O ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, Cláudio Aparecido da Silva, afirmou em visita à Baixada Santista que os boletins de ocorrência registrados nas ações que resultaram 39 mortes de suspeitos na Operação Verão são um “copia e cola”. Ele citou, ainda, que os moradores das comunidades onde a ação é realizada têm sofrido com intimidação e, por isso, não tem recebido denúncias.
As mortes de suspeitos na Operação Verão começaram em 3 de fevereiro, após o assassinato do PM da Rota Samule Wesley Cosmo, no dia 2. Na visita à região, o ouvidor das policias de SP junto com representantes de entidades dos Direitos Humanos estiveram em São Vicente, onde ouviram duas testemunhas, de cinco que iriam falar.
Segundo Cláudio, três desistiram por medo. Ele inclusive citou ter obtido provas de uma coação. “Nós temos prova da intimidação. A prova da intimidação que a gente colheu aqui hoje é um vídeo em que os policiais invadem uma cerimônia de sepultamento de uma vítima. Isso é uma prova de intimidação concreta e contundente”, reforçou
O ouvidor sentiu durante a passagem pelo Dique dos Caixetas, em São Vicente, um clima é de tensão nas comunidades. As duas testemunhas que aceitaram falar, neste domingo (3), contaram estar “amedrontadas”.
BOs seguem o mesmo roteiro
Segundo o ouvidor, o Ministério Público de São Paulo se comprometeu a realizar uma força tarefa para acompanhar e investigar dos casos. Outro fator considerado por ele problemático, os registros das ações com mortes: O boletim de ocorrência é um copia e cola”.
“É igualzinho [os boletins de ocorrência], não muda nada. E uma questão que é muito relevante dizer é que essas pessoas têm apresentado para nós uma série de elementos que nos levam a crer que não têm tido confrontos”, disse.
Segundo o ouvidor, os boletins de ocorrência aos quais ele teve acesso apenas apresentam o lado dos policiais. Em nenhum deles, o suspeito baleado e que sobreviveu foi ouvido, disse Cláudio, que afirmou ter solicitado todos os BOs à Polícia Civil, mas, até o momento, sem sucesso.
“É importante dizer que, desde a Operação Escudo, em que a Ouvidoria [das Polícias de SP] teve um posicionamento duro e crítico, não há qualquer contato [do órgão] com a Secretaria de Segurança Pública em relação às operações. O próprio secretário mudou de telefone e o ouvidor não tem o telefone do secretário, para você ter um exemplo”, completou Cláudio.
Resposta da SSP-SP
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) informou que as forças de segurança do estado “são instituições legalistas que atuam no estrito cumprimento do seu dever constitucional”.
A pasta disse, ainda, que as corregedorias estão à disposição para formalizar e apurar toda e qualquer denúncia contra agentes públicos, reafirmando o compromisso com a legalidade, os direitos humanos e a transparência.
“Os casos de Morte Decorrente de Intervenção Policial (MDIP) são consequência direta da reação violenta de criminosos à ação da polícia no combate ao crime organizado, que tem presença na Baixada Santista e já vitimou três policiais militares desde 26 de janeiro. A opção pelo confronto é sempre do suspeito, colocando em risco a vida do policial e da população”, disse a SSP-SP, em nota.
A secretaria também ressaltou que as ocorrências de mortes em confronto tiveram apreensão de armas usadas pelos criminosos para atacar os agentes de segurança. “Os casos são rigorosamente investigados pela Polícia Civil e Militar, com acompanhamento do Ministério Público e Poder Judiciário”.
Mortos por suspostas trocas de tiros
Seis das 39 mortes de suspeitos na Operação Verão, na Baixada Santista, aconteceram sem troca de tiros com a polícia. Desde 3 de fevereiro, um dia após o assassinato do PM da Rota Samuel Wesley Cosmo, o Governo de SP reforçou o policiamento na região. A data inicia a contagem das mortes dos considerados suspeitos pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP).
O levantamento feito pela equipe de reportagem mostra que os mortos que não trocaram tiros com a polícia representam 15,3% das mortes durante a ação. Os dados constam em boletins de ocorrências e notas enviadas ao g1.
A SSP-SP afirmou que as mortes aconteceram após confrontos com agentes. Nos BOs e nas notas há registros de que esses seis suspeitos apontaram armas ou ofereceram riscos para os policiais.
Além disso, a autoridade policial comunicou que a ação da polícia é “totalmente baseada no uso progressivo da força, para proteger a população e o policial durante o atendimento a ocorrências”.
