Foto: Divulgação/PMG

Por Valter Batista*

No Dia do Geógrafo é impossível não lembrar da contribuição de Milton Santos, falecido em 2001, para a compreensão do fenômeno da expansão desordenada das cidades. “Existem apenas duas classes sociais, a dos que não comem e a dos que não dormem com medo da revolução dos que não comem”, escreveu o mais premiado geógrafo brasileiro, que era crítico do modelo de globalização que se impõe ao mundo, sem que haja preocupação com a redução das desigualdades socioeconômicas.

A pandemia de Covid-19 expõe as vísceras de um sistema-mundo sustentado pelas desigualdades. E, nas cidades, este retrato é mais facilmente visível, porque as dinâmicas que levam à ocupação do espaço e à constituição de seus movimentos nascem da maneira como as pessoas se apropriam da geografia dos lugares.

O mapeamento da Covid-19 tem contribuído para que as pessoas entendam as dinâmicas de expansão da doença. Nos sites dos governos, a informação é apresentada em gráficos coloridos, tabelas cheias de números e em mapas que localizam os casos, de modo que a espacialidade da pandemia se materializa mais facilmente aos olhos de quem procura respostas e explicações para o que estamos vivendo.

Mas a Educação Cartográfica, que é ainda incipiente, tornou-se um desafio para os geógrafos. Nas escolas aprendem-se as noções básicas da ciência dos mapas. Essa alfabetização na linguagem cartográfica tem sido muito mais intensa nos últimos anos, estando cada vez mais presente no cotidiano das pessoas, seja na previsão do tempo pela televisão ou mesmo em informações qualificadas que os meios de comunicação propagam.

A estudante de Geografia, Jacqueline dos Santos, domina a linguagem cartográfica e tem produzido material para divulgação nesses tempos de pandemia. Para ela, “a cartografia pode nos ajudar em ações de planejamento urbano-regional. A espacialização dos dados nos ajuda a entender como se distribui a ocorrência deles nos lugares e isso contribui em programas e planos de ações mais precisos. O acesso aos indicadores, dados e informações, considerando a pandemia, contribui para análises mais precisas de comportamento, reação dos lugares em relação aos indicadores. Isso ajuda em planos de ações”.

Jacqueline dos Santos – Foto: Divulgação

Planejamento é a chave. Estamos diante de um enorme desafio, que é explicar os efeitos da pandemia sobre a vida das cidades, para além das consequências sobre a vida das pessoas. “Entender a dinâmica do vírus nos permitirá enfrentar os problemas estruturais que estão tornando a pandemia tão preocupante. Habitações precárias, amontoado de moradias em áreas que deveriam ser preservadas, precariedade da infraestrutura de saneamento, dificuldade de acesso a serviços públicos essenciais. Estes são os elementos chaves para explicar como uma pandemia pode ser mais impactante em alguns lugares do que em outros.

O mapeamento de indicadores socioeconômicos permite que possamos entender como se cruzam informações que são sensíveis para planejar o enfrentamento de uma crise como esta pandemia. Mas encontramos dificuldade de acessar dados consistentes sobre a realidade das cidades. Isso é sintomático do que precisamos resolver, pois informação é a chave da boa gestão.

Se a questão é acesso à informação, Jacqueline traz mais elementos para esta reflexão. Nos mapas que ilustram esta matéria, a “Cartógrafa” demonstra, a partir do cruzamento de três variáveis, como o problema da pandemia de Covid-19 impacta na geografia de Guarujá.

No primeiro mapa, o número de casos em relação ao acesso à água tratada. “Essa variável de moradores sem abastecimento não está influenciando diretamente na distribuição de casos da doença. Ter água é importante para a gente se cuidar, mas esse indicador, realmente, não influencia diretamente, como se pode observar nas classes marrom clara e escura, que são as áreas menos atendidas por água tratada, e que não têm obrigatoriamente maiores números de casos”, destaca Jacqueline.

Entretanto, nas duas outras variáveis mapeadas e cruzadas com o número oficial de casos, a realidade é outra. “A Densidade Demográfica é um indicador que tem influência direta, pois quanto mais denso o lugar, maior o número de casos. O mesmo se vê onde concentram-se os idosos, que também estão nos lugares mais densos, e que indica para os gestores da saúde onde a atenção deve ser redobrada”, aponta Jacqueline, que é estudante de Geografia na PUC-Campinas e participa do Projeto de Extensão Cartografia Social e Territórios em Vulnerabilidade na Região Metropolitana de Campinas: do risco à cidadania.

A compreensão dessa espacialidade da doença é importante para planejar medidas de enfrentamento. Um dos problemas que enfrentamos nos estudos que visam observar esses fenômenos é o acesso à informação. Guarujá ainda tem uma política de acesso a dados oficiais que esbarra na burocracia. A base cartográfica está desatualizada e os dados oficiais não estão facilmente disponibilizados nas redes da municipalidade. Isso dificulta a análise e o acompanhamento dos problemas. Caso houvesse mais facilidade de acesso, certamente teríamos análises mais qualitativas sobre esses problemas.

*Valter Batista é professor de Geografia nas redes pública e privada e especialista em Gestão Pública.