Por Jaqueline Fernández Alves*
Recentemente, mais um texto sobre o centro histórico de Santos foi veiculado com a afirmação de que a solução inovadora e ousada para o seu estado atual seria a demolição de muitos quarteirões. Tratava-se de mais uma análise sobre o centro histórico santista e seu conhecido estado de conservação, mais uma triste descrição do sentimento que o cidadão tem quando vê o núcleo inicial da cidade perecer. É como se não houvesse mais solução, como se fosse possível destruir quarteirões inteiros para a construção de novos e verticais edifícios.
Não é! Já nos anos 1950, o famoso Plano Regulador de Prestes Maia, que visava a ampliação da área portuária no centro histórico, desenhou o alargamento de muitas vias para que o fluxo de veículos fosse privilegiado, preservando apenas os edifícios históricos. Essa visão equivocada do patrimônio, como se a história representasse apenas os imóveis já tombados pelo IPHAN, é recorrente, ainda hoje se considera histórico e antigo como se fossem antônimos e, na verdade, são sinônimos.
O Festival Santos Café, realizado na primeira quinzena de julho, atraiu muitas pessoas ao centro. Os imóveis públicos mais famosos estavam abertos, o bonde lotado e a Bolsa do Café exuberante. O inacreditável é tentar entender o sucesso de um festival tão importante ter como cenário fachadas fantasmas, semidestruídas e imóveis vazios e sem uso. Essa imagem é a que fica e o patrimônio histórico acaba sendo o lugar daquela coisa antiga, malconservada e que a gente vai ver de vez em quando.
Infelizmente, o cidadão parece já não acreditar mais que seja possível uma revitalização de um dos centros históricos mais importantes do país. A contar do início da aplicação das políticas públicas municipais a partir dos anos 1980, que contou com a feitura de várias cartilhas informativas sobre conservação e preservação, isenções de IPTU para imóveis restaurados, a constituição do Condepasa e culminando com a criação do programa de revitalização urbana Alegra Centro, nota-se que alguma coisa deu errado. Se fossem chamados todos os gestores públicos responsáveis por essas iniciativas, todos seriam unânimes em afirmar o seu sucesso no momento de sua aplicação. Ocorre que embora possa parecer uma dicotomia, não se vive do passado quando se trata de preservação do patrimônio histórico e cultural. Se as ações não são continuadas, o patrimônio histórico será prejudicado.
Mas por que há tanta coisa destruída? A resposta é simples: não há planejamento a médio prazo na aplicação da coisa pública da memória coletiva. Não existe organização horizontal na estrutura da gestão pública, uma das razões das iniciativas citadas não serem efetivas. A legislação existe, mas o cidadão fica entre as obrigações de sua aplicação e a impossibilidade de fazê-lo. Política pública de patrimônio histórico abrange múltiplas ações que precisam estar concentradas em um objetivo comum. A população precisa de ajuda para entender o que precisa ser feito. Imóveis gravados com níveis de preservação precisam constantemente de atenção por parte de técnicos, sejam servidores ou profissionais do mercado, ambos preparados tecnicamente. Além das ações do organismo responsável pela definição e posta em pratica a política municipal de preservação o Condepasa, que tem poder de tombar, mas que tem o dever principalmente de informar, já que não é apenas um departamento burocrático de aprovação de projetos.
Atualmente, estamos vendo a aplicação de sanções em vários imóveis acautelados: Instituto Escolástica Rosa e Avenida Palace, autuados pelo Ministério Público para que procedam a restauração dos imóveis, devido ao estado de conservação deplorável e, recentemente, a denúncia de que determinadas esquadrias de um famoso casarão estavam sendo ofertadas em um site de vendas online.
A preservação e conservação do patrimônio histórico devem ser considerados fatores ambientais e urbanos e têm, como premissa, a qualidade de vida da população nesse contexto e não um dos itens da viabilidade econômica de gestões municipais, quando se loteia o território urbano em prol de quatro ou mais anos de poder.
IV Jornada Santista do Patrimôio Histórico
A Jornada Santista do Patrimônio Histórico é um evento promovido pela sociedade civil organizada, com o objetivo de ampliar e qualificar a discussão sobre a preservação do Patrimônio Histórico. Foi criada em 2018, justamente com o intuito de discutir as questões levantadas aqui e de ser uma via de escuta e fala dos diversos atores desse cenário, seja o poder público, as instituições e o cidadão santista.
A Jornada faz parte, atualmente, da Rede Patrimônio Cultural Paulista e foi reconhecida pela Secretaria Municipal de Cultura como presente no calendário de eventos culturais da cidade.
Este ano, a Jornada será mais uma vez no formato remoto, no mês de agosto, e a intenção é direcionar a discussão para práticas e ações efetivas.
Estarão nos encontros os arquitetos e urbanistas Jorge Luís Stocker Jr., Vanessa Bello e o jornalista Sergio Willians. Além disso, vamos conhecer e discutir a atuação do grupo da Athis Baixada Santista, que trata da assistência técnica nos cortiços do centro histórico.
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Assista as Jornadas anteriores pelo Youtube.
*Jaqueline Fernández Alves é arquiteta e urbanista especializada em restauração do patrimônio histórico e cultural; doutoranda pelo programa de pós-graduação da Universidade São Judas Tadeu; professora universitária; conselheira do CAU/SP; conselheira Suplente do Condepasa; gestora do coletivo Jornada Santista do Patrimônio Histórico; criadora do blog Santos Antiga @blog_santos_antiga.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista.