Um vídeo mostra policiais militares em um cemitério de Santos, durante enterro de uma das vítimas dos agentes da Operação Verão. As imagens são do dia 15 de fevereiro. É possível observar dois PMs andando próximos ao local do sepultamento e, um pouco mais distante, um terceiro e uma viatura. Ele fica parado, olhando em direção aos familiares e amigos da vítima. Veja o vídeo:
“É preciso respeitar o sentimento das famílias. É um ente querido que se foi”, grita uma das pessoas que está no enterro. Parentes do homem morto na ação policial contam, sem se identificar, que ele estava na frente de casa, com um copo de café nas mãos, quando os policiais deram um primeiro tiro, de fuzil, no braço dele.
Em seguida, ainda de acordo com a família, ele caiu no chão e os agentes deram mais quatro tiros, à queima-roupa. Segundo familiares, ele chegou a implorar para não ser morto, antes dos últimos disparos dos agentes. Depois, segundo o relato, o homem teria sido levado para o hospital já sem vida.
Ouvidor das polícias diz que boletins de ocorrência das 39 mortes são “copia e cola”
O caso foi um dos que a ouvidoria das polícias de São Paulo, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos e outras entidades apuraram neste domingo (3), na segunda vistoria do grupo no litoral paulista para colher denúncias de abusos, irregularidades e execuções.
O ouvidor das polícias, Cláudio Aparecido da Silva, afirma que o clima na região está mais hostil do que durante a Operação Escudo, em agosto do ano passado, e as famílias estão se sentindo mais ameaçadas.
“A gente conseguiu perceber que tem um movimento de intimidação nas pessoas, uma vez que, numa cerimônia fúnebre, num sepultamento, houve a invasão dessa cerimônia por parte da polícia. A gente acredita que, quando a polícia invade um momento em que as pessoas estão se despedindo de uma pessoa querida é no intuito de dar um recado”, disse o ouvidor.
Operação Verão
As mortes de suspeitos na Operação Verão começaram há um mês, em 3 de fevereiro, depois do assassinato do PM da Rota, Samuel Wesley Cosmo, no dia anterior, durante um patrulhamento na cidade de Santos. Desde então, foram 39 mortos e, segundo um levantamento feito pelo G1, em seis desses casos, não houve troca de tiros com a polícia.
No total, a comitiva de entidades de direitos humanos e segurança pública ouviu oito famílias de vítimas da polícia no litoral, em São Vicente e em Cubatão, neste domingo (3). Outras três não foram ao local por medo de represálias, de acordo com a Ouvidoria.
“A versão de que a polícia reagiu a uma injusta agressão, ela não procede. Os relatos são muito fortes na direção de demonstrar que, de fato, essas pessoas foram alvos de execução sumária. Há um relato de uma das vítimas que o primeiro tiro que alvejou foi à distância e os outros 4 tiros foram à queima-roupa. A polícia atira e se aproxima para sacramentar a execução”, disse Dimitri Salles, presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe).
Nem o Condepe nem a Ouvidoria conseguiram acesso aos boletins de ocorrência (BO) sobre os casos, pedidos por ofício.
O ouvidor afirma que em nenhum momento teve diálogo com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Já com o secretário da segurança pública, Guilherme Derrite, ele revela não ter interlocução desde o início da Operação Escudo, em agosto do ano passado.
Nos próximos dias, a ouvidoria pretende preparar um novo relatório com as informações das oitivas deste domingo, pedindo que a “operação seja suspensa imediatamente”.
Eles também vão convocar uma audiência pública na Baixada Santista, em meados de março, e não descartam a possibilidade de abrir um escritório provisório da ouvidoria no litoral.
Outro lado
Procurada, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) não respondeu sobre a presença dos policiais durante o enterro de uma das vítimas.
Apenas informou que as corregedorias “estão à disposição para formalizar e apurar toda e qualquer denúncia contra os agentes públicos, incluindo as citadas pela reportagem”. Ainda de acordo com a SSP, três policiais militares foram mortos desde 26 de janeiro.
A pasta também afirmou “os casos de MDIP [morte em decorrência de intervenção policial] são consequência da ação violenta dos criminosos ao trabalho da polícia no enfrentamento ao crime organizado” e que, “em todos os casos citados, foram apreendidas armas e drogas com os suspeitos”.
Leia, abaixo, a íntegra da nota:
“As forças de segurança do Estado são instituições legalistas que atuam no estrito cumprimento do seu dever constitucional. Todos os casos de morte em confronto são rigorosamente investigados pelas polícias, com acompanhamento do Ministério Público e do Poder Judiciário. As Corregedorias das instituições estão à disposição para formalizar e apurar toda e qualquer denúncia contra os agentes públicos, incluindo as citadas pela reportagem. Os casos de MDIP são consequência da ação reação violenta dos criminosos ao trabalho da polícia no enfrentamento ao crime organizado. Em todos os casos citados, foram apreendidas armas e drogas com os suspeitos.
Após a morte do soldado Wesley Cosmo foi deflagrada, no dia 7 de fevereiro, a terceira fase da Operação Verão, que permanece em andamento com o objetivo de asfixiar o crime organizado na Baixada Santista. Desde o início da operação, em 18 de dezembro, 825 criminosos foram presos, incluindo 312 procurados pela Justiça, e 580 quilos de drogas retiradas das ruas. Além disso, 89 armas ilegais, incluindo fuzis de uso restrito, foram recolhidos. Trinta e nove pessoas morreram em confronto com a polícia, entre elas o líder de uma facção criminosa envolvida com o tráfico internacional de drogas, lavagem de dinheiro, tribunal do crime e atentado contra agentes públicos”.
Com informações do G1