Foto: João Luiz/Governo de SP

O Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista (FESBS) encaminhou a todos os deputados estaduais por São Paulo, vice-governador e governador uma moção de repúdio contra iniciativa da administração de João Doria (PSDB). A ideia do governo é fechar as Casas da Agricultura, que prestam importante serviços a agricultores familiares, indígenas, pescadores artesanais e quilombolas.

Veja a íntegra da carta, assinada por Márcia Farah Reis e Alcielle dos Santos, integrantes da Secretaria Executiva do FESBS:

Contra o fechamento das Casas da Agricultura da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento

O Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista (FESBS) é uma organização fundada em 2014, que agrega entidades e organizações comunitárias, órgãos e gestores públicos, universidades e empreendimentos econômicos solidários pertencentes aos nove municípios da Baixada Santista, em torno da proposta de desenvolvimento da Economia Solidária (EcoSol), baseada em autogestão democrática, autonomia e reciprocidade.

A importância socioeconômica deste movimento é reconhecida tanto nos órgãos oficiais quanto na sociedade, devido ao apoio às populações vulneráveis, agricultores familiares, indígenas, grupos periféricos urbanos e pescadores artesanais. Em razão destes públicos, o FESBS reconhece nas Casas da Agricultura importantes unidades parceiras.

O FESBS vem manifestar seu repúdio e discordância ao andamento de uma ação da Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA), que objetiva fechar as Casas da Agricultura.

Essa decisão é unilateral, pois partiu da direção da SAA sem que ninguém fosse ouvido, notadamente os usuários dos serviços prestados pelos extensionistas.

É inadmissível que em pleno século XXI alguém imponha a sua visão de mundo de forma vertical descendente, sem qualquer debate ou compreensão da realidade de públicos diferentes daquele que está habituado a conviver.

O fechamento das Casas da Agricultura é um desejo típico do comportamento do Homo economicus, ou seja, do indivíduo calculista, que fundamenta suas análises na competição e não na cooperação e, por isso, desconsidera os efeitos que a intenção desejada provocará nas vidas de milhares de famílias que vivem da produção de alimentos saudáveis e não têm condições de pagar por assistência técnica. A tendência é que sejam jogadas ao abandono pelo governo estadual.

É importante ressaltar que as Casas da Agricultura não pertencem a uma pessoa que integra um governo, que permanecerá por quatro anos, e entende que deve agir de acordo com a sua própria lógica de vida. Essas unidades são um patrimônio dos paulistas, sobretudo daqueles que cotidianamente recorrem aos serviços técnicos e organizacionais prestados pelos profissionais lotados nessas unidades, os extensionistas. Assim, há necessidade de fortalecer o atendimento prestado atualmente, mas jamais extingui-lo.

Dessa forma, o FESBS torna-se signatário do documento que segue anexado elaborado pela Associação Paulista de Extensão Rural (Apaer) intitulado “Principais serviços públicos realizados pelas 574 Casas da Agricultura da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo e prejuízos causados caso sejam fechadas” e solicita à V. Sa. que se posicione contra esta tentativa arbitrária de fechar as Casas da Agricultura, impedindo que agricultores familiares, indígenas, pescadores artesanais e quilombolas sejam jogados ao abandono pelo governo estadual.

Veja o documento da Apaer:

Principais serviços públicos realizados pelas 574 Casas da Agricultura da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo e prejuízos causados com o fechamento:

1)Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) para cerca de 300 mil agricultores (as) familiares em todo o Estado de São Paulo, responsáveis por cerca de 70% de toda a oferta de alimentos básicos para a população em geral. A Ater é um serviço de educação não formal, de caráter continuado, no meio rural, que atua nos processos de produção, gestão, beneficiamento e comercialização das riquezas agropecuárias e não agropecuárias, inclusive nas atividades de turismo, artesania e cultura. É um instrumento de fortalecimento da capacidade de autogestão e de inovação permanente das comunidades rurais. Manter os serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural é dever do Estado, previsto na Constituição Federal de 1988 e no Art.184 da Constituição Estadual.

a)Prejuízos na produção: os agricultores (as) perderão importante serviço de assessoria nos processos produtivos de alimentos básicos (fruticultura, hortaliças, leite etc), desde o plantio até a comercialização. A possível extinção dos serviços de Ater representa risco para a própria existência da agricultura familiar, dado que afetará sua renda e trabalho. Sem renda a tendência será a venda de suas terras para o agronegócio exportador de larga escala, num processo de esvaziamento da vida social no campo, concentração fundiária e aumento das desigualdades sociais.

b)Inovações tecnológicas serão afetadas com a ausência dos serviços de ATER. Não há equivalente desta abrangente prestação de serviços no setor privado. Os agricultores familiares ficarão desamparados, dado que apenas o agronegócio de larga escala possui capital para contratar serviços privados de assistência técnica. A agricultura familiar ficará à mercê de vendedores de agrotóxicos, de sementes transgênicas e de outros insumos agrícolas das grandes empresas multinacionais.

