Foto: Kamila Drieli

“Como se eu estivesse

mais perto de quem eu sou

do lugar ao qual pertenço

do meu habitat natural

e estou

a natureza fala”

Hoje é meu aniversário.

No dia 16 de dezembro de 1989, às 10h05, como consta na minha certidão de nascimento, na cidade de Santos, eu cheguei. 31 anos aqui, 31 anos existindo e buscando saber quem sou, por que estou, para que existo.

Hoje é meu aniversário e desde anteontem – dia em que desceu minha lua – uma vontade de explodir em lágrimas comprime meu peito e colaba meus pulmões, sinto que preciso respirar, mas às vezes não consigo o suficiente e meus olhos marejam, quase derramam, mas ainda não sentiram o acorde que os farão verter em líquido e sal. Mas eu sei que este momento se dará hoje, e que arrebentarei meu mar nas pedras que encontrar.

Hoje é meu aniversário e – mesmo de peito apertado por ausências, saudades, lonjuras – eu sinto a magia de estar aqui. Elevo meus olhos e observo o céu azul e penso se alguém me observa de lá, estranhamente não me sinto só, me sinto tão completa, tão consciente, que afogo num mar interno de sentimentos perfeitos e lindos, que até me fizeram ontem dormir sorrindo.

Já não sou tão jovem, e não falo pelos números que compõem a minha idade, que não são muitos perto de outras vidas, mas por desejar permanências. Não carrego a mesma inconsequência de outrora, de quem está descobrindo o mundo, já não encaro mais qualquer coisa e já não encontro o amor no próximo beijo. Os novos ciclos me trazem muitas certezas, e para cada certeza, milhões de novas perguntas se chocam contra as paredes do meu cérebro em sinapses brilhantes e multicoloridas.

Tenho um amigo que sempre me diz que eu sou a ateia mais espiritualizada que ele conhece, e eu acho engraçado. Segundo ele, meus textos e poesias são sempre cheios de uma abstralidade divina, e eu, de certa forma, concordo.

Embora eu não acredite na concepção de deus como o homem construiu, a partir do desconhecido, a partir de uma ideia de medo pautada em abstrusidades. Eu vejo deus quando olho uma árvore, o sinto quando entro nas águas do rio e não distingo as arestas que nos separam em corpos distintos, eu percebo deus no espelho, quando me olho e sou gentil comigo.

Questiono sempre a necessidade do homem de inventar coisas para justificar suas dúvidas quando, na verdade, a magia é tudo que existe e quando, naturalmente, as criações do homem são simplistas demais perto da criação que o precede.

Me sinto misantropa certas vezes, ansiando viver em algum lugar longe das interações sociais e de todos os desdobramentos intricados que permeiam essas relações. Me sinto exausta, embora consiga perceber o valor da convivência para, além do acalento semelhante, confrontar meu próprio ego que ainda insiste em querer que as pessoas sejam algo de que eu preciso. Hoje vejo que é impossível me direcionar para a evolução pessoal longe do convívio de outras pessoas, principalmente do meu filho.

Me ajuda olhar para o próximo e pensar: “Se ele é isso, se é assim, eu também poderia ser, ou sou, ou ter sido”. Essa premissa orienta minha empatia e a amplia dia após dia, numa tentativa infinda de enxergar a todos como a mim, de me ver na íris de cada animal sobre a terra.

A mesma matéria, a mesma poeira.

Me sinto forte, para além de ter força, me sinto bem, para além da vontade de chorar. Vejo o caminho que deixo atrás de mim e percebo quanta beleza ficou escondida nas laterais, vejo quão vibrante é o vermelho do sangue que derramei ao passar. Agora, neste momento, vejo ainda mais beleza nas cicatrizes que sustento, invisíveis, e que me fazem um mapa de resistência.

Hoje eu quero derramar.

E a cada mil lágrimas farei um milagre.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista