária nos municípios, o acesso a financiamento e recursos, bem como a criação de redes de cooperação, aprendizagem e colaboração, para efetivamente colocar os pobres no orçamento e construir uma sociedade mais equilibrada. Além disso, se faz urgente as cidades investirem em energias renováveis, tratamento ecológico dos resíduos urbanos e industriais, agricultura sustentável e infraestrutura resiliente para enfrentar os desafios climáticos e geográficos que virão, como o aumento do nível do mar.

Diante desse cenário sombrio, precisamos agir agora. Não podemos mais adiar a necessidade de enfrentar a desigualdade e a crise climática de forma conjunta e urgente. Precisamos de políticas públicas municipais e regionais para transformar nossos sistemas econômicos e sociais locais a fim de nos garantir um futuro justo e sustentável. O tempo para ação é agora. Está em jogo o futuro de nossa civilização e da Terra que chamamos de lar.

*Danilo Tavares é produtor cultural, documentarista, coordenou diversas oficinas de cinema digital, é gestor e desenvolve propostas de projetos para editais culturais e sociais. Atualmente é proprietário da Zopp Criativa Produções, empresa com selo Estratégias ODS, diretor de projetos do Clube do Choro de Santos, membro do Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista e diretor da Casa Crescer e Brilhar (São Vicente). E-mail: [email protected].

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista.