O recente temporal que atingiu a Baixada Santista, trazendo mortes e destruição, acendeu um sinal de alerta. Ainda mais após a publicação de um estudo, que aponta que mais de 1,4 milhão de pessoas que vivem em regiões costeiras poderão sofrer com grandes inundações e tempestades cada vez mais fortes até 2050, em função do aumento do nível do mar. O trabalho foi divulgado pela prestigiada revista científica “Nature Communications”.
“Esse estudo é extremamente importante. As comunidades que vivem em regiões costeiras serão afetadas pelo aumento do nível do mar. Entretanto, essa pesquisa teve um olhar global e os dados utilizados de base para a região da Baixada Santista não são bem detalhados, pois são oriundos de uma base de dados em escala global. Assim, o resultado da pesquisa para a Baixada Santista (e provavelmente para outras regiões do Brasil), por ter pouca precisão, indica que a área afetada pelo aumento do nível do mar será muito maior, comparada a outros estudos que consideraram os dados locais mais detalhados”, explica Renan Ribeiro, professor e pesquisador do Núcleo de Pesquisas Hidrodinâmicas (NPH) da Universidade Santa Cecília (Unisanta).
O cientista Scott Kulp, do Climate Central (organização que analisa e informa sobre ciência do clima), disse no estudo que cidades como Santos, Guarujá, São Vicente e Bertioga estão incluídas nesse cenário.
“Sim, essas cidades, com certeza, serão afetadas, provavelmente não na mesma magnitude que o estudo informou. Entretanto, também vale lembrar que a pesquisa considerou, apenas, o efeito do aumento do nível do mar. No entanto, elas também serão afetadas pelo aumento da frequência e, em alguns casos, em intensidade das ressacas (ondas/agitação marítima). Assim, resumindo, o impacto das mudanças climáticas nas cidades costeiras poderá ser maior”, destaca Matheus Ruiz, engenheiro e técnico do laboratório do NPH.
Ainda de acordo com o estudo, o aumento do nível do mar só poderá ser retardado se a emissão de gases do efeito estufa for reduzida, o que não deve acontecer em níveis significativos.
“Na realidade, alguns estudos indicam que, mesmo se, utopicamente, pararmos de emitir gases de efeito estufa (GEEs) o nível do mar continuará subindo, pois hoje já temos uma grande quantidade de GEEs na atmosfera, o que é suficiente para manter e aumentar a temperatura e, consequentemente, continuar com o aumento do nível do mar por mais algumas décadas”, revela Alexandra Sampaio, coordenadora do laboratório do NPH.
Entretanto, alerta, não é por isso que se deva parar de se preocupar com o acúmulo de GEEs. “Se as emissões continuarem nos níveis atuais, ou até mesmo aumentarem, essa elevação do nível do mar será pior e mais acelerada”, diz.
“Diante disso, devemos nos adaptar para esses cenários de aumento do nível do mar. Seja construindo estruturas de defesa, renaturalizando as áreas (conceito de “building with the nature”), de modo que o ecossistema funcione como uma barreira para esses impactos, ou mesmo realocando as pessoas que estão em áreas vulneráveis”, acrescenta Alexandra.
Vulnerabilidade
Santos já apresenta pontos de vulnerabilidade, com a incidência maior de inundações por conta da alta das marés. Para Renan, algumas áreas da cidade já sofrem com isso, atualmente, e também com o impacto das ondas em eventos de ressacas marítimas.
“Dados históricos indicam que de 1993 até agora já foi registrado um aumento de 10 centímetros de nível do mar na região e, além disso, também foi registrado um aumento na frequência dos eventos de ressaca. Por isso, a cidade de Santos possui uma parceria com o NPH-Unisanta, por meio da Defesa Civil, para receber nossos alertas associados à previsão de ocorrência dos eventos extremos na região”, ressalta Renan.
Matheus destaca que não é necessário um grande aumento no nível do mar para que as cidades litorâneas sintam os efeitos climáticos. “As regiões mais baixas de algumas cidades litorâneas, a exemplo de Santos, já sofrem com a alta da maré há anos, e ainda tem como fato o aumento da frequência de eventos extremos, como as ressacas, que além de causar problemas nas estruturas urbanas e também alagamentos na região da orla, faz com que aumente a erosão em algumas praias. Com isso, elas ficam ainda mais vulneráveis aos impactos que as ressacas causam”, aponta.
Relatório
Em 2009, o NPH já alertava para o aumento do nível médio do mar e a necessidade de medidas de contenção e mitigação de possíveis impactos. Segundo relatório do laboratório, com base em dados topográficos locais, mais precisos que os dados de satélite, foi realizado um prognóstico das ruas e bairros que podem sofrer inundação costeira na área insular de Santos, com base em três cenários de elevação do nível médio do mar.
Aumento de 0,5; 1,0 e 1,5 metro em relação à maré de 1,98, a máxima observada em uma série histórica do marégrafo do Porto de Santos na época. Contudo, em outubro de 2016, a maré atingiu 2,37 m na Ponta da Praia e 2,45 m no interior do estuário, valor muito próximo ao primeiro cenário de elevação do nível médio do mar considerado pelos pesquisadores do NPH anteriormente, indicando que um dos níveis considerados como decorrente da crise climática já ocorre em eventos extremos na região.