O antigo Mercado de Peixes - Foto: Carlos Pimentel Mendes/Novo Milênio

O novo Mercado de Peixes de Santos, obra integrante do Programa Nova Ponta da Praia, será aberto ao público neste sábado (18), a partir das 7 horas. No entanto, um grupo de arquitetos e urbanistas tem uma preocupação maior: evitar a demolição do tradicional imóvel que abrigava o antigo Mercado de Peixes.

A obra, concluída e inaugurada em 1982, é de autoria do arquiteto Antônio Carlos Quintas. À época, foi considerada um dos empreendimentos mais importantes da arquitetura modernista. Quintas morreu na véspera da inauguração do espaço.

Imagem do Mercado em 1984 – Foto: Site Novo Milênio

Sua filha, Daniela Quintas, também arquiteta e urbanista formada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Santos (Faus), mora em Londres, Inglaterra, há 12 anos, e está mobilizada em defesa da preservação do edifício.

Ela conta que está mantendo um diálogo com a prefeitura, no sentido de conseguir a manutenção do imóvel.

“Estou conversando com a prefeitura, na figura do arquiteto que é o gestor das obras da Ponta da Praia, o Glaucus Farinello, e aguardando uma proposta que ele ficou de nos mandar, não só para mim, mas para o grupo. Seria uma proposta de um novo uso do Mercado”, explica Daniela.

A mobilização, conta a arquiteta, teve início no ano passado, quando o projeto da prefeitura do Centro de Atividades Turísticas (CAT) passou a ganhar força e começou a ser divulgado publicamente, mostrando imagens, nas quais o Mercado de Peixes não aparecia mais.

“Eu comecei a me mobilizar daqui de Londres, primeiramente com postagens em redes sociais, e me dei conta que, ao mesmo tempo, um grupo de arquitetos de Santos já estava se mobilizando. Arquitetos e professores de Santos e alguns de São Paulo, mas que têm entendimento da importância do imóvel”, relembra.

Tombamento

A atitude inicial foi preparar um processo e entrar com um pedido de tombamento no Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos (Condepasa). “Antes do pedido de tombamento, um arquiteto de Santos abriu uma petição contra a demolição do Mercado, que já tem quase 3 mil assinaturas”, conta Daniela.

“Fomos fazendo uma movimentação, mostrando que nós queríamos a preservação do edifício e não do seu uso, que é uma coisa importante a ser dita. Existe uma confusão grande. Muita gente acha que nós queremos que o edifício continue funcionando como Mercado de Peixes. Não, necessariamente. Nós entendemos que o imóvel ficou obsoleto em termos de tamanho, tem quase 40 anos. Então, não existe o problema de modernização. O problema é com a demolição do edifício. O que nós gostaríamos é que houvesse um novo uso para esse edifício e que convivesse em harmonia com o novo projeto do centro de convenções ao lado dele”, esclarece Daniela.

O pedido de abertura do processo de tombamento foi rejeitado pelo Condepasa. Depois disso, um grupo de arquitetos, estudantes e historiadores promoveram, no dia 15 de fevereiro deste ano, um abraço simbólico no edifício. “Logo em seguida, veio a pandemia e desvirtuou um pouco o foco. Naquele momento a gente estava ganhando visibilidade”, diz a arquiteta.

Argumentos

Daniela tem argumentos de sobra para demonstrar a importância da manutenção do imóvel.

“A gente vive muito essa cultura das demolições. Demolir para construir o novo, demolição por demolição. Isso está muito enraizado na maneira que o brasileiro trata a questão da arquitetura. Mais difícil ainda é quando se fala em uma arquitetura do século XX e, mais difícil ainda, uma arquitetura recente, de menos de 50 anos. É uma dificuldade tremenda de as pessoas entenderem o valor de um edifício desses”, avalia.

Para ela, a questão do Mercado de Peixes envolve vários aspectos. “O edifício é uma referência paisagística, cultural, afetiva. É um edifício que tem uma vida. Foi um marco na mudança no processo de comercialização dos pescados, além de ter sido o primeiro Mercado de Peixes da região, o que é muito relevante”.

Outra questão, segundo Daniela, se refere ao valor arquitetônico. “O Mercado de Peixes está inserido em um contexto de produção da Prodesan (Progresso e Desenvolvimento de Santos S/A, empresa de economia mista, que atua com a prefeitura) das décadas de 70 e 80, que foi muito intenso. A Prodesan contava com um quadro de profissionais muito competentes, entre eles meu pai. Existe uma produção arquitetônica modernista da época que é muito forte”, destaca.

Outro aspecto ressaltado por ela é que o projeto do seu pai está muito relacionado a uma arquitetura desenvolvida nas décadas de 60 e 70, desenvolvida pelo Grupo Arquitetura Nova (formado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP em 1962, primeira geração de arquitetos modernos brasileiros posterior à construção de Brasília).

“O Mercado de Peixes foi a obra mais importante da vida do meu pai, que era um arquiteto muito jovem. Ele morreu aos 35 anos. Na noite anterior à inauguração, sofreu uma parada cardíaca na porta do Mercado, ao chegar para vistoriar os últimos detalhes para abertura no dia seguinte, 16 de janeiro de 1982. Ele tinha uma relação muito forte com o Mercado”, relembra.

O novo Mercado de Peixes – Foto: Divulgação/PMS

Metade será demolida

O arquiteto Glaucus Farinello, gestor do Programa Nova Ponta da Praia da prefeitura, afirma que apenas parte do prédio do Mercado antigo vai ser preservada.

“Ficarão as estruturas em arco de concreto, até como uma opção na praça nova, que vai ser quase uma extensão do novo centro de convenções. Essa parte da edificação, que até hoje ainda abriga o Mercado de Peixes, vai servir como uma grande praça coberta, para abrigar uma série de atividades”, conta.

“Tudo isso pode ser muito bem alinhado com o próprio uso do centro de convenções. Então, algumas feiras, exposições, atividades ao ar livre na praça também terão essa opção em dias com chuva. Vai compor bem com a paisagem da praça na Ponta da Praia e permanece como um marco, contando a história da cidade”, acrescenta Farinello.

A proposta da prefeitura, no entanto, não contempla a preservação completa do imóvel, conforme aponta o arquiteto. “Vai ser parcialmente demolido. Vai ficar uma parte do edifício ainda de pé, como uma forma de cobertura. A gente vai fazer a demolição interna dos boxes e a cobertura em arco de concreto permanece numa parte. Basicamente metade dele. A porção mais próxima do centro de convenções será demolida”, completa o arquiteto.