Ana Thaís Matos - Foto: Divulgação/Rede Globo

Em um universo totalmente machista como o futebol, as mulheres começam a ocupar espaços importantes. Não é só o futebol feminino, que ganha a cada dia mais projeção. A imprensa esportiva, historicamente ocupada por homens, já conta com a presença feminina.

Pela primeira vez, a Rede Globo terá uma mulher comentando as partidas da seleção brasileira masculina em uma Copa do Mundo. A jornalista Ana Thaís Matos participará das transmissões da Copa do Mundo do Catar, no final do ano, ao lado de Galvão Bueno e de outros dois comentaristas: os ex-jogadores Júnior e Roque Júnior.

A paulistana Ana Thaís, de 37 anos, vai integrar a equipe principal da Globo para acompanhar a trajetória da seleção brasileira no Mundial. O Brasil estreia no dia 24 de novembro, contra a Sérvia.

A comentarista, que teve passagens por Lance!, BandSports, Rádio Globo e Sportv, já tinha sido a primeira mulher a participar da transmissão de um jogo de futebol masculino como comentarista na Globo, em 2019.

“Na Copa de 2002, a Fátima Bernardes me influenciou a ser jornalista. E depois a Fernanda Gentil fez uma cobertura muito difícil na Copa de 2014, em que empregou muita humanidade. As duas me mostraram que é possível falar de futebol, sem deixar de comentar também o lado humano, algo essencial em uma cobertura tão grandiosa”, afirmou.

“Minha mãe Francisca era empregada doméstica, vendia bandeiras de times”, conta

A trajetória de Ana Thaís não foi nada fácil: “Minha família tem uma origem humilde, bem pobre mesmo. Minha mãe Francisca era empregada doméstica, vendia bandeiras de times no Estádio do Pacaembu e cuidava de mim e dos meus cinco irmãos. Em 2008, ela ainda não tinha celular. Eu tinha que telefonar para um orelhão que ficava perto da casa em que ela morava, na cidade de Itanhaém, para ela ir me atender”, contou, em entrevista a Beatriz Cesarini, no UOL.

Ela contou que por pouco não arriscou outra carreira ligada ao esporte: “Depois de quase tentar uma carreira como jogadora de futebol, entreguei currículo em lojas de shopping, fui recepcionista, office girl e assistente em um escritório de arquitetura até que me tornei comentarista na maior emissora de televisão do país. E tenho um quadro no programa da Fátima Bernardes. Eu, uma menina de periferia”, afirmou.

Ana Thaís, apesar de abrir portas para outras mulheres na profissão, garante que jamais pretendeu se tornar um símbolo:Nunca quis ser uma bandeira, isso pra mim é muito importante também porque isso foi uma coisa que colocaram em mim. Nunca quis, só que aconteceu, e aconteceu pelo que eu sou, pelo que eu batalhei para ser e pelo que as pessoas acreditam que tenho em mim. Nunca quis ser comentarista, nunca me vi nessa posição”, avaliou.

Ela revelou, ainda, que seu primeiro espectador foi o dono de um bar em Itanhaém: “Voltava da escola para discutir futebol com o Edinho, que infelizmente já faleceu. Ele assinava alguns jornais, como ‘A Tribuna’ e o ‘Notícias Populares’. Eu estudava de manhã e, então, nosso combinado era: ele lia os jornais de manhã e à tarde, quando eu voltava da escola, passava no bar para pegar os jornais e conversar com ele de futebol. Era quase todo dia isso. Meu irmão ficava bravo, falava que eu vivia viciada em bar, mas não era, era uma vendinha que vendia ovos, e também vendia bebida, mas o meu papo era passar lá para pegar jornal e conversar de futebol com o Edinho. Futebol e carnaval”, relembrou.

Ana Thaís teve de enfrentar redes sociais e machismo

A jornalista também sofreu com a crueldade usadas por muitos nas redes sociais. Em 2020, ela foi alvo de ataques e teve o número do seu celular vazado apenas por criticar a volta de Robinho ao Santos. Ele estava sendo acusado de estupro coletivo e acabou sendo condenado.

“Vazaram vários telefones de vários jornalistas que se manifestaram contra a contratação desse ex-jogador, e foi bem na semana que meu pai estava internado. Eu estava indo para São Paulo, foi bem no meio da pandemia e eu tinha deixado meu número de telefone no hospital, um hospital público de difícil comunicação também. Só que vazou meu telefone. Eu não tive outra alternativa e liguei na operadora para trocar meu número”, revelou.

Ana Thaís também teve de lidar com a violência do machismo e do preconceito. “Eu sempre fui muito combativa, desde pequena. Eu vi todos os tipos de violência que você puder imaginar na minha adolescência, morando em comunidade, principalmente contra mulheres”.

“Teve uma vez que eu fiquei muito nervosa. O sujeito gritou meu nome e disse que ia me encontrar na rua e me estuprar. Não acreditei que ele faria isso, mas fiquei uns 30 minutos pensando que eu estava no meio de alguns animais. Minha pressão subiu, meu coração disparou, mas fiz a transmissão normalmente”, relatou.