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Advirto que este texto representa a percepção de um admirador do Esquerdantina, não é resultado de uma pesquisa baseada em entrevistas com os seus integrantes ou outros admiradores. A proposta apresentada ao final não foi elaborada por qualquer integrante do grupo, não houve sequer uma consulta sobre a pertinência. Trata-se da manifestação livre de quem deseja assisti-lo por muito tempo.

Esquerdantina é um grupo de músicos que entendo serem militantes dos movimentos de esquerda e da cultura de Santos. Toca samba e junta centenas de pessoas na histórica Rua XV de Novembro, no centro da cidade, com suporte do Clube do Choro. Acredito que se inspira em referências como Paulo da Portela, Chico Buarque e no samba de gafieira, que tornou famosa a Estudantina, casa de dança do Rio de Janeiro. O grupo não tem uma programação definida previamente e se apresenta, comumente, em datas expressivas, como a vitória do Lula em 2022.

A sua origem é a antiga sede da Associação Cultural José Martí da Baixada Santista. Lá, no início da sua trajetória, pessoas que integravam a entidade, se reuniam para escutar, cantar e dançar. Posteriormente, com base na divulgação entre as pessoas que tinham proximidades de propósito político e cultural, a sede da José Martí lotava nas apresentações do grupo. Com a mudança de local, o Esquerdantina passou a se apresentar na Rua XV de Novembro. Cantar e dançar sempre foram os objetivos de todos que gostam do grupo, mas refletir sobre o momento em que vivemos também, pois as proximidades de propósito entre os seus admiradores continuam.

Sexta-feira, 14/7, Douglas Martins – cavaquinista e vocalista – porta-voz do Esquerdantina, preocupado com os rumos do governo federal na relação de forças com o Congresso Nacional, recomendou e convocou as centenas de pessoas no meio de uma apresentação na Rua XV: “Nas últimas eleições derrotamos a extrema direita nas ruas e delas não podemos sair para termos avanços nas políticas públicas”.

Politizar por meio da cultura, da festa; promover reflexões, fortalecer a cultura brasileira e apoiar as lutas populares também ocupam espaço nas apresentações do grupo. No mesmo dia, Douglas apontou para a foto de Samara Faustino e explicou que se tratava de uma liderança na luta por melhores condições de vida dos moradores pobres do Centro de Santos, notadamente dos moradores dos cortiços. Ela faleceu recentemente. A homenagem teve a participação do filho da Samara, que foi aplaudida com seu nome mencionado em uníssono: Samara Faustino, presente!

Sempre que se apresenta, o Esquerdantina expõe uma grande faixa com os rostos de Karl Marx e Zé Pelintra com a frase Samba Manifesto. Muitas pessoas a fotografam por representar o espírito do grupo. Parece que sugere uma orientação militante pela ciência e identidade cultural de origem africana. A necessidade de se ter mobilização com base na interpretação da sociedade capitalista e o popular, de forma articulada, com ocupação das ruas e atenção às políticas públicas e movimentos sociais.

Esquerdantina reúne seus músicos para ensaios em dias e horários que os seus integrantes definem; cantam e tocam cada vez mais ensaiados, nas datas em que todos decidem em comum acordo. Enfim, não são orientados pela indústria cultural baseada no capitalismo. Trata-se de um grupo autogestionário da cultura, que é resultado de uma rede sociotécnica fundamentada em propósitos de acesso a lazer, cultura e mudança social, com a participação cada vez maior de um público militante de movimentos para a construção de uma sociedade mais justa, solidária e fraterna. Observa-se que entre as pessoas que se juntam na Rua XV há diversidade e respeito. A reciprocidade é a base das relações entre todos os integrantes da rede. Essas características evidenciam que se trata de um grupo da economia solidária.

Ainda na apresentação do dia 14/7, um fato chamou a atenção. Douglas Martins sugeriu que as pessoas comprassem cerveja na barraca da organização da festa, pois era a única forma de se remunerar minimamente os integrantes do grupo. Para mim, ficou evidente a necessidade de se ter outras formas de remuneração. Afinal, os músicos são os responsáveis pelas celebrações que promovem a cada apresentação e, também, precisam viver ou, minimamente, manter seus instrumentos em condições de funcionamento e comprar equipamentos. O sistema capitalista comumente trata os artistas engajados, os músicos, sem valorização. E nós podemos agir de forma diferente.

Como integrante da rede sociotécnica Esquerdantina, o público poderia contribuir mensalmente com um valor que caiba no bolso de cada um, depositando em caixa virtual para que o grupo se mantenha vivo nos oferecendo o melhor das canções brasileiras, em apresentações politizadas, sendo uma das referências da unidade de todos que objetivam uma sociedade mais justa, igualitária e feliz. Seria uma contribuição que não tem o objetivo de se obter lucro, mas de concretização da reciprocidade com reconhecimento. Contribuir para manter essa associação militante em pleno funcionamento.

Esquerdantina é um grupo da economia solidária que deveria ser mantido por seus admiradores. Caso Paulo da Portela e Paul Singer o conhecessem, certamente ficariam encantados e diriam: é isso que deve ser feito.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista.