Por Lara Fernanda Modolo Ducci* e Milton César Munhoz Filho**
O vazio enciclopédico da escola pública brasileira planifica um profissional para a geração de resultados alienígenas às premências do ser humano contemporâneo – tão carente de saberes que dialoguem com suas necessidades existenciais, as quais vão muito além da mera aprendizagem em apertar parafusos e ligar computadores.
O novo ensino médio (tributário da ética tecnicista), sob o lustro da preparação laboral e sob o pretexto de encaminhar jovens alunos ao mundo do trabalho, vislumbra a confecção fabril de uma mão de obra que tem na proletarização do pensamento a garantia ao servilismo de mercado – todo sarapintado de virtude e de qualificação profissional.
Não tarda e o aclamado novo ensino médio atualiza uma tradição reformista das políticas públicas educacionais, gestadas, em sua maioria, mais pelas reviravoltas do mercado financeiro que pelo flagrante e fundante compromisso de aperfeiçoar a humanidade e reparar os seus desvãos em todo e em cada aluno.
O sentido formativo da Educação não dialoga, sobretudo nesse tempo, com seu potencial formativo. Difama-se o conhecimento na mesma medida em que se cultiva e se cativa, no professor e no aluno, o que Adorno nomeou de espírito deformado e inculto. Repleto de jargões cavos, a Educação nacional vem golpeando o discernimento intelectual de professores, o conhecimento científico e os pressupostos artísticos e filosóficos – os quais deveriam estar à tona e ao fundo das prerrogativas da cultura educacional.
Existe uma cientificidade específica que cada disciplina tende a enunciar de acordo com as suas próprias regras, e é exatamente isso o que essa nova educação rechaça em detrimento da parametrização excessiva de resultados e das realidades. Ademais, submetem-se a cátedra e o pensamento profissional-epistemológico aos comandos de uma política educacional empirista que flerta com a fragmentação e diluição de saberes e reforça as contradições sociais.
De partida e ao arrepio de qualquer sensatez na interpretação dos pareceres entusiastas de um ensino libertário, as últimas resoluções assentam o caráter aplicacionista do currículo, que, por sua vez, reflete a concepção utilitarista do ensino. Disso resulta, como panaceia aos embaraços da Educação, um esoterismo do conhecimento que visa adaptar o aluno às disjunções neoliberais, quando, em contrapartida, deveria provê-lo de expedientes culturais para alterar esse mesmo status quo de segregação e opressão.
Verificamos frentes danosas ao interesse público e o descaso das autoridades com a Educação Básica. Suprimidos os direitos básicos, toda a sociedade é afetada. É direito do aluno, para além do amplo ingresso à escolarização, o acesso às ciências, às artes e aos ensaios filosóficos. Atomizada essa conjuntura epistêmica, nega-se o processo de autonomia que se pretende implementar, pois se reduzem as reais possibilidades de reflexão crítica da própria sociedade. Sem cultura, não há emancipação.
Fazem-se necessárias intervenções a curto, médio e longo prazo em favor das condições de permanência na escola pública e do avanço na qualidade de ensino. A consolidação da gestão educacional será tão mais eficaz quanto maior for a harmonia entre o desenvolvimento científico e técnico, sem sobreposição deste ou daquele, tampouco aniquilamento homeopático de toda gnosiologia escolar. O leque é amplo, mas o concerto das políticas públicas caminha ao ritmo das sonegações curriculares. Todos os atores educacionais devem observar o rumo e a superação dos desafios atuais.
Urge recompor as questões educacionais, por exemplo, a partir da sistematização das propostas de gestão com os planos municipais e estaduais, mas, sobretudo, articulando as propostas curriculares e os conteúdos programáticos às necessidades idiossincráticas de cada instituição. Há de se considerar que a construção de uma identidade educacional e a viabilização de resultados desejados vêm a reboque de rupturas: rompe-se com o centralismo de um currículo que, justamente por ser centralizado, diz muito pouco a respeito do que é particular em cada nicho escolar; rompe-se com as perspectivas deterministas que fatalizam o aluno da escola pública a ocupar, como sempre, a margem da sociedade.
A proposta implementada à rede pública do ensino paulista não tem capacidade de atingir os resultados aos quais se propõem porque, ao invés de lutar para diminuir as desigualdades, abre ainda mais o fosso entre uma elite aculturada e uma massa estudantil que vê subtraídas de seu horizonte de possibilidades as causas mesmas da redenção das injustiças: um currículo mais humano e mais epistemologicamente estruturado.
Um processo permanente de planejamento é condição sine qua non para a desmitificação desse industrialismo escolar da rede pública, o qual, pretensamente mirando no esclarecimento cultural e na autonomia intelectual, acerta em procedimentos tecnicistas que têm por escopo inventar uma massa disforme de trabalhadores e, portanto, alijada de quaisquer resíduos de pensamentos mais críticos.
Indicadores responsáveis por evidências educacionais precisam examinar conquistas, avanços e retrocessos, também, de políticas públicas, desonerando dos ombros dos docentes e dos átrios da escola a autoria mesma dos ditos progressos e ocasos supervenientes à cosmologia da Educação.
A consolidação e otimização de políticas públicas para a Educação precisam vincular-se às necessidades, carências e anseios do corpo social, das pesquisas universitárias e das premissas acadêmicas, para, enfim, viabilizar a qualidade de vida de todos que passam pela escola; precisam, ao cabo, conter o processo técnico que coisifica aquele que ensina e aquele que aprende e que submete a Educação a adminículo da aparelhagem econômica de um povo condenado a viver sob a ruína progressiva da cultura teórica, do pensamento filosófico-científico e da autonomia crítica.
*Lara Fernanda Modolo Ducci é engenheira civil, especialista em Saúde Pública, Resíduos Sólidos Domiciliares e Impacto Ambiental, Petróleo e Gás Natural, Gestão Escolar e Gestão Pública. É professora da SEESP e conselheira da CNTU.
**Milton César Munhoz Filho é especialista em Planejamento, Implementação e Gestão de Educação à Distância, além de especialista em Educação Especial Inclusiva e mestrando em Educação. É professor da SEESP.
***Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista.