Muitas vezes inicio minhas palestras dizendo que não gosto de Psicologia. Claro que é pra chocar e, com isso, gerar uma expectativa. Mas é um pouco de verdade.
De fato, não gosto especialmente de Psicologia. Eu gosto de conversar com as pessoas, interessa-me saber os modos como conduziram e conduzem suas vidas, como cuidam de si. Se estão satisfeitas do jeito como vivem ou se estão presas a um jeito que as faz infelizes; se têm esperança de sair das armadilhas da existência. Sem dúvida, preciso de alguns conceitos da ciência psicológica para melhor entender o que me falam, ou para dar algum sentido a isso; que seja. Mas o solo onde vou me basear é a relação que estabeleço com a pessoa e sua história.
As teorias estão necessariamente presas a princípios ideológicos, a uma visão prévia da natureza humana. Em todos os tempos os homens pensaram e formularam mitos, lendas, hipóteses, teorias e mil histórias sobre quem são, sobre sua origem e destino. Fazendo aqui uma adaptação facilitada da escola que sigo, a Fenomenologia, prefiro dizer que a única natureza humana é… fazer conjecturas sobre a natureza humana. Até onde posso conceber, esta é a forma mais aberta e despojada de tratar do assunto.
O psicoterapeuta vai se defrontar, mais cedo ou mais tarde, com a concepção do outro sobre a vida e o homem, mesmo que não esteja colocada de maneira formal. A visão de mundo desta pessoa que está à nossa frente aparecerá na sua história. É com isto que o terapeuta tem de lidar, não com uma concepção prévia e engessada por um corpo teórico rígido.
Há quem diga: “Adoro Psicologia”. Ao escutar essas palavras fico prevenido. Temo que a afirmação signifique um fascínio por alguma coisa vagamente chamada de “mente”, uma entidade cheia de “mistério” que tais pessoas são ávidas para desvendar. É fácil ficar mais seduzido pela sua habilidade de descobrir do que pela pessoa que está à sua frente. Esta é uma tentação sempre à espreita.
Para que alguém me conte sua história, é preciso que se sinta acolhido. Eu diria que é a primeira habilidade do psicoterapeuta. Se o paciente não se sentir acolhido, nada acontece.
Inicialmente, assim que chega no consultório, o paciente sabe que eu sou psicólogo, que tenho um diploma universitário e uma chancela do Ministério do Trabalho para fazer o que estou fazendo. Há em mim, desde o começo, um suposto saber, para usar (fora de contexto) uma expressão de Lacan. O paciente supõe que eu saiba algumas coisas e que usarei esse saber para compreendê-lo. Mas o meu papel designado pela sociedade de nada adianta, se ele não se sentir acolhido.
Não estou ali para “ajudar” as pessoas, num sentido caritativo ou altruísta. Estou ali para acolher e cuidar, num sentido bem específico — proporcionar o ambiente onde alguém pode se expressar com uma liberdade e uma intimidade ímpares. Esse é o início, a condição sine qua non do processo terapêutico.
Preciso estar atento a essa história. Deixo que as palavras entrem, como algo que eu nunca tivesse ouvido, mesmo que se pareça com outras histórias. Algumas passagens vão se destacar, pois o paciente me conta certas coisas com mais ênfase, com certa hesitação, com os olhos brilhantes ou perdidos, enfim, com esses sinais que todos notamos nas narrativas faladas. Compomos ali uma narrativa que é a nossa, que podemos partilhar. É por aí que andaremos.
Eu não sou o amigo, embora, às vezes, pareça uma conversa de amigos; ali só o paciente é escutado. E espera que, se eu pedir que elucide alguma coisa, ou diga algo inusitado, é para que ele melhore.
“Melhorar”, “viver de maneira melhor” podem significar muitas coisas. Em princípio, ainda de maneira bem básica, eu diria que é sentir que a vida vale à pena, apesar dos percalços. Que há algo encantador na nossa trajetória no mundo. Que a vida tem graça.
Gosto de perguntar às pessoas: “O que te encanta?” Muita gente — a maioria, talvez — não responde de pronto. Depois de pensar um pouco, algumas coisas são citadas, mas de modo pouco convincente.
Quando pergunto o que querem da vida, em geral as respostas vão em direção a bens materiais, carreira e uma aposentadoria tranquila. Ouvi poucos objetivos transcendentais, quase sempre de pessoas religiosas. A pergunta: “Como você quer viver?” não é de fácil resposta.
Proponho que o horizonte da tarefa psicoterapêutica seja renovar o encantamento do mundo.