Foto: Agência Brasil

A Frente pela Legalização do Aborto da Baixada Santista elaborou uma nota de compromisso para que os candidatos às próximas eleições sejam signatários do documento. Nele, há um mapeamento da situação na qual se encontram as cidades da região em relação ao acesso às formas de aborto já previstas em lei.

As formas permitidas pela legislação incluem casos de estupro, anencefalia do feto (quando o feto não forma o cérebro) ou risco de morte materna.

“Nas pesquisas e conversas que realizamos para elaborar a nota descobrimos que esse direito não tem sido garantido às crianças e mulheres das cidades que compõem a Baixada, embora sejam direitos assegurados por leis e prerrogativas legais e exista um protocolo oficial, no caso de Santos”, explica Tâmara Kovacs, integrante da Frente.

Segundo ela, também graças ao mapeamento foi possível elaborar uma série de 20 pontos, que articulam questões de saúde pública, proteção à infância e aos direitos humanos, respeito a recomendações de especialistas e do Ministério Público, dados estatísticos da região, entre diversos outros fatores.

“Esses pontos são considerados essenciais por especialistas e pesquisadores para a garantia mínima do bem-estar da população e da lei. Portanto, seu conjunto compõe a série de exigências com as quais os candidatos às eleições deste ano que assinarem a nota se comprometem, no caso de serem eleitos”, destaca Tâmara.

Eixos

Ela detalha os três eixos do documento: 1) Implementação do Centro de Referência em Saúde da Mulher e Atendimento às Vítimas de Violência Sexual da Baixada Santista, preferencialmente junto ao Hospital Metropolitano Guilherme Álvaro, conforme anunciado pelo governo estadual em 2012.

2) Adequação de todo e qualquer hospital da Baixada Santista que ofereça serviços de ginecologia e obstetrícia para realização do aborto legal, nos moldes da lei 12.845/2013, com os devidos equipamentos e treinamento das equipes.

3) Atuação em prol da criação e do cumprimento de políticas públicas destinadas à proteção da infância e da adolescência e à promoção da saúde integral das mulheres e pessoas trans que engravidem.

“Nas pesquisas e debates que realizamos para desenvolver a nota, levantou-se a questão de que o único hospital habilitado para realizar esse procedimento atualmente encontra-se em São Paulo. Assim, por meio de pesquisa pudemos verificar que uma promessa feita pelo então governador Geraldo Alckmin (PSDB), em 2012, de tornar o Hospital Guilherme Álvaro um centro de referência, juntamente com outros hospitais em diferentes regiões do estado, não foi cumprida”, revela Thatiane Coghi, outra integrante da Frente.

Ela diz que, na época, foi estabelecido que esses hospitais passariam a compor, juntos, a Rede de Atenção à Mulher Vítima de Violência Sexual no Estado de São Paulo, que norteariam diretrizes para políticas públicas e receberiam, cada um, um montante de R$ 100 mil, destinado à sua habilitação e adequação. O acordo previa que os centros passariam a atender de forma integrada já no ano seguinte, em 2013.

“Infelizmente, tal habilitação nunca ocorreu. Portanto, não se sabe o que foi feito do dinheiro destinado para tal fim. Enquanto isso, as mulheres e crianças que recorrerem ao direito ao aborto precisam vencer obstáculos de ordem moral da parte de funcionários do sistema de saúde e, até mesmo, do sistema de policiamento, além de desembolsar os gastos para deslocamento até o atual centro de referência mais próximo, que é o Hospital Pérola Byington, em São Paulo”, enfatiza Thatiane.

“Um dos pontos importantes que salientamos na nota é que caso a habilitação do Hospital Guilherme Álvaro tivesse sido realizada, além de acolher as pessoas da região, evitando um gasto com o qual a maioria das grávidas não pode arcar, esse hospital poderia estar pautando diretrizes para o acolhimento, formação humanizada de profissionais e de políticas públicas”, ressalta Tâmara.

Em sua avaliação, isso poderia evitar situações como a que está ocorrendo no Guarujá. “Recentemente, um projeto foi aprovado nessa cidade, o qual prevê a necessidade de o profissional de saúde oferecer à gestante vítima de estupro a possibilidade de oferecer a criança à adoção e induzi-la à visualização do feto por ultrassom”, esclarece ela.

Denúncias

Além disso, ressalta, há o risco que a recomendação da Portaria 2282 impõe às mulheres vítimas de violência. “Ao contrário do que uma primeira análise pode levar a supor, obrigar as mulheres a denunciar seus estupradores para terem acesso ao aborto não é a melhor saída na situação institucional em que vivemos”.

Segundo Tâmara, as estatísticas mostram que os casos de estupro e abuso, na maioria, são cometidos por homens próximos à vítima. Isso significa que as mulheres serão obrigadas a depor contra homens que estarão em sua convivência próxima, após a denúncia, o que torna a retaliação física um risco iminente.

“A prioridade deve ser garantir a proteção da vítima, inclusive porque a denúncia não deve ser condição para prestar os cuidados de saúde necessários às pessoas que engravidam e, por lei, têm o direito de interromper a gestação”, prossegue Tâmara.

A nota, segundo elas, está disponível nos perfis nas redes sociais da Frente e pode ser acessada por qualquer candidato ou pessoa interessada.

“Um dos objetivos é evitar que continuem a ser registrados em nossa região casos como os da garota do Espírito Santo, que engravidou aos 10 anos, após estupros sucessivos por parte de familiares e teve seu direito negado”, relembra Thatiane.

O que é a Frente

A Frente pela Legalização do Aborto da Baixada Santista nasceu em 2019 e luta pela garantia das formas de aborto já previsto em lei e pela legalização universal do aborto.

“Nosso objetivo é informar e formar a população quanto aos tipos descriminalizados de aborto, a importância da universalização, o fato de que esse assunto é uma questão de saúde pública, e não de moral, para que este seja um direito assegurado e ampliado. Para a Frente, essa discussão está intimamente ligada à defesa de direitos humanos, à garantia de justiça reprodutiva e à luta pelo fim da desigualdade sócio-racial na Região Metropolitana da Baixada Santista (e no mundo)”, avalia Tâmara.

“Hoje, compõem a Frente, pelo menos, 20 entidades, entre coletivos, grupos e ONGs, além de pessoas da sociedade civil e os grupos de Promotoras Legais Populares de Santos, São Vicente, Peruíbe e Praia Grande, que compõem a Frente, deliberam e dão suporte a ações, como atos, debates, lives, rodas de conversa e conscientização, divulgação, entre outros”, completa Thatiane.

Vejam a nota abaixo: