Por Tulio Gonzaga
Os povos indígenas terão seu futuro definido ainda nesta semana uma vez que haverá a decisão presidencial sobre a questão do marco temporal. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve sancionar, vetar parcialmente ou vetar integralmente o Projeto de Lei (PL) 2.903/03 até a próxima sexta-feira (20), quando se encerra o prazo máximo de 15 dias úteis após a aprovação do texto no Congresso Nacional.
No dia 27 de setembro, o PL foi aprovado no Senado Federal por 43 votos a favor a 21 votos contra. Na ocasião, o relator do caso, senador Marcos Rogério (PL-RO) afirmou que a votação foi uma “decisão política”, em meio aos conflitos entre os congressistas bolsonaristas e os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Uma semana antes, o Supremo havia julgado o Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que decorre sobre a definição constitucional das relações de posse das áreas de ocupação indígena. A tese foi julgada inconstitucional por 9 votos favoráveis a 2 votos contrários.
O que é o Marco Temporal
O Marco Temporal teve sua primeira menção em julgamento do caso Raposa Serra do Sol, um pedido de reintegração de posse movido pela Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (FATMA-SC) contra a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e indígenas do povo Xokleng.
A tese do Marco Temporal busca estabelecer um critério de tempo para a demarcação de terras indígenas, que seriam de propriedade indígena somente com comprovação de posse em 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição Federal de 1988. Contudo, poucas etnias poderiam comprovar que viviam no local na data.
Em abril de 2019, o STF reconheceu a “repercussão geral” do julgamento da RE, que determina o caso como uma tese de referência a todos os casos que envolvem terras indígenas, em quaisquer instâncias do Judiciário. Demais demarcações de áreas tradicionais e direitos de comunidades indígenas judicializados são abarcados na repercussão geral.
O PL do Marco Temporal foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 30 de maio de 2023, por 283 votos a favor e 155 contra, com uma abstenção. A tese é defendida, por exemplo, por Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados e membro da bancada ruralista.
Segundo os movimentos indígenas, o PL evidencia os seguintes desrespeitos aos seus direitos, além da própria inconstitucionalidade da tese: demarcação de terras indígenas ficariam inviabilizadas; a imposição de divergência com os esforços de proteção ambiental e enfrentamento às mudanças climáticas; e a ausência de consulta pública, livre e democrática.
A aprovação do PL também resultaria na:
- A construção de rodovias, hidrelétricas, unidades e postos militares, exploração de alternativas energéticas e outras obras sem consulta prévia, livre e informada às comunidades indígenas dentro dos seus territórios;
- A plantação de soja, criação de gado, promoção de garimpo e mineração em Terras Indígenas;
- O questionamento de qualquer pessoa sobre processos de demarcação dos territórios, inclusive os já demarcados;
- O reconhecimento da legitimidade da posse de terra por invasores de Terras Indígenas;
- Flexibilizar a política de não contato com povos indígenas em isolamento voluntário;
- Mudar conceitos constitucionais da política indigenista, como a tradicionalidade da ocupação, o direito originário e o usufruto exclusivo dos povos indígenas aos seus territórios.