Foto: Lindsey LaMont on Unsplash

Há três meses, em junho, eu fui convidada por um jornalista, comunicador e amigo, extremamente talentoso, chamado Carlos Arakaki, para ser entrevistada numa live em seu Instagram.

Nunca tinha participado de algo assim – muito menos como convidada – para falar sobre minha vida, meu trabalho como escritora e meu e-book que estava prestes a ser lançado na ocasião. A sensação era de que estava chegando mais perto do meu sonho de escrever e ser reconhecida como tal.

Durante a entrevista falei sobre coisas como o processo que passei até conseguir raspar a cabeça, a perda da minha mãe, que completará oito anos no dia 27 agora, e as dificuldades de existir como mulher na nossa sociedade alicerçada em leis criadas por homens para seu próprio privilégio. O famoso e falido patriarcado.

Sou uma pessoa extremamente ativa nas redes sociais, utilizo-as principalmente como meio de divulgar minhas palavras e atingir mais pessoas com o meu trabalho. Mas, claro, também acompanho determinadas personalidades e, também, as polêmicas em torno das vidas públicas dos “famosos”.

Diariamente, vejo postagens de blogueiras “good vibes” sobre o quanto a vida é “mara” e como deveríamos nos aceitar e amar como somos, claro, não antes do preenchimento labial, silicone, lipoaspiração 3D, micropigmentação nas sobrancelhas, bronzeamento artificial, fox eyes, lente de contato nos dentes, roupas de grife e nenhuma preocupação real com um mundo que existe para além da esfera purpurinada dessas vidas vazias e superficiais.

E eu adoro roupas, maquiagem, sapatos e bolsas, e também estou enquadrada num determinado padrão estético. É difícil falar sobre aceitação real, quando se é exatamente o padrão desejado e valorizado por nossa construção social. Mas eu nunca fiz nenhum procedimento estético, mal faço a sobrancelha, as unhas então, vez ou outra, não sobra muito tempo para essas questões no meio de uma rotina de trabalho/casa/maternidade solo/escritora/leitora/companheira.

Que fique claro, eu não me vejo em nenhum patamar de superioridade por não fazer parte do grupo de mulheres que busca um aperfeiçoamento estético, até porque, eu uso maquiagem e ainda me sinto mais segura quando estou “montada”.

O que eu vejo como grande diferença é que eu sei o quanto a estrutura luta para que nos sintamos cada vez mais insatisfeitas com nossos corpos, e o quanto eles lucram com nossas inseguranças.

E eu luto diariamente para combater esses sentimentos.

E ainda assim, mesmo convicta sobre não almejar mudar meu corpo, também me sinto por vezes (muitas vezes) insatisfeita com os meus atributos naturais.

Eu seria mais bonita se meus seios fossem maiores?

Será que vai demorar muito para o meu cabelo crescer?

Talvez eu devesse fazer mais exercícios físicos?

Comer menos?

Me preocupar mais?

Todas essas perguntas rondam minha cabeça vez ou outra provando que, mesmo conscientes, somos reféns de uma indução de rivalidade que não existe, e que não é natural como nos fizeram acreditar. Por conta disso, seguimos vendo mulheres cada vez mais jovens alterando seus traços singulares numa busca por algo que nunca será satisfeito.

No livro O Mito da Beleza, Naomi Wolf fala bem sobre isso. Ela diz, em suas palavras irretocáveis, que a cada nova conquista das mulheres, cria-se um novo impasse para direcioná-las em busca da perfeição.

E tudo não passa de uma grande arma para que continuemos ali, perdendo horas no salão para sermos aceitas e vistas, respeitadas e desejadas. Nós, enquanto mulheres, nunca saberemos se estamos em determinado lugar por sermos bonitas ou competentes, paira sempre uma dúvida no ar.

Esta semana uma amiga cortou seu cabelo longo bem curtinho, e em sua postagem me marcou dizendo que nunca esqueceu aquela live, aquela que citei no começo deste artigo. Isso encheu meu peito de esperança. Ainda podemos ser livres, ainda podemos ser quem quisermos.

Quando pensamos em aumentar, diminuir, afinar ou alterar algo em nós, esquecemos que todos esses procedimentos podem nos custar a vida, uma vida que, se perdida, não é passível de recuperação. Cirurgias plásticas batendo recordes assustadores, nossos medos sendo fortalecidos e criados a cada novo dia.

É muito complicado acompanharmos pessoas tão fora de nossas realidades, termos como expoente de perfeição mulheres que passam suas vidas sendo apenas modelos atraentes de um padrão de beleza que mata muitas de nós, principalmente as menos favorecidas economicamente.

Eu penso que ser livre é poder escolher se aceitar como é, sentir o poder de uma existência geradora de vida, de uma divindade que transcende nossa epiderme. Nosso corpo é uma ferramenta mágica, que gesta, nutre e explode humanidades.

E eu também acho okay ser perfeita e mostrar isso nas redes. Mas poxa, eu também adoraria saber o que essas meninas pensam, quais livros leem, quais documentários recomendam, como veem a situação política e social catastrófica do nosso país e do mundo.

Mas não, só vejo dicas de “coisas” fora da nossa realidade, vidas que desejaríamos ter, porque nossa vida, a vida real, é muito dolorosa.

Eu só queria dizer, para o start de um fim de semana incrível, que você é linda, e que não interessa o que eles dizem, não importa o quanto tentem fazer acreditar que você está errada de ser quem é, resista. Faça por você, porque você quer, porque você gosta, não para atingir o inalcançável.

Eles nos segregam porque sabem que nós mulheres somos como as águas: Quanto mais juntas, mais força temos.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista

Kamila Drieli
Escritora, mãe, mulher e formada em Biologia Marinha. Na infância, lia livros de fantasia. Com o passar do tempo, a escrita se tornou essencial. Seu primeiro livro – “A Portadora da Luz” – está disponível na Amazon. Hoje, ela usa diferentes meios para se expressar: música, desenho, poesia e fotografia.