Foto: Divulgação/Polícia Militar

Por Thaís Helena*

No dia 25 de setembro, foi realizada uma audiência pública na Unifesp para discutir junto com a população as intervenções da Polícia Militar e a Operação Escudo que está sob o comando de Guilherme Muraro Derrite, mais conhecido como Capitão Derrite, um policial militar e político brasileiro, filiado ao Partido Liberal (PL), atual secretário de segurança do estado de São Paulo.

Depois de ouvir nesta audiência pública a sociedade civil e, principalmente, os familiares que perderam seus entes queridos na operação, fui surpreendida na manhã do dia 27 de setembro com a nota do leitor em um jornal de circulação da cidade de Santos que dizia: “Essa conversa da esquerda de que tudo de ruim que acontece no país é contra as populações negras, periféricas e pobres está enchendo”.

Imediatamente, fui buscar registros de massacres por policiais armados a grupos em bairros de classe média à classe alta. Busquei também em jornais impressos, digitais, televisivos e de rádio, notícias de algum caso de bala perdida que atingiram pessoas não negras em bairros não periféricos da Baixada Santista. Pasmem: não encontrei!

Ao contrário do que afirmou o leitor, apareceram as notícias sobre a morte de Ágata Felix, de 8 anos, no Rio de Janeiro, em 2019; João Pedro, de 14 anos, baleado e com 72 marcas de tiros de fuzil enquanto brincava com os primos, durante uma operação policial em São Gonçalo/RJ, em 2020; Kathlen Romeu, de 24 anos, grávida de 3 meses, alvejada com um tiro de fuzil, em 2021; Genivaldo Santos, morto após ser trancado no porta-malas de um carro da PRF, onde foram lançadas bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta no estado de Sergipe, em 2022, todas pessoas negras e suas mortes, comprovadamente, causadas pela Polícia Militar. Na Baixada Santista, os crimes de maio de 2006, em que até hoje dezenas de mães choram e não foram indenizadas.

Embora esses crimes tenham acontecido em datas, cidades e estados diferentes, as vítimas têm algo em comum: pessoas negras, pobres e periféricas. Conforme o artigo chamado “O paraíso do racismo é o Brasil”: “No Brasil, a violência contra negros sempre acontece em nome de outra coisa que não o ódio racial”. A história do nosso país é marcada pela escravidão de indígenas, africanos e seus descendentes; uma abolição sem trabalho formal, sem acesso à terra formando milhares de favelas, sem quaisquer direitos sociais garantidos. Como escrevi no meu livro, “as cidades brasileiras refletem, espacialmente e territorialmente, os crimes históricos que a sociedade não resolveu”. Portanto, não se trata somente da Operação Escudo, se trata da continuidade da formação sócio-histórica brasileira que não foi interrompida.

Segundo o defensor público presente na audiência pública sobre a Operação Escudo, 55% dos mortos nessa operação não tinham passagem pela polícia, 76% não portavam drogas, 84% não foram apreendidos com armas e 67% eram negros. Esta operação, que teve como início a morte do policial Patrick, das 958 prisões e 28 mortes nenhuma dessas pessoas presas ou mortas estava vinculada diretamente ou indiretamente ao assassinato do policial Patrick, que foi a justificativa dada para esta operação.

Escrevo aqui representando meu partido PSOL, mas também enquanto pesquisadora e estudante do mestrado na Universidade Federal de São Paulo Campus Baixada Santista – Unifesp/BS, local onde foi realizada essa audiência pública, pautada na ciência, nos grandes autores e intelectuais negros deste país que abordam o racismo estrutural nas cidades brasileiras.

Apesar de termos opiniões diferentes, concordo com a afirmação que o leitor fez sobre a inteligência da segurança pública: “A Segurança Pública não é burra”, afirmou o leitor. Nesse ponto temos total acordo. A segurança pública deste país não é burra, e por isso afirmo que a segurança pública sabe que os grandes traficantes brasileiros não moram nas favelas. A segurança pública deste país sabe que para haver comércio de drogas no varejo há que se ter um comércio de drogas em atacado, e que as drogas que atravessam o Brasil, entram e saem pelos portos de Santos e do Rio de Janeiro, quem faz as negociações entre o porto e as exportações de drogas não mora nas favelas.

Em 2021, a polícia localizou mais de 60 kg de drogas em um condomínio de luxo, Jardim Acapulco, em Guarujá-SP, não houve mortes ou tiroteio. As manchetes das notícias diziam: “Polícia localizou mais de 60 kg de drogas na casa de um médico em um condomínio de luxo em Guarujá/SP”. O que faz então o vendedor de drogas varejista ser chamado de traficante e o do atacado ser chamado de médico? O que faz um ser morto e o outro ter apenas uma prisão preventiva?

Não queremos policiais mortos. E o que estamos presenciando são moradores das comunidades e policiais como o Patrick expostos em operações que não irão resolver o problema do tráfico de drogas no nosso país, enquanto os traficantes atacadistas continuarem soltos em seus condomínios de luxo, e as operações policiais continuarem nas favelas brasileiras como se fôssemos a raiz do problema matando a população negra, pobre e periférica. O racismo que nessa sociedade se estrutura, é chamado de vitimismo, mas não queríamos aqui estar no lugar de vítima, queríamos poder “andar tranquilamente na favela onde eu nasci… e poder me orgulhar e ter a consciência que o pobre tem seu lugar” como diz o funk.

Por fim, pergunto quanto custa uma operação como essa com aproximadamente 600 PM’s? Esperanço um dia em que o governador invada as favelas e comunidades com 600 professores.

*Thaís Helena é assistente social membra do Marias – Mandado Coletivo Feminista e Antirracista. Atualmente na primeira suplência na Câmara de Santos pelo PSOL, autora do livro “Eu não tinha condições de pagar um aluguel decente. A política habitacional e urbana segundo a perspectiva das mulheres negras”.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista.