A brutal execução do esloveno Darko Malic, de 43 anos, em frente da mulher e do próprio filho, no bairro do Embaré, em Santos, na última sexta-feira (5), pode ter ligação com a prisão de Fabiano Costa Neri, que foi efetuada no mesmo dia, mas pela manhã, e em outro bairro da cidade.
Isso porque, Darko Malic usava um passaporte falso esloveno, sendo que, na verdade, ele era sérvio e procurado pela Interpol por um crime no seu país de origem. Já Fabiano, preso pela Polícia no município acusado de tráfico de drogas, se passava por croata. A autoria do homicídio continua ignorada, mas agora se sabe que a sua vítima usava nome falso e era procurada por assassinato.
O acusado de tráfico é brasileiro, embora portasse Cédula de Identidade de Estrangeiro com a sua foto, mas em nome de Darko Malic, de “nacionalidade croata”. No documento falso consta como órgão emissor a Coordenação-Geral de Polícia de Imigração, da Diretoria Executiva da Polícia Federal. A documentação falsa também informa que ela foi expedida em 6 de fevereiro de 2019, sendo 19 de junho de 2017 a data de entrada no País do suposto estrangeiro.
Uma óbiva e simples alegação para Fabiano utilizar um documento de identidade falso está no fato de ele ser procurado da Justiça e precisar ocultar essa condição. Condenado a dois anos, sete meses e cinco dias de reclusão por porte de entorpecente (para consumo próprio) e uso de documento falso (CNH), em processo que tramitou pela 2ª Vara Criminal de Cubatão, ele teve a ordem de captura expedida por fugir do estabelecimento onde cumpria a pena em regime semiaberto, conforme consta do seu mandado de prisão.
Em razão da captura de Fabiano, policiais civis do 5º DP de Santos, com o apoio de equipes de outras unidades, foram até uma casa do Caminho da Capela, no Castelo (Zona Noroeste), para cumprir mandado de busca e apreensão. A ordem judicial foi solicitada devido a levantamentos de que haveria drogas no endereço. Os agentes não foram atendidos e precisaram arrombar a porta para entrar. O falso croata dormia e optou pelo direito constitucional de se manter em silêncio.
Além da identidade falsa, foram apreendidos 71 “cartões de visita” em nome de Darko Malic, a quantia de R$ 194,00, tablet, celular, balança de precisão, celular e dois tabletes de haxixe com peso total de 190 gramas. Em razão do entorpecente, Fabiano foi autuado em flagrante por tráfico. Ele se recusou a informar a senha de desbloqueio do smartphone, mas a Justiça autorizou a quebra do sigilo dos equipamentos eletrônicos, que passam por perícia. A depender dos dados descobertos, a investigação poderá ganhar novos rumos.
Quem matou, porque e quais as razões?
O assassinato do Embaré ocorreu em frente ao prédio onde a vítima residia, na Rua São José. Identificado como de nacionalidade eslovena, Dejan Kovak, de 43 anos, chegava com a mulher, de 34, e o filho do casal. A criança estava na cadeirinha da bicicleta que o pai empurrava e a mãe ocupava outra bicicleta. No momento em que o estrangeiro abria o portão do edifício, um homem surgiu correndo pelas suas costas e disparou seis vezes. Não há dúvidas de que foi uma execução, mas resta saber quem matou, a mando de quem e por qual razão.
Os tiros foram certeiros, pois apenas atingiram o alvo, sem ferir a criança, a mãe ou outra pessoa que eventualmente passasse pelo local. O autor dos disparos, que usava máscara e luvas, fugiu correndo. Segundo comentários que ainda não foram confirmados, ele teria entrado em um carro preto. A Polícia Civil realiza busca por imagens de câmeras de segurança que possam identificar esse veículo. O assassinato é investigado pelas equipes do 3º DP de Santos e da 3ª Delegacia de Homicídios, da Divisão Especializada de Investigações Criminais (Deic).
Em estado de choque, a mulher de Kovac não pôde ser ouvida para o devido registro da ocorrência. Na sequência, ela prestou depoimento ao delegado Luiz Ricardo de Lara Dias Júnior, titular do 3º DP, mas o seu relato em nada contribuiu para as investigações. “Ela disse que o companheiro não tinha inimigos e não soube informar o que pôde ter motivado o crime”, contou a autoridade policial. De acordo com Lara, o suposto esloveno levava uma “vida modesta”, sem possuir carro e morando em um condomínio simples.
O delegado apurou que o estrangeiro não trabalhava no Brasil, mas receberia auxílio financeiro oriundo de uma marcenaria que a família possui na Eslovênia, conforme disse a sua mulher, que é brasileira. Em relação às investigações do caso, Lara explicou na terça-feira (9) que, por enquanto, existem apenas “imagens esparsas”, sendo realizados levantamentos na região do homicídio de outras eventuais filmagens.
Nesta quarta-feira (10), chegou ao titular do 3º DP a informação do consulado da Eslovênia em São Paulo de que o verdadeiro dono do passaporte usado pela vítima comunicou o seu extravio em 2017, razão pela qual o documento está cancelado. Perícia na documentação ainda deve ser feita para comprovar a materialidade da falsificação, porque ela teria sido adulterada com a fotografia de homem morto em Santos.
Procurado na Sérvia
A vítima, na realidade, seria o sérvio Darko Geiser Nedeljkovic, de 43 anos, com mandado de prisão em aberto na Sérvia pelo assassinato de Baranin Andrija Mrdak. Esse crime ocorreu no dia 25 de dezembro de 2014, em frente à porta do presídio de Spuz. Ele foi cometido a tiros diante de várias pessoas e, desde então, Darko é considerado foragido.
A foto de Darko publicada em um dos mais renomados portais jornalísticos da Sérvia é bastante parecida com a que o suposto esloveno Dejan Kovac aparece com a mulher brasileira na rede social dela. As fotografias sugerem que sejam do mesmo homem, obviamente tiradas em épocas diferentes com intervalo de pelo menos uma década. A mais antiga ilustra a reportagem daquele país. Na mais recente, a vítima da execução no Brasil está de barba.
Sérvia e Eslovênia, junto com Croácia, Bósnia e Herzegovina, Macedônia, Kosovo e Montenegro, são países independentes que surgiram na década de 1990, após a dissolução da República Socialista Federativa da Iugoslávia. Como o falso croata preso na Zona Noroeste horas antes da execução no Embaré portava documento de estrangeiro com prenome Darko, o mesmo do sérvio procurado, a Polícia Civil investiga eventual vínculo entre os crimes. Segundo as autoridades sérvias, Darko Geiser Nedeljkovic seria ligado ao clã Škaljari, uma das máfias locais.
Autoridades policiais brasileiras e de outros países já identificaram a conexão da máfia dos Bálcãs, que atua naquela região da extinta Iugoslávia, com o Primeiro Comando da Capital (PCC). O vínculo é comercial e se destina ao envio de drogas à Europa, sendo o Porto de Santos o principal canal de exportação.
Em 2021, o IrpiMedia (Projeto de Jornalismo Investigativo da Itália, na sigla em inglês) revelou um esquema do Ministério do Interior da Macedônia para a emissão de passaportes falsos para narcotraficantes e outros mafiosos procurados internacionalmente.
Com informações do Santa Portal