Foto: Bruna Pacheco

Mês passado um empresário filmou um grupo de amigos praticando ioga na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro.

No vídeo em questão o foco está em duas mulheres, uma delas a advogada Mariana Maduro, responsável pela denúncia. Entre a total invasão da privacidade alheia e gestos obscenos feitos por um outro homem que aparece no vídeo, pode-se ouvir o comentário “ninguém aqui quer ver ioga queremos ver alcatra abrindo”.

O empresário em questão conta com mais de 300 mil seguidores na rede social onde, anteriormente, já expôs outras mulheres. E isso me faz pensar ainda mais no tipo de conteúdo que consumimos na internet, nos indivíduos que alçamos a influenciadores, e na superficialidade das vidas que acompanhamos religiosamente no dia a dia. Para esse homem, como toda a nossa sociedade ensina, e como combatemos diariamente, as mulheres são produtos, pedaços de carne em exposição pelas ruas, fazendo coisas para serem vistas como objetos de desejo, sempre culpadas, sempre postas sob dúvida.

Lembro de uma amiga, Bruna, uma mulher linda, mãe, bióloga, professora, praticante de pole dance. Esporadicamente a Bruna posta vídeos de sua prática na sala de casa, sempre graciosa e linda, nos presenteia com movimentos suaves, difíceis, e que demandam muito treino e concentração. O pole dance salvou a minha amiga em algum ponto, mas ninguém sabe disso, ninguém sabe o quanto estar ali concentrada, entregue, proporciona um sentimento de vida pulsando pra ela. Assim como a ioga era a atividade de escape da advogada que relatou em entrevista ter abandonado a prática após a exposição sofrida.

A Bruna já fez vídeos explicando sobre o pole dance, sobre como é ruim fazer algo que se ama, que se acha belo, e receber mensagens de cunho sexual como resposta, em sua maioria de homens que ela sequer conhece, que não são capazes de olhar para uma mulher sem enxergar um corpo público, menos ainda de perceber ações para além de atrair os olhares masculinos.

Sempre nos perguntam sobre os porquês das coisas que fazemos. Nos questionam sobre nossas roupas, os lugares que frequentamos, a forma como nos comportamos. Regulam nosso tom de voz, a altura das nossas risadas, os lugares que devemos ocupar.

Pior, nos fazem acreditar que estamos a salvo ao manter uma postura recatada, caseira, discreta. Que podemos evitar violências quando nos adequamos aos padrões que definiram para as mulheres “direitas”. Mas não, independente da prática, da conduta, das escolhas, ainda nos olharão como coisas sujeitas às demandas de terceiros.

É muito claro para nós, mulheres, que sentimos na pele todos os dias, que independente da forma como escolhemos existir somos violentadas por olhos, bocas, gestos, a todo momento.

Não existe uma forma certa de ser mulher, não existe uma única maneira eficiente de livrar-nos das violências impostas a nós apenas por sermos quem somos. A maneira mais eficaz que temos de confrontar a estrutura é decidirmos por nossos próprios anseios, optarmos por realizarmos nossos sonhos, e lutarmos, cada dia mais certas, para sermos vistas com respeito por nossas escolhas pessoais, e para que num futuro próximo não tenhamos medo de que nossos gestos cotidianos sejam vistos como convites.

Se não conseguirmos mudar a forma como pensam sobre nós, que consigamos ao menos responsabilizar e criminalizar quem se acha no direito de externar publicamente suas ideias retrógradas, primitivas, e sem fundamento. Que possam assimilar, pela busca de conhecimento ou pelo pagamento de seus erros na esfera criminal, que não seremos mais um brinquedo inanimado diante dos abusos que se escancaram a nossa frente.

Kamila Drieli
Escritora, mãe, mulher e formada em Biologia Marinha. Na infância, lia livros de fantasia. Com o passar do tempo, a escrita se tornou essencial. Seu primeiro livro – “A Portadora da Luz” – está disponível na Amazon. Hoje, ela usa diferentes meios para se expressar: música, desenho, poesia e fotografia.