Por Danilo Tavares*
A crise climática não é um cenário distante, é uma realidade atual que impacta de forma desproporcional as comunidades mais vulneráveis ao redor do mundo.
O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão das Nações Unidas para avaliar a ciência relacionada às mudanças climáticas, nele destaco que já estamos vivenciando os efeitos das mudanças climáticas, que aumentam as desigualdades sociais e ameaçam avanços em áreas como saúde, segurança alimentar e acesso à água potável. Especificamente, a elevação das temperaturas está associada a um aumento na mortalidade devido a extremos de calor, bem como a uma maior incidência de doenças transmissíveis como a dengue.
Em cidades brasileiras, a realidade não é menos grave. A falta de infraestrutura, principalmente em áreas periféricas e favelas, expõe moradores a riscos elevados durante ondas de calor e inundações, onde a escassez de áreas verdes e a má qualidade das habitações expõem pessoas aos graves impactos desses eventos.
Aqui na Baixada Santista tivemos períodos de calor em dezembro, janeiro e fevereiro com sensação térmica ultrapassando 42º C, com dias em que tivemos que trabalhar com calor de 38ºC, na sombra, das 10h às 18h. Some-se a isso a mais de uma hora dentro de ônibus lotados e sem ar condicionado. Na ida e na volta. É doentio, é adoecedor.
Os relatórios e declarações do IPCC são explícitos ao destacar que a continuidade das práticas do capitalismo global, neoliberal, caracterizadas por uma exploração intensiva e muitas vezes destrutiva dos recursos naturais está diretamente ligada ao agravamento da crise climática. A resistência ao reconhecimento das mudanças climáticas e à implementação de políticas públicas eficazes está enraizada em uma estrutura socioeconômica que privilegia o lucro em detrimento da sustentabilidade e do bem-estar humano.
Em fevereiro de 2022, deslizamentos de terra devastaram a cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro, resultando na morte de mais de 230 pessoas. A maioria das vítimas vivia em áreas de risco, onde a infraestrutura é inadequada e a vulnerabilidade é alta. Essas áreas são predominantemente ocupadas por famílias de baixa renda que não têm opções de moradia mais seguras.
Uma pesquisa realizada pela Fiocruz revelou que as mortes por desastres naturais são significativamente mais altas entre populações de baixa renda. Sobre enchentes no Rio de Janeiro verificou-se que os moradores de favelas tinham uma probabilidade 2,5 vezes maior de morrer em eventos de deslizamento de terra do que aqueles que viviam em áreas mais seguras.
Em fevereiro de 2023, uma série de chuvas torrenciais causou devastação no litoral norte de São Paulo, afetando cidades como São Sebastião, Ubatuba, Caraguatatuba e Ilhabela. As chuvas provocaram deslizamentos de terra, enchentes e destruição de infraestrutura, resultando em mais de 30 mortes e deixando milhares de desabrigados. A maioria das vítimas vivia em áreas de risco, onde as condições de moradia são precárias e a infraestrutura é inadequada.
Diante deste cenário, a necessidade de intervenções imediatas e eficazes nas cidades se torna ainda mais urgente. Os municípios e regiões metropolitanas devem liderar o caminho na regeneração ambiental, na adaptação e na mitigação da crise climática através de políticas que promovam também a justiça ambiental e reduzam a vulnerabilidade das populações mais atingidas.
Algumas ações podem ser mais simples como o exemplo do Teto Verde Favela no Rio de Janeiro, uma intervenção local que, embora benéfica, está longe de ser uma solução abrangente para todos.
Veja que a casa de Cassiano, iniciador do projeto, é até 20°C mais fresca que as vizinhas, o que demonstra o potencial das soluções baseadas na natureza para mitigar os impactos do calor extremo nas comunidades vulneráveis.
Mas é necessário incluir muito mais investimentos públicos e privados em infraestrutura verde, educação ambiental e a reformulação de planos diretores para incorporar a resiliência climática como um elemento central, não apenas como uma medida reativa, mas como uma política de desenvolvimento urbano sustentável.
Precisamos, em cada cidade, de uma lei que estabeleça a política municipal do clima e da regeneração ecológica, com fundo municipal do clima e comitê gestor com participação popular e gestão democrática.
O papel dos eleitores também é fundamental. Escolher líderes comprometidos com a luta contra as mudanças climáticas e responsáveis pela implementação de políticas que fortalecem a mitigação e a adaptação é essencial, deve ser a luz a guiar nossa razão e alma. Votar em negacionistas ou em políticos que não reconhecem a urgência da crise climática equivale a comprometer a segurança e o bem-estar da vida humana e não humana. Os que negam a ciência climática espalham emissões de frases de efeito estúpidas, seja por estupidez mesmo ou por mentira.
Esta é uma verdade inescapável: a inação e o negacionismo climático estão comprometendo o futuro de nossas próximas gerações. Não adianta pedir para Deus, Oxalá ou qualquer outra divindade e votar nas palavras da destruição, da arrogância e da negação da verdade e da vida. Escolher lideranças que negam a ciência climática é, sem dúvida, escolher um futuro marcado por catástrofes, sofrimento e mortes. A crise climática é uma realidade imediata, e a resposta a essa crise deve ser igualmente urgente e fundamentada na realidade científica e de que a prioridade seja cuidar dos mais vulneráveis.
A crise climática é uma ameaça global que exige uma resposta global, mas são as ações locais que frequentemente determinam o sucesso das estratégias de resiliência, mitigação e adaptação. É nas cidades que a maioria das pessoas vive, e é nesses centros urbanos que as consequências das escolhas políticas e pessoais serão mais visivelmente sentidas. Cabe a nós decidir que tipo de futuro queremos construir: um que perpetue as crises ou um que promova a regeneração, a sustentabilidade e a esperança. Se os vereadores ou prefeito de sua cidade não fizeram ou pouco fizeram sobre essas questões, descarte eles da sua vida e da vida da sua cidade.
Em nome da Mãe-Terra, precisamos criar uma filosofia de Katende, que é uma divindade com origem no povo bantu, das mais importantes divindades, com o domínio das folhas, agricultura e ciência, que transforma as raízes e folhas em remédios e alimentos, cuida das florestas, das folhas sagradas e das alquimias divinas (ou da ecologia?). Nessa mitologia afrobrasileira, o sangue das folhas (nguzu – a força vital) é uma das forças mais poderosas da vida, que faz nascer o que está por vir.
Por isso, toda vez que queimamos uma floresta, desmatamos, cortamos árvores, ou simplesmente arrancamos folhas sem necessidade, estamos violando essa lógica da natureza e, para quem acredita, ofendendo seriamente esta manifestação divina.
*Danilo Tavares é produtor cultural, documentarista, coordenou diversas oficinas de cinema digital, é gestor e desenvolve propostas de projetos para editais culturais e sociais. Atualmente é proprietário da Zopp Criativa Produções, empresa com selo Estratégias ODS, diretor de projetos do Clube do Choro de Santos, membro do Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista e diretor da Casa Crescer e Brilhar (São Vicente). E-mail: [email protected].
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista.