Foto: Kristina Flour on Unsplash

Marielle Franco, num pronunciamento que ganhou muita visibilidade, disse: “Não serei interrompida. Não aturo interrompimento dos vereadores dessa casa. Não aturarei o cidadão que veio aqui e não sabe ouvir a posição de uma mulher eleita”.

Fecho os olhos e escuto a voz de Marielle ressoar dentro de mim, arrepiando todo o meu corpo, e me dando esperança de que podemos, sim, enfrentar os dedos que nos impõem para silenciarmos.

Muito antes de Marielle, em 1851, numa convenção de mulheres em Akron, Ohio, Sojourner Truth era a única mulher negra presente, e foi também a única capaz de calar os homens presentes, que demonstravam, em sua postura de zombaria, total hostilidade ao evento.

“Aquele homenzinho de preto ali, ele diz que as mulheres não podem ter os mesmos direitos do que os homens, porque Cristo não era uma mulher. E de onde veio o seu Cristo? De onde veio o seu Cristo? De Deus e de uma mulher! O homem não teve nada a ver com ele”.

O discurso de Sojourner Truth deixa claro que, mesmo diante de uma vida de escravidão e violência, seus argumentos eram muito coerentes e, de fato, deixaram todos os presentes em silêncio.

Eu já me vi em diversas situações onde abafaram minha voz. Diversas situações onde eu, sem uma percepção exata do que era aquilo, me convencia de que realmente não devia ter nada de relevante para dividir. Como se o fato de ser mulher tornasse meus posicionamentos menos verídicos e dignos de atenção do que os de um homem.

Quando, na verdade, poucas vezes vi homens falando de forma coerente sobre assuntos pertinentes à vida das mulheres e, ainda assim, quem está legislando e gerenciando nossos direitos, corpos, vidas, são homens brancos, héteros, privilegiados, conservadores, religiosos, que usam de todas as armas, das mais absurdas às menos cientificas possíveis, para sustentar sua postura de total desconhecimento de nossa natureza, dos nossos anseios. Demonstrando, além de tudo, um desconhecimento profundo sobre sua própria origem, evidenciando uma ignorância que não respeita sequer quem lhes deu a vida.

Sempre que penso sobre opressão lembro que o primeiro tipo que existiu, como afirma Engels, foi a opressão do homem sobre a mulher, iniciando, assim, a história da humanidade alicerçada sobre uma luta bem perceptível de gênero e classes.

Mary Beard, em seu livro “Mulheres e Poder: um manifesto”, relata através de sua pesquisa de documentos históricos a primeira vez que um homem mandou uma mulher se calar, ainda na Grécia antiga, concluindo brilhantemente que “O poder do homem está relacionado com sua capacidade de silenciar as mulheres”.

Sinto uma mistura de raiva e perplexidade. Principalmente por me ver diante de tantos movimentos de luta feminista que, por vezes, parecem insuficientes diante da estrutura.

Cresci ouvindo que não podia responder, que não deveria falar muito, que ninguém gosta de mulher cheia de opinião, que seria melhor disfarçar minha inteligência para que os homens ao meu redor não se sentissem inseguros. Até hoje, frequentemente, peço desculpas por “falar demais” em determinadas situações.

A diferença entre hoje e pouquíssimo tempo atrás é que, hoje, essa mulher não se permite interromper, não perde tempo ouvindo alguém que não consegue escutar nada além da própria voz.

Eu, melhor que ninguém, sei sobre mim. Assim como as mulheres da sua vida sabem sobre si mesmas. Não precisamos de permissões externas para decidirmos sobre nossas demandas pessoais.

Quando uma mulher falar, aprenda a ouvir.

Se não compreender, aprenda a perguntar.

Se tem dúvidas sobre seus privilégios, use sua internet para pesquisar.

Meu principal objetivo é fazer com que os homens percebam que, enquanto não confrontarem outros homens, suas falas sobre desejos de igualdade para todos é apenas uma mentira conveniente para fazê-los se sentirem menos covardes do que são.

Se você, enquanto homem, não aprender a calar a boca de outro homem diante de um abuso contra uma mulher, eu vou precisar usar de todo meu vigor para mostrar que você nunca conhecerá as minhas histórias como eu.

E a minha história, a história das minhas ancestrais, é exatamente o que muitos perderam pelo caminho, é exatamente o ponto fraco de um menino ferido, criado para ser superior, como se o fosse intrinsecamente.

Tem espaço. Você pode ser você, e eu posso ser eu.

Cala a boca já morreu, quem manda na minha boca também sou eu.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista