Foto: Arquivo Pessoal

Por Henrique Rodrigues*, da Revista Fórum

Saúdo os professores brasileiros neste 15 de outubro. Faço-o também como professor, mas em especial como cidadão.

Em cada palmo de chão do Brasil, nós estamos lá. Com salários maiores ou menores, nós estamos lá. Com mais ou menos liberdade, nós estamos lá. Na paz ou na violência das ruas e comunidades, nós estamos lá.

Esta onipresença é a arma que garante nossa própria existência indispensável. Conhecemos cada drama, cada riso e cada lágrima. As agruras e alegrias de cada jovem, pobre ou rico, longe ou perto.

Em todos esses anos, circulando pelos rincões do Brasil, sertões afora, sempre notei a existência inequívoca de duas coisas: a miséria e as escolas.

Se há escolas, há professores.

Os tempos são duros e a resistência pretérita dos grandes homens e mulheres de nossa educação precisa ser relembrada todos os dias, como método de sobrevivência e combustível para a motivação.

Ser desprezado, não valorizado, estigmatizado, perseguido e servir de bode expiatório para todo o acervo de mazelas de nossa história não é algo novo, tampouco exclusividade dos tempos sombrios contemporâneos.

Apedrejar professores é prática mais velha que andar pra frente no Brasil. O extraordinário Graciliano Ramos, romancista alagoano neorrealista dos anos 30, autor de ‘Vidas Secas’, que exerceu o magistério e foi diretor de Instrução Pública em sua terra natal, após promover uma verdadeira revolução educacional no cargo, dando bônus salarial aos professores, aumentando repasses de verbas às unidades, criando uniformes escolares para crianças que pareciam farrapos humanos e reformando toda a estrutura física da rede, ganhou como prêmio uma prisão arbitrária nos porões imundos do Estado Novo Varguista, em 1936, ainda que o regime só fosse iniciado formalmente no ano seguinte. Foi implacável com seus algozes, imortalizando seu sofrimento e as injustiças sofridas no doloroso ‘Memórias do Cárcere’.

“A crise da educação brasileira não é uma crise, é um projeto”. O autor desta elucubração, o antropólogo e educador Darcy Ribeiro, que teve papel importantíssimo na elaboração das políticas educacionais do país no século XX, sobretudo em relação à escola pública, e que foi o homem forte na reformulação de inúmeras universidades brasileiras antes e após os Anos de Chumbo, também é o autor de uma outra frase muito conhecida, que profetizou uma realidade com a qual nos confrontamos hoje:

“Se nossos governantes não fizerem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construírem presídios”.

As prisões estão aí, superlotadas e insuficientes, enquanto o esvaziamento dos esforços para um sistema educacional mais abrangente e universal segue de vento em popa, sem dar trégua.

É a lógica do sistema. Àqueles a quem se negaram os livros, hoje lhes oferecemos as celas.

O mais impressionante é que todo o alarido delirante de 50 anos atrás aparece de volta e a cólera do obscurantismo não procurou outro culpado na caça às bruxas típica da paranoia dos parvos. O alvo não mudou e somos nós, os professores, que mais uma vez servimos de boi de piranha na fogueira santa que pretende exorcizar o atraso nacional com mais atraso e estupidez.

Como condição inegociável devemos exigir a liberdade. Não a suposta liberdade travestida de “doutrinação ideológica” que todo gorila limítrofe aponta com o dedo em riste, mas sim o pleno exercício do pensamento emancipador.

A nossa luta deve ser por uma Educação que se espelhe nos cânones civilizacionais da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), com liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber, marcada pelo pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, respeito à liberdade e apreço à tolerância, orientada pelo respeito mútuo, pela justiça, pelo diálogo e solidariedade, assegurando os Direitos Humanos e a cidadania.

Não abaixe a cabeça. Tenha a humildade dos justos e a persistência dos fortes. Orgulhe-se de cada batalha. Educar é uma luta pela liberdade do indivíduo e por uma sociedade com pensamentos sem amarras. Lute como um professor!

Na pandemia, com o mundo desabando sobre nossas cabeças, fomos nós a dar o pontapé inicial dessa corrida louca que nos exigiu reinvenção e superação a toque de caixa. Muitos encamparam o desafio desgastante do ensino remoto, enquanto tantos outros ficaram largados no ócio do esquecimento por culpa de autoridades públicas que não forneceram condições dignas para a empreitada.

Neste 15 de outubro, reflita sobre o Brasil que queremos e entenda que ele inevitavelmente terá que passar por nós.

A todos que contribuem com nossa missão e que reconhecem os percalços e dificuldades de nosso cotidiano, um imenso agradecimento.

Seguimos na luta. Desistir é algo que desconhecemos.

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*Henrique Rodrigues é jornalista e professor de Literatura Brasileira

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista