Acusados de tentativa de homicídio contra dois policiais militares (PMs) e dos crimes conexos de tráfico de drogas e de posse ilegal de arma de fogo e munições, dois jovens foram absolvidos desses delitos pelo tribunal do júri de Cubatão. Os jurados acolheram a tese da defesa dos réus de que sequer prova da materialidade das supostas infrações existe nos autos, principalmente em razão das divergências entre o relato dos PMs e as imagens das câmeras operacionais portáteis (COPs) acopladas nos seus uniformes.
“Assim, de acordo com o veredicto dos jurados, os réus não praticaram os delitos tipificados. (…) Ante o exposto e diante de tudo o mais que dos autos consta, com fulcro no artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal, julgo improcedente a pretensão estatal deduzida na denúncia para absolver os réus”, anunciou o juiz Gustavo Henrichs Favero. O dispositivo que fundamentou a sentença é o da absolvição por “não haver prova da existência do fato”.
A sessão ocorreu na terça-feira (5) e durou quase 11 horas, apesar de o promotor André Bandeira abrir mão da réplica. O representante do Ministério Público sustentou em plenário que houve, sim, os crimes, e os acusados são os seus autores, conforme a denúncia, pleiteando a condenação de ambos. Das cinco testemunhas escolhidas, os advogados dos réus desistiram de três. O ponto forte da tese defensiva foi o de derrubar a versão dos PMs com as imagens das câmeras corporais.
Os réus negaram os crimes. Alegaram terem ficado na linha dos tiros que os policiais efetuaram do alto de um viaduto da Via Anchieta em direção à Vila dos Pescadores, onde moram. Um dos rapazes, de 25 anos, levou três disparos de fuzil e teve a perna esquerda amputada. O outro tem 20 anos.
Operação em xeque
Segundo os policiais que figuram como vítimas na ação penal, no dia 14 de fevereiro de 2023, equipes do 2º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep) realizaram operação na Vila dos Pescadores para combater o tráfico de drogas. Um criminoso da área os enfrentou a tiros, motivando o revide, sendo atingido no embate. A caminho do pronto-socorro, este homem morreu e, com ele, foram apreendidas duas pistolas e drogas. Para que fosse realizada perícia no local, alguns PMs ali permaneceram para preservá-lo.
A denúncia narra que, posteriormente, no momento em que os policiais se retiravam da comunidade nas viaturas, bandidos começaram a atirar na direção dos veículos. Inicialmente, os PMs não revidaram. Porém, quando acessaram o viaduto da Via Anchieta, com melhores condições de reagir com segurança, os patrulheiros responderam aos disparos que eram efetuados pelos dois réus e “cerca de outros 30 atiradores”, que conseguiram fugir e não foram identificados.
Após o segundo confronto, os policiais fizeram uma “varredura” na Vila dos Pescadores e, conforme contaram, se depararam com um dos réus baleado e o outro, nas imediações, tentando se esconder com uma mochila contendo 477 porções de cocaína, uma pistola calibre 9 milímetros e oito cadernos com anotações do tráfico de drogas. Para o MP, esses acusados agiram em “perfeita unidade de desígnios e divisão de tarefas, entre si e com outros indivíduos não identificados” para cometer os crimes descritos na denúncia.
Mochila vazia
Além de contradições nas versões das supostas vítimas do atentado, a defesa enfatizou nos debates que o exame residuográfico nas mãos de um dos acusados deu negativo. O outro não pôde ser submetido a esse tipo de perícia, que objetiva detectar a presença de chumbo decorrente de quem realiza disparo de arma de fogo, porque foi submetido às pressas a cirurgia devido aos tiros de fuzil. Os réus negaram ter atirado contra os agentes públicos e afirmaram que sequer houve confronto envolvendo terceiros.
Os advogados Mário André Badures Gomes Martins, Adrielly Cristina Silva dos Santos, Cinthia Souza Nunes de Almeida, André Carlos dos Santos e Lenine Lacerda Rocha da Silva destacaram aos jurados que, na realidade, estava vazia a mochila que os PMs declararam ter apreendido com um dos réus contendo drogas, arma e cadernos com a contabilidade da venda de entorpecentes. Posteriormente, a mochila foi aberta para a introdução dos materiais ilícitos.
A explanação dos defensores foi respaldada pela filmagem das câmeras corporais das supostas vítimas. As imagens das COPs também conflitaram com outras informações prestadas pelos policiais, reforçando que a história não ocorreu do modo como eles relataram. Autuados em flagrante, os réus tiveram a preventiva decretada na audiência de custódia, inclusive o que precisou amputar a perna. Com a absolvição, foram soltos após ficarem mais de um ano no Centro de Detenção Provisória (CDP) de São Vicente.
Outro caso
Recentemente, o juízo da 6ª Vara Criminal de Santos absolveu, por insuficiência de provas, dois homens que tinham sido presos por policiais do 2º Baep sob a acusação de tráfico de drogas. Imagens das câmeras corporais dos PMs foram juntadas aos autos e, de acordo com a sentença, elas “lançam dúvidas a respeito da dinâmica dos fatos aqui apurados e da idoneidade da prova”. A discussão sobre a obrigatoriedade do uso de COPs pelos PMs paulistas é tema que chegou recentemente ao Supremo Tribunal Federal.
Com informações de Eduardo Velozo Fuccia/Vade News.