c)Prejuízos ao meio ambiente: os agricultores (as) perderão importantes orientações sobre técnicas de conservação dos bens naturais (combate à erosão dos solos, proteção de nascentes, recuperação de áreas de preservação permanente e reservas legais das propriedades). Perderão também os serviços de análise do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e do Programa de Recuperação Ambiental (PRA) previstos no Código Florestal. O passivo ambiental das propriedades rurais em todo o Estado alcança a marca de 550 mil hectares e os serviços das Casas da Agricultura são fundamentais para assessorar os agricultores neste enorme desafio de restauração florestal.

d)Prejuízos para as comunidades indígenas e quilombolas: nos últimos dez anos os extensionistas das Casas da Agricultura, em conjunto com indigenistas da FUNAI e extensionistas da Fundação ITESP, desenvolveram com sucesso uma metodologia de extensão rural para povos tradicionais baseada na construção de redes sociotécnicas de cooperação, envolvendo órgãos federais, estaduais e municipais, de pesquisa e extensão rural, além de universidades e organizações da sociedade civil. Nesse período tais redes contribuíram para que 37 comunidades indígenas e quilombolas acessassem R$14 milhões do Projeto Microbacias II para desenvolver a agricultura, o turismo de base comunitária e atividades culturais, tendo por base os princípios da economia solidária. Toda essa experiência e conhecimento, que estão hoje a serviço dessas populações, poderão ser interrompidos abruptamente, levando ao abandono dessas comunidades por parte da Secretaria da Agricultura.

e)A Segurança alimentar de toda a sociedade será afetada pela junção dos aspectos anteriores, que são fundamentais para a garantia da produção e oferta de alimentos saudáveis de maneira sustentável.

2)Viabilizar o acesso dos agricultores familiares às políticas públicas, especialmente ao crédito do PRONAF e aos programas de compras governamentais como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Neste último está em jogo a oferta de alimentos saudáveis para milhões de alunos das redes estadual e municipal de ensino. No recente programa denominado Microbacias II, com recursos do Banco Mundial, as Casas da Agricultura viabilizaram a aplicação de cerca de R$200 milhões na agricultura familiar paulista, assessorando os agricultores familiares em mais de 300 empreendimentos apoiados pelo projeto.

a)Prejuízo aos agricultores: dificuldades de acesso ao crédito do Pronaf e de acesso aos programas de compras governamentais, afetando diretamente sua capacidade produtiva e de comercialização.

3)Transição agroecológica. A Política Nacional de ATER (PNATER) tem como um de seus pilares o processo de transição agroecológica, que busca introduzir inovações tecnológicas nos sistemas de produção agropecuária, de modo a reduzir paulatinamente o uso de agrotóxicos e fertilizantes industriais, tornando mais saudáveis os alimentos produzidos. Os extensionistas das Casas da Agricultura receberam treinamento específico para esta missão, dentro do programa São Paulo Orgânico e agora esta importante estratégia da extensão rural está ameaçada.

a)Prejuízo aos agricultores: Perda de oportunidades de inovação tecnológica para a produção agroecológica e dos mercados em expansão para produtos orgânicos e agroecológicos.

4)Associativismo e cooperativismo. As Casas da Agricultura atuam tanto na assessoria à formação de associações como na orientação para implantação de modelos de gestão, contribuindo para fortalecer a organização dos agricultores, instrumento fundamental para a luta por políticas públicas e para a inclusão das pautas da agricultura familiar nas agendas governamentais em todos os níveis.

a)Prejuízo aos agricultores: perda de poder político; de importância nas políticas públicas e invisibilidade nos orçamentos públicos. Menor capacidade de captação de recursos em projetos como o Microbacias II acima citado.

5)Venda de sementes de ótima qualidade e baixo custo para a produção de alimentos básicos. As Casas da Agricultura fornecem aos agricultores um importante produto que são as sementes de milho, feijão, aveia e sorgo. São seis variedades de milho, com cultivares para grão, silagem e milho verde. As sementes de milho transgênico das multinacionais custam cinco vezes mais, tornando as sementes da Casa da Agricultura um importante fator para a redução dos custos de produção para a agricultura familiar e para que a população possa consumir alimento livre de transgênicos. As sementes de feijão são também estratégicas para a segurança alimentar e para a geração de trabalho e renda na agricultura familiar.

Finalmente, o alegado atendimento virtual que foi proposto pelo governo estadual em substituição às Casas da Agricultura é inviável, tanto pela precariedade dos serviços de internet no meio rural como pela natureza do trabalho realizado pelos extensionistas, que é fortemente baseado em relações de convivência e confiança, como é próprio dos processos educativos. O incremento de tecnologias digitais aos serviços de Ater é necessário e trará benefícios, mas apenas como apoio e não como substituto. Extinguir as Casas da Agricultura é condenar os agricultores familiares a um distanciamento profissional permanente em relação aos extensionistas, como numa espécie de pandemia eterna.

Associação Paulista de Extensão Rural – APAER