Fotos: Luigi Bongiovanni

A juíza Fernanda Menna Pinto Peres, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Santos, deferiu ação popular, impedindo a demolição dos edifícios do Campus Boqueirão da Universidade Católica de Santos (UniSantos). O local abriga as tradicionais faculdades de Direito e de Arquitetura e Urbanismo (Faus), à Avenida Conselheiro Nébias.

O advogado Henrique Lesser Pabst ingressou com propositura contra a Sociedade Visconde de São Leopoldo, mantenedora da universidade.

Tudo começou quando a direção da UniSantos informou aos alunos das duas faculdades que o Campus não funcionaria mais a partir de 2022. A notícia causou grande repercussão, principalmente entre estudantes e ex-alunos. Houve intensa mobilização para tentar impedir o fechamento dos imóveis.

O objetivo da instituição é realocar estes cursos junto com todos os outros no Campus Dom Idílio José Soares, localizado também na Avenida Conselheiro Nébias, mas no bairro Encruzilhada.

Para tentar sensibilizar o reitor Marcos Medina Leite, os alunos criaram uma petição online, que conta com mais de 4 mil assinaturas. “Fechar o Campus Boqueirão é apagar a história de inúmeros alunos que já passaram por aqui, momentos importantes para a universidade e para a cidade, além das memórias de todas as resistências gravadas neste prédio. Encerrar uma tradição do modo que foi conduzido é expressar o desrespeito com todos seus estudantes e egressos que ainda hoje tem orgulho de chamar o Campus Boqueirão de casa”, diz um trecho do documento.

Henrique Pabst revela que ingressou com a ação popular para pedir a proteção do patrimônio público. “A gente precisava, em caráter de urgência, impedir que esse imóvel fosse demolido. Eu também dei entrada em um pedido de tombamento, que vai ser enviado ao CONDEPASA (Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos). A partir daí eles vão abrir o processo e notificar a Sociedade Visconde de São Leopoldo”, explica.

“Em consequência disso, nada impedia que alguma coisa fosse feita antes dessa notificação, porque a universidade só vai tomar conhecimento do processo de tombamento quando for notificada. Então, essa tutela de urgência vem nesse sentido”, destaca.

No entanto, segundo o advogado, essa medida isolada não é o ponto principal. “Acredito que o grande diferencial será a denúncia que foi protocolada no Ministério Público (MP). A Sociedade Visconde de São Leopoldo é uma entidade filantrópica e de utilidade pública. Quando eu vou criar um instituto, uma fundação, uma associação sem fins lucrativos, eu estabeleço as minhas finalidades. Essas entidades têm um patrimônio, que só poder ser utilizado para essas finalidades”.

Pabst explica que esse tipo de entidade recebe uma série de benefícios. Muitas vezes tem isenções fiscais, ajudas governamentais e subsídios. Isso acontece porque elas exercem uma função de interesse social e não têm fins lucrativos. Por todas essas características, essa instituição se submete a uma fiscalização estatal e quem faz isso é o Ministério Público.

“Uma dessas regras que essas entidades precisam seguir diz respeito à alienação de bens, porque existe um patrimônio que é gerido para uma finalidade. Não é tão simples se desfazer desse patrimônio. Com isso, a entidade precisa avisar com antecedência ao MP o desejo de vender esse patrimônio para fazer determinadas coisas com esse dinheiro. Aí o MP autoriza ou não”, ressalta o advogado.

Intimação

“O ponto é que eu tenho dúvidas se essa transação passou pelo MP. Ou seja, se a Sociedade Visconde de São Leopoldo quiser vender o Campus Boqueirão tem que passar para o MP. Por isso, entreguei essa denúncia, pedi para intimar a Sociedade Visconde de São Leopoldo para se manifestar a respeito disso. Caso não tenha sido respeitado esse trâmite, o MP pode desfazer o negócio, que é justamente o que estou pedindo” aponta Pabst.

Ele lembra que a Sociedade Visconde de São Leopoldo vem se desfazendo de seu patrimônio ao longo dos anos.

