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São Vicente precisa de um envolvimento popular, periférico e ecológico – Por Danilo Tavares

Como construir políticas de baixo para cima quando o prefeito governa de forma narcísica para as redes sociais?

Poliana Nascimento, Sérgio Popygua, Danilo Tavares e Francisca Eleiene, durante o Fórum Baixada Resiliente - Foto: Newton Rodrigues

São Vicente, uma das cidades mais antigas do Brasil, enfrenta hoje desafios críticos que ameaçam seu patrimônio histórico e a qualidade de vida de seus moradores. A cidade, com sua rica história e relevância cultural, está em uma encruzilhada ambiental e urbana, marcada por problemas de gestão de resíduos, infraestrutura inadequada e desafios emergentes trazidos pelas mudanças climáticas. Um governo que ignora sua cultura e patrimônios culturais também se comporta como negacionista climático.

Dados recentes do Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades (IDSC) revelam que São Vicente luta contra a pobreza, insegurança alimentar, obesidade infantil e falta de infraestrutura cultural e educacional adequada.

Além disso, a cidade apresenta um cenário preocupante em relação à gestão de resíduos sólidos e ao cumprimento de metas ambientais. Desde que Kayo Amado assumiu como prefeito, lixões clandestinos foram identificados em áreas críticas como o Jockey Club e o Antigo Centro Náutico, exacerbando a poluição em áreas de mangue e contribuindo para a deterioração ambiental.

Esses desafios são agravados pela falta de ação efetiva em relação ao Plano Municipal de Adaptação a Mudanças do Clima, que, apesar de estar previsto na legislação municipal desde 2018, ainda não foi implementado.

Para auxiliar gestores, existe uma iniciativa estratégica que fornece às cidades brasileiras ferramentas e diretrizes para implementar uma gestão urbana que alia desenvolvimento e sustentabilidade, que é o Programa Cidades Sustentáveis.

Através de uma agenda que inclui mais de 260 indicadores e 70 metas, o programa alinha as políticas municipais aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, incentivando práticas que vão desde a melhoria da qualidade do ar e gestão de resíduos até a promoção da educação e saúde de qualidade.

São Vicente, com uma população superior a 350 mil habitantes, é uma das três cidades da Baixada Santista que ainda não assinaram o Programa Cidades Sustentáveis (PCS). Esta decisão parece refletir-se diretamente em vários dos desafios que o município enfrenta atualmente, especialmente no que diz respeito aos indicadores do ODS 2, que se concentra em Fome Zero e Agricultura Sustentável.

Desafios identificados na cidade:

  • Obesidade Infantil: O índice de obesidade infantil em São Vicente aumentou significativamente de 7.67 em 2020 para 11.42 em 2022, bem acima do objetivo de 5.
  • Apoio à Agricultura Familiar: Com um índice de apenas 28.57 em 2017, longe do objetivo de 75, São Vicente mostra uma lacuna significativa no suporte à agricultura familiar.
  • Agricultura Orgânica: Talvez o mais alarmante seja o índice zero em agricultura orgânica em 2017, com um objetivo de 7. A ausência de agricultura orgânica aponta para uma falta de incentivos e políticas que promovam práticas agrícolas sustentáveis e ecologicamente responsáveis.

Em julho de 2023, o prefeito Kayo Amado anunciou a primeira apresentação de um Plano Municipal de Ação Climática, que é na verdade o resultado de um trabalho de alunos universitários. Contudo, a falta de acessibilidade ao conteúdo do plano e a ausência de um processo participativo amplo sugerem uma desconexão entre a administração municipal e as necessidades reais dos cidadãos. Este modo de governar, distante do povo, que pode ser visto como uma relíquia de práticas de gestão ultrapassadas, não só compromete a legitimidade do plano, mas também sua capacidade de atender às demandas emergenciais relacionadas ao clima que São Vicente enfrenta.

Embora a iniciativa de estudantes universitários de elaborar um Plano de Ação Climática para São Vicente seja notável e demonstre um engajamento acadêmico valioso, a eficácia de tais esforços é limitada sem a participação ativa e transparente da comunidade local. Revela-se, mais uma vez, uma grande dificuldade de inclusão da população nos processos de planejamento das ações do atual governo, especialmente das comunidades periféricas que frequentemente são as mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas.