A pasta acrescentou que a “opção pelo confronto é sempre do suspeito, colocando em risco a vida do policial e da população” (confira o posicionamento completo abaixo).
Mortos sem troca de tiros
Primeira morte – Rodnei da Silva Sousa, de 28 anos, morreu após ser baleado por tiros de fuzis de dois PMs da Rota no no último dia 4 de fevereiro, no Morro São Bento, em Santos (SP). Ele estava em um carro de aplicativo que foi abordado pelos agentes.
Segundo o boletim de ocorrência, o motorista de aplicativo atendeu a ordem dos policiais e desceu. Rodnei, que estava no banco da frente, teria apontado uma arma para os policiais, que reagiram. Rodnei foi encaminhado à Santa Casa de Santos, mas não resistiu aos ferimentos.
Em contrpartida, a família de Rodnei afirmou que ele estava desarmado e foi vítima de uma “emboscada”, já que estava indo encontrar uma suposta mulher quando foi abordado e assassinado. Mais tarde, os familiares descobriram que a tal pessoa usava um “fake” – perfil falso.
Uma parente dele, que preferiu não se identificar, disse que Rodnei recentemente estava envolvido com tráfico de drogas. Apesar disso, ele não tinha passagens pela polícia.
Segunda e terceira morte – Hildebrando Simão Neto, de 24 anos, e Davi Gonçalves Junior, de 20, morreram após serem baleados no último dia 7 de fevereiro, em uma casa na Avenida Oswaldo Toschi, no bairro Parque, em São Vicente. Segundo o BO, ambos teriam apontado armas para os policiais, que atiraram em legítima defesa.
De acordo a Prefeitura de São Vicente, Davi já chegou sem vida no Pronto Socorro Central. Hildebrando, por sua vez, foi levado ao Hospital do Vicentino, onde permaneceu internado sob escolta policial até morrer no último dia 9 de fevereiro.
Hildebrando, porém, era deficiente visual. O jovem era diagnosticado com ceratocone, uma doença que pode levar à cegueira, e não enxergava com nitidez a mais de 30 centímetros, em um dos olhos. A SSP-SP informou à época que o caso seria “rigorosamente investigado”.
Quarta morte – Allan de Morais Santos, que também seria conhecido como “Príncipe” dentro de uma facção criminosa, foi morto a tiros por policiais militares no último dia 10 de fevereiro, na Avenida Martins Fontes, no bairro Saboó, em Santos (SP).
De acordo com o BO, Allan dirigia um carro na via quando recebeu uma ordem de parada dos policiais. O suspeito, ainda segundo o registro, desobedeceu os agentes e pegou uma arma com a mão direita, sendo baleado em seguida. A SSP-SP informou que o “Príncipe” ainda jogou o carro contra a viatura.
A família dele, porém, garantiu que Allan deixou o crime há anos, e que estava voltando do trabalho, como auxiliar de roupeiro do Jabaquara Atlético Clube, quando foi morto por policiais militares.
Quinta morte – Um homem, ainda não identificado, foi morto por policiais militares no último dia 17 de fevereiro, em um local conhecido como Beco das Almas, em Guarujá (SP). A SSP-SP informou que os agentes foram à Avenida Miguel Mussa Gaze para apurar uma denúncia sobre a presença de suspeitos armados e traficando no local.
Ainda de acordo com a secretaria, assim que os policiais chegaram ao local, permaneceram em uma distância de aproximadamente 50 metros para confirmar a informação. Os agentes, porém, foram observados pelos suspeitos, momento em que um deles teria apontado uma arma.
A SSP-SP acrescentou que um dos PMs, que atua como “atirador designado para proteger a tropa”, revidou matando o homem. Os comparsas, segundo a pasta, fugiram.
Sexta morte – Um foragido da Justiça, que também ainda não teve a identidade divulgada, morreu após ser baleado por policiais militares no último dia 19 de fevereiro, no Morro São Bento, em Santos (SP)
Segundo a SSP-SP, os agentes patrulhavam a região quando viram o suspeito com uma mochila. Ao iniciar a abordagem, o homem sacou uma arma e entrou em luta corporal com os policiais, que atiraram. O suspeito chegou a ser socorrido ao pronto-socorro, mas não resistiu.
A SSP-SP acrescentou que o homem cumpria pena por tráfico de drogas e estava foragido desde janeiro de 2022, quando recebeu o benefício da saída temporária e não retornou ao sistema prisional.