O advogado destaca que a UniSantos não tem fins lucrativos. “Exatamente por isso todo recurso que ela arrecada tem que ser destinado para sua estrutura, para sua finalidade que é a questão da educação. Diante do cenário, eu peço uma auditoria de tudo isso, todas as transações imobiliárias que foram feitas, para onde foram alocados esses recursos. Em caso de alguma divergência, eu pedirei o imediato afastamento de todo o corpo de dirigentes da Sociedade Visconde de São Leopoldo”, indica.

Portanto, conforme o advogado, existe uma ação bem mais complexa, que vai esbarrar, necessariamente, na venda do Campus Boqueirão. “A universidade está se desfazendo daquilo que ela é, da sua alma, da sua essência, porque esses prédios foram projetados e construídos para a educação”, completa.

Absurdo

A arquiteta e urbanista Jaqueline Fernández Alves também ingressou com um pedido de tombamento do imóvel.Na minha visão, isso é um absurdo, porque os dois edifícios são emblemáticos. Primeiro, pela memória urbana da cidade, são duas faculdades tradicionais. A faculdade de Direito tem 60 anos e a de Arquitetura tem 50”, avalia.

“A faculdade de Arquitetura, por exemplo, tem arte agregada em paredes, no ateliê. Então, não tem como tirar isso e colocar em outro lugar”, ressalta Jaqueline, especializada em restauração do patrimônio histórico e cultural, professora universitária e gestora do coletivo Jornada Santista do Patrimônio Histórico.

Ela revela que para tentar evitar o fechamento do Campus foi criado um grupo de arquitetos, ex-professores, alunos e ex-alunos da Faus. “Eu me adicionei como gestora do coletivo Jornada Santista do Patrimônio Histórico para fazer o elo político”.

“Objetivamente, o que a gente espera agora: o tombamento é uma das ações, que faz com que a gente consiga que os prédios não sejam demolidos, e as ações no MP, que têm a ver com a condição de que as faculdades possam continuar funcionando nos locais, que é isso que todos querem. É uma questão muito difícil, porque a UniSantos alega que eles estão em dívida e que os cursos não se pagam”, acrescenta Jaqueline.

Projeto institucional

O Folha Santista fez contato com a assessoria de imprensa da UniSantos e solicitou um posicionamento a respeito do caso. Em nota, a instituição declara o seguinte:

“A transferência dos cursos de Arquitetura e Urbanismo e Direito para o Campus Dom Idílio José Soares faz parte de um projeto institucional de reunir todos os cursos, iniciado em 1999, e que teve continuidade durante os anos seguintes com a reunião, na mesma área, das então faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, Engenharia, Farmácia, Enfermagem e Comunicação, entre outras.

Considerando um novo modelo educacional, que amplia os espaços de aprendizagem e exige novas habilidades e competências dos futuros profissionais, valorizando a interdisciplinariedade, a UniSantos investiu em uma nova e moderna infraestrutura, aliada aos novos projetos político-pedagógicos dos cursos.

Dessa forma, além da construção de novos laboratórios e espaços diferenciados de aprendizado, a universidade também investirá em uma moderna infraestrutura para abrigar os serviços nas áreas jurídicas e de saúde, ampliando o atendimento à comunidade e contemplando assim a curricularização da extensão nos cursos de graduação.     

No sentido de potencializar o ecossistema de inovação, o projeto prevê a construção do Católica Innovation Hub, espaço destinado à expansão do Ecossistema de Inovação da UniSantos, ampliando a integração de estudantes, docentes e pesquisadores de todas as áreas, com os núcleos de inovação de empresas de portes e segmentos diversificados.

Na área cultural e esportiva, o ‘novo’ Campus Dom Idílio José Soares contará com um teatro, visando fomentar atividades culturais na região, com capacidade para cerca de 500 pessoas, e uma quadra poliesportiva”.

A universidade informou, ainda, que os prédios do Campus Boqueirão serão entregues à mantenedora, a Sociedade Visconde de São Leopoldo.

Veja aqui a tutela de urgência:

Veja um dos pedidos de tombamento: