Da Revista Fórum, por Heloisa Villela, correspondente em Nova York
Até que ponto o tratamento de Covid-19 à base de plasma humano não é, para Donald Trump, a foto (forjada) da suposta fabricação de armas de destruição em massa no Iraque, de George W. Bush? A grande diferença é que Bush não queria distrair a atenção do público ou produzir uma surpresa de última hora para garantir a reeleição. Ele queria, mesmo, invadir o Iraque e tomar conta do petróleo do país a qualquer custo. Já Trump tem dois objetivos com o anúncio bombástico de domingo: oferecer ao eleitorado alguma notícia positiva antes do dia 3 de novembro, data da votação, e ao mesmo tempo desviar o foco já que a fofoca do momento gira em torno das declarações da irmã dele, uma juíza respeitada.
Enquanto diferentes centros de pesquisa dos Estados Unidos e do mundo se apressam e trabalham sem parar em busca de tratamentos e de uma vacina para acabar com a pandemia do coronavírus, Trump veio a público, na Casa Branca, para acusar cientistas e técnicos do FDA, a Administração de Alimentos e Remédios do país, de fazerem parte de uma grande conspiração que tem como único objetivo impedir o presidente de anunciar a salvação da humanidade antes da eleição. Trump tem um ego tão gigantesco que é capaz de imaginar pesquisadores e cientistas segurando uma descoberta dessa relevância exclusivamente para prejudicar a reeleição dele. E desconfia de todo e qualquer funcionário do governo a ponto de imaginar que eles jogaram com a vida de milhares de pessoas para influenciar o resultado das urnas. Dizem que as pessoas costumam julgar as outras por si mesmas. Dado o aparente descaso de Trump pelas vidas que se foram por causa da Covid…
Na Casa Branca, Trump, o presidente do superlativo, disse que o anúncio era histórico. Algo que desejava fazer há tempos. E apresentou o tratamento da Covid com plasma humano como uma resposta definitiva no combate à doença, informação, ou interpretação, que os cientistas se recusam a confirmar. Aqui nos Estados Unidos, mais de 64 mil pacientes de Covid já foram tratados com plasmas de pessoas que se recuperaram da doença. Mas até o momento os dados não permitem determinar se esse é um método eficaz no seu combate.
Trump terá tempo de sobra esta semana para reafirmar essa e outras teorias conspiratórias e também para dizer que a economia americana, pós-Covid, será mais forte do que jamais foi. A partir desta segunda-feira (24), ele vai discursar diariamente na convenção do partido republicano. É mais uma novidade do presidente dos excessos. Nas convenções partidárias, os candidatos costumam até aparecer antes da noite de encerramento quando fazem o grande discurso que fecha o evento. Preocupado com vantagem que o democrata Joe Biden tem nas pesquisas, Trump decidiu romper com a tradição (que novidade!) e vai fazer discursos diários.Na primeira campanha a presidente Trump prometeu que, sozinho, daria um jeito no país. Agora, ameaçado de derrota, recorre ao único cabo eleitoral em que confia de verdade.
A decisão tem uma outra possível vantagem. Desviar o foco da conversa que explodiu com as declarações da irmã dele, Maryanne Trump Barry, gravadas sem que ela soubesse. Mary Trump, sobrinha do presidente, escreveu um livro lançado este ano que chama o tio de psicopata e incapaz de sentir a dor dos outros. A irmã, em 15 horas de conversas gravadas, afirmou, entre outras coisas, que Trump é cruel e não tem princípios. Segundo Maryanne, Trump não lê, mente sem parar e tem uma base de seguidores que se dizem radicalmente religiosos. “Meu Deus, se você fosse uma pessoa religiosa você ia querer ajudar as pessoas e não fazer isso!”, disse Maryanne à sobrinha.
Ninguém sabe se a tática de abusar dos holofotes durante a convenção vai ajudar ou atrapalhar. Afinal, foi depois da sequência de coletivas diárias sobre a pandemia, na Casa Branca, que Trump perdeu pontos nas pesquisas. Os discursos, esta semana, podem ser um último gesto desesperado de quem está vendo uma mudança que não estava nos planos. Ou podem ser a cartada que faltava para entusiasmar o eleitorado fiel e contaminar quem ainda está em cima do muro.