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Parabenizo todas e todos os santistas pelo fato de a cidade completar 475 anos, nesta terça-feira (26), e apresento este breve artigo com o objetivo de contribuir para o debate para que Santos um dia seja reconhecida pela inclusão socioeconômica e valorização dos talentos da sua população.

Eu cheguei em Santos no ano de 1984 vindo do Rio de Janeiro, minha cidade natal. Antes, tive que ir a Registro para assumir um cargo no serviço público estadual, onde se situava a sede regional do órgão que iria trabalhar, mas eu ficaria lotado em Santos para atuar em um território que compreendia de Ubatuba a Pedro de Toledo.

O ônibus que me trouxe proporcionou ver todas as cidades entre Registro e Santos nas suas paradas. O José Menino foi o primeiro bairro que conheci e o Canal 1 foi uma das minhas primeiras paisagens que me encantou.

Em pouco tempo observei que as proximidades regiam a cidade. Havia proximidade profissional da população com o Porto, a proximidade geográfica entre os bairros era um fato, pois os deslocamentos que fazia eram curtos comparados às cidades de grande porte.

Havia uma geração que tinha contato de proximidade em torno da confeitaria Joinville, situada próxima ao Canal 3. O Torto Bar proporcionava proximidade cultural para aqueles que gostavam de ouvir boa música em clima de celebração da paz e das amizades.

A proximidade dos habitantes da cidade com o Santos Futebol Clube foi construída com base no orgulho de uma cidade de médio porte ter apresentado ao mundo o maior jogador de futebol de todos os tempos, um time inesquecível e outros craques formados na base do clube desde a sua fundação.

As barracas de praia são únicas, pois foram criadas para fortalecer o vínculo entre as pessoas de categorias profissionais, clubes, associações. Há a proximidade dos moradores com os canais, monumentos funcionais idealizados pelo fluminense como eu, Saturnino de Brito.

Essas são algumas referências de proximidades que existem na cidade de Santos e são determinantes para o seu funcionamento, mas há outras, que cada morador pode apontar.

Afinal, para que servem as proximidades? Além da viabilização de amizades, conhecimentos e referências, as proximidades deveriam ser aproveitadas para a criação, principalmente, de bem-estar para os moradores.

No entanto, Santos é uma das cidades que melhor qualidade de vida proporciona para uma parte de seus habitantes, mas se caracteriza por ser uma das mais desiguais do Brasil.

O bem-estar poderia ser construído por meio de políticas públicas participativas pela prefeitura para toda a população santista e não somente para uma parte, com o aproveitamento das proximidades existentes.

Na França, na década de 80, emergiu uma disciplina denominada economia de proximidade, que é definida como um modo de organização baseada na relação direta entre fornecedores e consumidores, assim como entre os empreendimentos locais e órgãos públicos que integram a sua dinâmica.

Considerando este conceito e a proximidade que a população de Santos tem com o Porto e a sua importância histórica para a geração de postos de trabalho, é de fundamental importância que a prefeitura e os trabalhadores organizados participem da sua gestão.

No entanto, o que se observa é a sua privatização continuada e a dispensa de mão de obra, com a redução do vínculo entre a população e o Porto. Para que serve a proximidade geográfica se não é ativada e transformada em proximidade organizacional?

Houve um tempo em que o Porto, prefeitura e população tiveram uma estreita relação. Em fevereiro de 1991, 5.372 portuários foram demitidos de uma só vez pelo governo de Fernando Collor de Mello.

A prefeitura assumiu o seu protagonismo na luta para resgatar os postos de trabalho. Telma de Souza, então prefeita, afirmou que “não podia ficar omissa. Vivíamos um período de inflação alta e a Codesp era uma das principais empregadoras da cidade, com pouco mais se 10 mil trabalhadores e mais da metade estavam sendo demitidos. Decretei calamidade pública porque o impacto social na cidade foi muito grande. Era preciso realocar recursos para garantir a subsistência dessas famílias. Juntamos esforços com o poder legislativo e os sindicatos diversos. Com o Fórum da Cidade, sensibilizamos outros setores: o judiciário, o terceiro setor, universidades, comerciantes e toda sociedade civil. Paralisamos a cidade e nosso movimento teve repercussão nacional”.

