Foto: Agência Brasil

Durante a trajetória de um oncologista, há o desafio de lidar constantemente com as más notícias. Invariavelmente, temos que comunicar a piora do estado de saúde de alguém, ou até o falecimento de um ente querido. Ao final dessa conversa, em geral, os envolvidos se abraçam. Esse ato representa uma união, fortalece o compromisso entre as partes e também funciona como um amparo físico e emocional para enfrentar o comunicado.

Em 29/12/2019, quatro pessoas deram entrada em Wuhan com uma pneumonia nunca previamente vista. Os testes para as infecções virais e bacterianas conhecidas foram negativos. Era o começo de uma nova doença que, silenciosamente, alastrava-se pelo mundo.

Em 11/3/2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou a pandemia da Covid-19. Em 20/3/2020, saiu no Diário Oficial o decreto número 64.869, instalando o estado de calamidade pública, que determinou o isolamento, tornando como regra o distanciamento social.

Três meses e tantas mudanças. Como lidar com uma pandemia que veio modificar as estruturas de uma sociedade já previamente doente? E como vivenciar isso sem os abraços?

Você poderia me perguntar, como assim? O que tem a ver enfrentar os desafios de uma grave pandemia com a falta de toque humano?

A palavra “abraço” significa apertar entre os braços. Etimologicamente vem do latim amplexos. Culturalmente é um hábito do começo do século XX. O abraço faz parte de uma cultura de aproximação entre as pessoas.

Há estudiosos que dizem que na nossa evolução como espécie tivemos que usar ferramentas de apaziguamento da nossa agressividade para que sobrevivêssemos. E quanto mais nos tornamos uma espécie potencialmente perigosa, com o desenvolvimento de armas mortíferas artificiais, mais tivemos que aumentar nossa gama de aproximação.

De qualquer forma, abraçar é um ato proibido nos dias de hoje. O toque, que era visto como algo terapêutico, virou um comportamento de risco.

Mas, abraçar faz a gente se sentir bem. Dentre várias contribuições, listo que o abraço ajuda a acabar com a solidão, aumentar artifícios para lidar com o medo, aliviar tensões e, por que não, evitar guerras? Será que não pode ser uma forma de lidar com o autoritarismo? Toque físico não é apenas agradável, mas também necessário, contribui para nosso bem-estar físico e emocional. Pode aliviar dor, depressão e ansiedade.

Abraçar alguém é dividir seu espaço pessoal, mas é preciso ter lugar dentro de si para ceder ao outro. Talvez por isso algumas pessoas não consigam se entregar ao contato físico do abraço.

Há também quem entenda os braços abertos do abraço como uma espécie de benção, como o Cristo Redentor abençoando a cidade fluminense. O sentimento dos braços abertos é de segurança, de desarmamento, de paz.

Eduardo Galeano, jornalista e escritor uruguaio, em uma poesia chamada “A Viagem”, diz que o primeiro gesto humano depois de chegar ao mundo foi o abraço. Aliás, esse mesmo autor escreveu o “Livro dos Abraços”, no qual lembra como os movimentos da vida vão se abraçando e traçando a vida.

Penso em como podemos e se conseguiremos substituir o abraço. Será que há algo que a gente possa fazer para preencher o vazio da sua ausência?

Possivelmente não, mas podemos nos aproximar no diálogo, na escuta, na troca de afetos. Podemos aprender a expressar nossos sentimentos sem economizar nas emoções. Podemos, mesmo que virtualmente, dispensar mais tempo a nossos amigos e familiares. E, talvez, repensar nossas escolhas para que, no futuro próximo ao fim do isolamento, possamos ser mais felizes.