Policiais da Rota em ação - Reprodução/Alma Preta

Um relatório condenando as investigações das mortes ocorridas na Operação Escudo, da Polícia Militar, na Baixada Santista, foi divulgado nesta terça-feira (7), pela organização internacional não governamental Human Rights Watch (HRW). Nos 40 dias da operação, 28 civis foram mortos e 958 acabaram presos.

O documento, que recebeu o nome “Eles prometeram matar 30: Assassinatos de Polícia na Baixada Santista, Estado de São Paulo, Brasil”, indica irregularidades no cumprimento de normas internacionais de investigação sobre as mortes ocorridas durante a operação policial.

Análise

A conclusão da organização vem após a análise de 26 boletins de ocorrência, fotografias e 15 laudos necroscópicos, além de entrevistas com autoridades e membros da comunidade. A ONG apontou falhas significativas nas investigações da Polícia Civil sobre as mortes dos civis, tal como nas perícias, sob supervisão da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP).

A HRW também afirmou que não recebeu as respostas do secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, ou do delegado-geral da Polícia Civil, Artur Dian.

Falhas apontadas pela HRW:

• Em 12, dos 26 casos, a Polícia Civil colheu depoimentos de policiais militares em grupos, e não individualmente. Depoimentos em grupo dificultam a confirmação independente das versões apresentadas.

• Quando a Polícia Civil colheu depoimentos individuais, eles foram breves e sem detalhes.

• Em seis casos, a Polícia Civil pareceu ter a intenção de antecipar o resultado da investigação, concluindo, com base apenas nos depoimentos dos policiais envolvidos nos confrontos, que a Polícia Militar havia “agido claramente em legítima defesa”.

• Dos 26 boletins de ocorrência analisados pela Human Rights Watch, a perícia do local dos fatos foi solicitada em 16. Em seis boletins não há solicitação de perícia no local dos alegados confrontos. Em outros 3, a Polícia Civil decidiu não solicitar perícia citando fortes chuvas, periculosidade ou outros fatores. Em outro boletim, as páginas finais estavam faltando, tornando impossível determinar se a polícia solicitou ou não perícia.

• Em pelo menos sete casos, os corpos chegaram sem roupas para o exame necroscópico. Itens de vestuário são particularmente relevantes para estimar a distância dos tiros e outras circunstâncias da morte.

• A polícia nem sempre solicitou exame residuográfico. Eles podem ajudar a determinar qual policial atirou na vítima, e também se a vítima usou arma de fogo. Esses testes são particularmente úteis quando as autoridades alegam que as vítimas atiraram, como a Polícia Militar (PM) afirmou em 20, dos 26 boletins de ocorrência.

• A HRW pediu também a peritos forenses internacionais que analisassem as 15 autópsias a que teve acesso. Estes peritos concluíram que “com base nos relatórios preliminares da autópsia, os exames post mortem dos quinze indivíduos são ineficazes, e não cumprem os padrões mínimos aceitáveis na investigação de mortes relacionadas com armas de fogo no contexto da ação policial”.

• Segundo o Ministério Público, os policiais usavam câmeras corporais em 10 ações relacionadas às primeiras 16 mortes, mas imagens foram registradas em apenas seis destes casos. Em quatro deles, as câmeras estavam sem bateria ou apresentaram problemas técnicos e não gravaram. Posteriormente, as gravações de outros três casos foram enviadas ao Ministério Público, totalizando nove casos das 28 mortes com gravações.

Após os quatro primeiros dias da operação, o governador do estado, Tarcísio de Freitas, elogiou a ação dos policiais. “Estou extremamente satisfeito com a ação da polícia, extremamente triste com o que aconteceu [mortes] porque nada vai trazer um pai de família de volta”.

Além dos abusos cometidos, segundo a investigação, o relatório da ONG faz menção sobre a abertura de procedimentos investigativos criminais com relação às 28 mortes pelo Ministério Público; relata um inquérito civil sobre atos que poderiam consistir em violações dos direitos humanos, além de um procedimento administrativo para monitorar as investigações realizadas pela polícia.

E a SSP?
O Folha Santista solicitou um posicionamento à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), mas ainda não obteve retorno do órgão.

Operação Escudo

A Operação Escudo teve início após o assassinato, no Guarujá, do soldado Patrick Bastos Reis, de 30 anos, que atuava na Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota). Conforme a SSP-SP, o policial foi morto durante patrulhamento na Vila Júlia. Ele e outros militares foram atacados por homens armados na noite de 27 de julho.

Patrick Reis foi baleado no tórax e levado para o Pronto Atendimento da Rodoviária (PAM), mas não resistiu ao ferimento. Outro policial foi baleado na mão e atendido em um hospital da cidade.

Após o ataque, o governo de São Paulo deu início à operação, que contou com cerca de 600 agentes de diferentes unidades da Polícia Militar do Estado e teve duração de 40 dias, encerrando em 5 de setembro.