Este exemplo expressa que é possível o poder público local, junto com diferentes segmentos da sociedade, no mínimo preservar a qualidade de vida da população. Contudo, no quadro atual exige-se um movimento de 180 graus nas políticas públicas da prefeitura para que se construa uma economia de proximidade, com o objetivo de proporcionar o bem-estar valorizando a cidade para e com os seus habitantes.

Alguns exemplos podem ser citados para que esse objetivo seja atingido com ações fundamentadas na economia de proximidade. Por que a prefeitura apoia a implantação de uma usina de incineração de resíduos e não se move para incrementar a cadeia produtiva dos materiais recicláveis com apoio a cooperativas de catadores?

Além da poluição que este equipamento vai gerar, os atuais postos de trabalho dos catadores de materiais recicláveis e aqueles que poderiam ser criados serão destruídos, proporcionando aumento da pobreza, da população em estado de vulnerabilidade social. Resíduos sólidos podem ter uma solução que favoreça o ambiente e os santistas com base na proximidade entre prefeitura, sociedade e ambiente.

A criação de um programa que garanta renda básica à população mais pobre vinculada a um banco comunitário com a adoção de moeda social também é uma solução para impedir que santistas padeçam de fome, principalmente em um quadro de afastamento social provocado pela pandemia da Covid-19.

Assim, os estabelecimentos comerciais cadastrados receberiam o pagamento da compra de produtos em moeda social, o que faria o dinheiro circular nos bairros de maior concentração de pobreza, estabelecendo uma tendência de reversão desse quadro.

As proximidades geográfica, já existente, e a organizacional criada por uma política pública em parceria por beneficiários do programa, comerciantes e prefeitura, são fatores determinantes para o sucesso deste tipo de iniciativa. A cidade de Maricá/RJ é um exemplo concreto da implantação desta proposta. 

Os serviços de zeladoria dos bairros e da manutenção dos equipamentos que servem aos turistas, como chuveiros e banheiros, podem perfeitamente ser contratados pela população local por meio de cooperativas de trabalhadores, assim como os uniformes dos alunos da rede municipal podem ser confeccionados por costureiras santistas organizadas para essa finalidade.

No campo da cultura, os artistas santistas também podem ser contratados como instrutores para os alunos da rede municipal e terem espaços para a realização e exposição dos seus trabalhos, junto com outros expositores dos empreendimentos familiares e da economia solidária, como associações e cooperativas de artesãs e artesãos, por exemplo.

A prefeitura de Santos não pode ignorar as proximidades que já existem na cidade e são uma oportunidade clara para proporcionar a inclusão socioeconômica.

A economia de proximidade é fundamentada no conceito de endodesenvolvimento, caracterizado pela oportunidade gerada para os próprios moradores cuidarem do seu local e nele gerarem condições para se ter uma vida digna.

Não se pode privilegiar ações fundamentadas no capital que contemplem empreendimentos de grande porte e empreiteiras e se vire as costas para as proximidades existentes, como são majoritariamente as ações atuais da prefeitura. Preferencialmente, a prefeitura se fundamenta no conceito de exodesenvolvimento, ou seja, da valorização do que é externo, dos grandes grupos econômicos, que levam para o mercado financeiro ou outros territórios o resultado do esforço de alguns santistas contratados e de impostos usados para pagamentos por serviços. Os recursos de Santos têm que ficar na cidade.

A valorização das proximidades é a base para a criação de uma economia solidária que gere bem-estar e fortaleça ainda mais o vínculo dos santistas entre si e com a cidade. Não há outra solução para a humanidade experienciar uma vida digna a não ser pela solidariedade em todos os níveis, seja entre o poder público com a população e dos moradores de uma cidade entre si; e isto Santos já apresenta, principalmente nos seus bairros onde se concentra a população mais pobre, onde a solidariedade entre as pessoas está associada à sobrevivência.

Agora, deve-se ter políticas públicas municipais para que esta solidariedade seja organizada e avance para se transformar em um modo de produção construído de baixo para cima.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista