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Célio Nori foi mais uma vítima fatal da Covid-19 e nos deixou em 17/05/2021. Em 27/04 do mesmo ano, nesta coluna, foi publicado o artigo “O Ator-Rede das Lutas Sociais na Baixada Santista”. Foram abordados aspectos da Teoria do Ator-Rede para explicar como as inovações organizacionais são viabilizadas por redes sociotécnicas integradas por diferentes atores sociais. O exemplo de atuação na sociedade que colocava as pessoas com diferentes movimentos e objetivos em relação para construir essas redes foi o Célio.

A matéria do Folha Santista, assinada por Julinho Bittencourt, que nos informou sobre esse trágico fato retratou de forma fiel as reações que ocorreram na cidade já no seu título: “Santos chora a partida do amigo e companheiro Célio Nori”.

Foram diversas notas de pesar e declarações de movimentos sociais, sindicatos, vereadores, prefeito, entidades religiosas, instituições de ensino etc. Todas ressaltavam as trajetórias política e profissional do Célio como importantes para a construção dos movimentos pela promoção da cidadania. Tendo como base o Fórum da Cidadania de Santos, nome fantasia da organização não governamental Concidadania, a sua capacidade de colocar as pessoas em relação para construir ideias em rede foi conhecida em toda a Baixada Santista. Esse papel que desempenhou é mais complexo do que o de um articulador, por exigir a interpretação das lógicas de ação de cada um para a realização dos deslocamentos dos seus esforços para a ideia apresentada e estabelecimento de conexões com outros atores para concretizá-la.

Após o seu encantamento, várias pessoas externaram direta ou indiretamente a preocupação sobre quem desempenharia o papel do Célio a partir de agora. Até o presente ninguém sugeriu um nome e certamente não irão sugerir. Os militantes dos movimentos sociais sentem-se órfãos, pois perdemos um amigo, um companheiro que nos mobilizava.

Afinal, quem seria capaz de reunir características como credibilidade, ética, paciência, dedicação, inteligência, compromisso, assertividade, atuação com transparência, grande capacidade de mobilização e honestidade? E direcionar tudo isso para esforços com o objetivo de construir o sonho da sociedade fraterna integrada por cidadãos plenos? Quem seria capaz de sensibilizar e ter a aceitação de integrantes de mais de 50 entidades para coordenar a construção do Fórum Social Permanente da Baixada Santista?

Algumas pessoas até poderiam ter todas essas características se fossem construídas ao longo do tempo. No entanto, no momento não há ninguém e necessita-se dar continuidade às lutas sociais na região de forma unificada, para que a qualidade de vida não se torne ainda pior em um quadro em que a nossa população é sacrificada pelo negacionismo e por políticas públicas que priorizam o mercado e não o ser humano. Então, o que fazer?

Pode-se considerar as experiências de locais onde fato semelhante ocorreu, ou seja, a perda do ator-rede que atuava na ativação de proximidades geográficas e de propósitos para ter outros atores-rede em relação na construção das redes sociotécnicas que viabilizavam atividades socioeconômicas ou lutas políticas regionais. As soluções que tiveram êxito coincidem na valorização do coletivo.

Não se pode buscar um substituto, ou seja, individualizar o problema. Deve-se preocupar em dar continuidade aos projetos e não substituir alguém que é único e já ocupa com brilhantismo um lugar na história de Santos e de toda a Baixada Santista. Para isso, um conselho gestor integrado por representantes de entidades vinculadas às iniciativas em curso é mais indicado. A sede do grupo deve ser a mesma Estação da Cidadania que abriga o Fórum de mesmo nome.

Os temas pautados deverão ser debatidos, as controvérsias tratadas no campo das ideias, como fazia o Célio. E de cada controvérsia deve-se buscar o acordo que contemple o coletivo. As ações e projetos elaborados com base em estudos e experiências serão de responsabilidade coletiva e representarão o conjunto das entidades envolvidas.

Todas as características do Célio Nori poderão ser encontradas não em um indivíduo, mas em uma rede sociotécnica integrada por mulheres e homens comprometidos com a construção de uma sociedade justa e solidária e que atuam de forma concomitante, no exercício e no aperfeiçoamento da democracia, com transparência e vigilância.

Para isso, os comportamentos devem ser alinhados, o que tem que ser feito em reuniões, mesmo que exijam debates à exaustão. Célio, certamente, perguntaria: quem operacionalizará as atividades? Cada uma delas e quem as executará também deve ser definida pelo grupo.

É natural e desejável que os objetivos a serem alcançados das diferentes entidades estejam nos projetos em curso e em outros que serão elaborados e assumidos coletivamente pelo Fórum Social Permanente da Baixada Santista, como a Plataforma de Prioridades para a região, que deverá ser entregue a prefeitos e vereadores.

No entanto, a visibilidade perante a opinião pública deve ser do coletivo e não de uma pessoa ou de uma entidade. As posições difundidas para os meios de comunicação devem ser feitas por porta-voz ou porta-vozes escolhidas/os pelo grupo. A organização não governamental Concidadania pode ter a mesma forma de organização autogestionária, com base na elaboração de um regimento interno, operacional, que represente uma adequação do seu estatuto.

Célio Nori não haverá outro, mas estará vivo em cada um que o conheceu e teve a oportunidade de conviver ou de estar ao seu lado pelo menos em parte da caminhada transformadora que fez rumo ao sonho mais belo que um ser humano pode ter, o exercício pleno da cidadania.

Todos juntos, em rede, podemos ser Célio Nori.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista