Ativistas protestam durante audiência pública na CCJ do Senado - Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), teria sinalizado nesta terça-feira (28) que não deve colocar na pauta a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2022, que transfere a propriedade dos terrenos do litoral brasileiro da União para estados, municípios e proprietários privados.

O gesto de Pacheco foi feito após a polêmica nas redes da PEC, relatada por Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que foi alvo de uma série de críticas de especialistas durante audiência pública promovida pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na tarde desta segunda-feira (27).

A transferência das áreas, que estão sob proteção da Marinha, traria riscos ambientais, sociais e patrimoniais, segundo os estudiosos.

“A PEC favorece a ocupação desordenada, ameaçando os ecossistemas, tornando esses terrenos mais vulneráveis a eventos climáticos extremos. A proposta ainda permite a privatização e cercamento das praias, trazendo impacto no turismo e na indústria de pesca”, afirmou a secretária-adjunta da Secretaria de Gestão do Patrimônio da União no Ministério da Gestão e da Inovação dos Serviços Públicos, Carolina Gabas Stuchi.

A questão dos eventos climáticos e a comoção em meio à tragédia no Rio Grande do Sul teria sido uma das justificativas apresentadas por Pacheco para colocar um freio na proposta.

A coordenadora-geral do Departamento de Oceano e Gestão Costeira do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marinez Eymael Garcia Scherer, informou que a área de segurança nos terrenos de marinha em outros países costuma ser maior que a adotada no Brasil (33 metros). Ela citou o exemplo de Portugal (50 metros), Suécia (100 a 300 metros), Uruguai (150 a 250 metros) e Argentina (150 metros). A PEC pode significar, na visão de Marinez, um risco de ônus para toda a sociedade e de perdas na qualidade de vida.

Relator da PEC no Senado, o filho “01” de Jair Bolsonaro (PL) defendeu a proposta dizendo que ela “não privatiza praias”.

“Os prefeitos conhecem mais a situação dos municípios do que nós aqui do Senado. É um fato: a PEC não privatiza praias”, afirmou, ressaltando que a proposta é parte de um “sentimento municipalista”.

A diretora do Departamento de Oceano e Gestão Costeira do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Ana Paula Prates, explicou em entrevista à Rádio Nacional que os terrenos funcionam como uma proteção contra as mudanças climáticas.

“Acabar com essa figura é um retrocesso enorme. A PEC termina com essa figura dos terrenos de Marinha, que são terrenos da União, e passa gratuitamente para estados e municípios, para poder, inclusive, privatizar essas áreas”, disse.

Ana Paula também acrescentou que a PEC, em si, não privatiza as praias, mas dificulta o acesso a elas e pode levar à uma privatização futura. “Na hora em que esses terrenos todos que ficam após as praias forem privatizados, você começa a ter uma privatização do acesso a elas, que são bens comuns da sociedade brasileira”.

Entenda

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2022 transfere a propriedade dos terrenos do litoral brasileiro da União para estados, municípios e proprietários privados.

De acordo com a Constituição, o litoral brasileiro pertence à Marinha, ou seja, à União. A PEC propõe, justamente, a transferência, mediante pagamento, das praias aos seus ocupantes particulares e, gratuitamente, quando ocupados por estados ou municípios.

Com origem na Câmara dos Deputados, a proposta  revoga o inciso VII do caput do artigo 20 da Constituição Federal e o parágrafo 3º do artigo 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).

O Observatório do Clima ressaltou que a PEC é mais um projeto do Pacote de Destruição que avança no Congresso Nacional. “Isso põe em risco todo o nosso litoral, a segurança nacional, a economia das comunidades costeiras e nossa adaptação às mudanças climáticas. Pressione os senadores a votarem contra”, pontuou a organização.

Já o Grupo de Trabalho para Uso e Conservação Marinha, da Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso Nacional emitiu uma nota em que afirma que a proposta representa uma “grave ameaça ambiental às praias, ilhas, margens de rios, lagoas e mangues brasileiros e um aval para a indústria imobiliária degradar, além de expulsar comunidades tradicionais de seus territórios”.

A audiência pública desta segunda-feira foi proposta pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE), que afirmou que a extinção dos “terrenos de Marinha” pode impactar o Balanço Geral da União (BGU) e as receitas correntes da União. Assim, “torna-se fundamental que a matéria seja debatida e aprimorada em audiência pública”, defendeu o senador.

Em postagem no X (antigo Twitter), o senador se posicionou contra a PEC, que afirmou ser mais “um absurdo”.