Cidades da Baixada Santista
Santos foi a cidade que mais registrou mortos por conflitos com policiais desde o último dia 3 de fevereiro, quando a ‘contagem’ começou. Nesse período, o município teve 19 mortos , ou seja, 48,7% dos casos até o momento. A segunda com mais mortos na Operação Verão é São Vicente, com 11. Juntas, as cidades têm 76,9%.
Guarujá, com 5 (12,8%), e Cubatão e Itanhaém (5,1%), completam a lista.
Secretaria de Segurança Pública de SP
Em nota, a SSP-SP afirmou que investe constantemente em treinamentos, aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo e outras iniciativas voltadas ao aperfeiçoamento das ações dos agentes de segurança.
De acordo com a pasta, todos os treinamentos de tiro da PM são realizados com base no ‘Método Giraldi’, sendo a ação da polícia “totalmente baseada no uso progressivo da força, para proteger a população e o policial durante o atendimento a ocorrências”.
A SSP-SP acrescentou que a PM é “referência internacional com relação a técnicas e táticas operacionais, sempre na busca da excelência da atividade policial e também de uma prestação de serviços com qualidade à sociedade paulista”.
A pasta afirmou ainda que os casos de morte decorrente de intervenção policial (MDIP) são consequência direta da “reação violenta de criminosos à ação da polícia no combate ao crime organizado, que tem presença na Baixada Santista e já vitimou três policiais militares desde 26 de janeiro”.
A SSP-SP, por fim, alegou que a “opção pelo confronto é sempre do suspeito, colocando em risco a vida do policial e da população”, e que todas as mortes em confronto são “rigorosamente investigadas pelas polícias Civil e Militar, com acompanhamento do Ministério Público e Poder Judiciário, incluindo os casos citados pela reportagem”.
Operação Verão
A Operação Verão foi estabelecida na Baixada Santista desde dezembro de 2023. No entanto, com a morte do PM Samuel Wesley Cosmo, em 2 de fevereiro, o estado deflagrou no dia seguinte a 2ª fase da ação com o reforço policial na região. Desde então foram 39 mortes de suspeitos.
Em 7 de fevereiro, mais um PM foi morto, o cabo José Silveira dos Santos. Na ocasião, começou a 3ª fase da operação, que foi marcada pela instalação do gabinete de Segurança Pública em Santos e mais policiais nas cidades do litoral paulista. A equipe da SSP-SP manteve a sede na Baixada Santista por 13 dias.
Segundo a SSP, desde o início da Operação Verão, em 18 de dezembro, 797 criminosos foram presos, incluindo 301 procurados pela Justiça, e 562,4 quilos de drogas retiradas das ruas. Além disso, 86 armas ilegais, incluindo fuzis de uso restrito, foram recolhidos. Todos os casos de mortes em confronto são investigados.
A Defensoria Pública de São Paulo, em conjunto com a Conectas Direitos Humanos e o Instituto Vladimir Herzog, pediu, no último dia 16 dde fevereiro, à Organização das Nações Unidas (ONU), o fim da operação policial na região e a obrigatoriedade do uso de câmeras corporais pelos policiais militares.
A Ouvidoria da Polícia de São Paulo, em conjunto com entidades de segurança pública e proteção de direitos humanos, também denunciou à Procuradoria-Geral de Justiça do Estado irregularidades nas abordagens de policiais durante a Operação Verão na Baixada Santista. Além das denúncias, o documento conta com uma série de recomendações aos órgãos públicos para que cessem as violações de direitos humanos praticadas pela polícia.
Mortes de policiais
No dia 26 de janeiro, o policial militar Marcelo Augusto da Silva foi morto na rodovia dos Imigrantes, na altura de Cubatão. Ele foi baleado enquanto voltava para casa de moto. Uma grande quantidade de munições estava espalhada na rodovia. O armamento de Marcelo, no entanto, não foi encontrado.
Segundo a Polícia Civil, Marcelo foi atingido por um disparo na cabeça e dois no abdômen. Ele integrava o 38º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M) de São Paulo, mas fazia parte do reforço da Operação Verão em Praia Grande (SP).
No dia 2 de fevereiro, o policial das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) Samuel Wesley Cosmo morreu durante patrulhamento de rotina na Praça José Lamacchia. O agente chegou a ser socorrido para a Santa Casa de Santos (SP), mas morreu na unidade.
Cinco dias depois, o cabo PM José Silveira dos Santos, do 2⁰ Batalhão de Ações Especiais de Polícia (BAEP), morreu ao ser baleado durante patrulhamento no bairro Jardim São Manoel, em Santos. Na ocasião, outro policial militar foi baleado e internado – ele recebeu alta médica no dia 21.