No dia 22 de junho deste ano, realizamos o Fórum Baixada Resiliente: Unidos Contra a Crise Climática, em São Vicente, que representou um momento crucial para abordar os desafios ambientais significativos enfrentados pela região da Baixada Santista, exacerbados por eventos climáticos extremos como ondas de calor e inundações. Este evento marcou a união de especialistas, legisladores e membros da comunidade em um debate profundo sobre estratégias de mitigação e adaptação climáticas adequadas para a área.

O Fórum teve como um de seus principais resultados a criação de um grupo de trabalho popular para a elaboração de uma proposta de Política Municipal do Clima e Regeneração Ecológica, bem como a criação de um modelo de ofício para solicitação de audiências públicas. Esses instrumentos são essenciais para incentivar a participação cidadã ativa e garantir que as comunidades locais tenham voz ativa na formulação e implementação de políticas que direcionem São Vicente e seus municípios vizinhos rumo à sustentabilidade.

A partir deste encontro, ficou evidente a necessidade de ações contínuas e coordenadas para enfrentar os desafios impostos pela crise climática. Assim, foram definidas estratégias para futuras ações, incluindo:

Disponibilização dos Modelos de Ofício: Facilitando para que cidadãos e movimentos sociais solicitem audiências públicas em seus municípios. Isso promove uma governança transparente e participativa, essencial para a efetivação de políticas públicas ambientais.

Mobilização Comunitária: Convocação de cidadãos e grupos sociais para se engajarem, pesquisarem as legislações pertinentes e cobrarem ações concretas dos governos locais.

Monitoramento e Fiscalização: Continuação do trabalho de monitoramento das políticas implementadas e fiscalização de sua execução, assegurando que os compromissos tomados durante o fórum se transformem em ações efetivas.

Além das medidas já definidas para promover políticas públicas de adaptação e mitigação climática, o Fórum Baixada Resiliente também destaca a importância de ações diretas e comuns na forma de mutirões de limpeza e campanhas de conscientização. Estas ações estratégicas são fundamentais para complementar os esforços legislativos e políticos com atividades práticas que visam:

Mutirões de Limpeza: Organização regular de mutirões de limpeza em praias, manguezais, parques e outras áreas públicas. Essas atividades não só ajudam a remover resíduos que ameaçam os ecossistemas locais, mas também fomentam um sentido de responsabilidade e pertencimento entre os participantes.

Campanhas de Conscientização: Desenvolvimento e disseminação de campanhas educativas focadas em práticas sustentáveis, como reciclagem, redução do uso de plásticos e conservação da água e da energia. Essas iniciativas podem ser especialmente direcionadas a jovens e crianças, cultivando uma nova geração consciente sobre questões ambientais.

Engajamento e Mobilização Comunitária: Fomento à criação de grupos de voluntariado ambiental que possam atuar de forma contínua na manutenção e monitoramento das condições ambientais locais.

Incentivo à participação comunitária na definição e revisão de políticas públicas ambientais através de fóruns abertos e consultas públicas, garantindo que as vozes da comunidade sejam ouvidas e consideradas nas decisões que afetam o meio ambiente.

O Fórum Baixada Resiliente não apenas destacou os problemas, mas também pavimentou um caminho para a transformação. A participação ativa das comunidades é fundamental e, por isso, é vital que todos os envolvidos continuem a pressionar por mudanças significativas e a usar os recursos e ferramentas disponibilizados para garantir que São Vicente e a Baixada Santista avancem rumo a um futuro mais resiliente e sustentável.

Caso deseje receber notícias de novas ações do Fórum Baixada Resiliente basta acessar o formulário e se cadastrar neste link.

*Danilo Tavares é produtor cultural, documentarista, coordenou diversas oficinas de cinema digital, é gestor e desenvolve propostas de projetos para editais culturais e sociais. Atualmente é proprietário da Zopp Criativa Produções, empresa com selo Estratégias ODS, diretor de projetos do Clube do Choro de Santos, membro do Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista e diretor da Casa Crescer e Brilhar (São Vicente). E-mail: danilo.cultural@gmail.com.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista.

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