Rua XV de Novembro, no centro do município, é um dos alvos da crítica de Jaqueline - Créditos: Raimundo Rosa/Prefeitura Municipal de Santos

*Por Jaqueline Fernández Alves

O ano era 2023 e vislumbramos uma série de obras e projetos pela cidade de Santos, em prol da modernização, da revitalização, da sustentabilidade e de mais algumas denominações muito utilizadas quando o objetivo é mais político que técnico. Para quem é técnico e não político e tem como atuação profissional justamente as atividades que abrangem essas expressões da moda, sabe que a revitalização é um processo complexo que busca renovar e reabilitar uma área urbana ou um edifício, geralmente com o objetivo de melhorar sua condição física, social e econômica.

Em arquitetura e urbanismo, a revitalização pode estar associada à recuperação e preservação de patrimônio histórico, como edifícios antigos, praças e bairros tradicionais. Esse processo só é sustentável se cria a melhoria da infraestrutura de espaços públicos tornando esses lugares mais atraentes para o cidadão e é somente por isso, que se pode falar em desenvolvimento sustentável. A revitalização é uma prática importante para preservar a identidade cultural de uma região, ao mesmo tempo em que busca atender às necessidades contemporâneas da comunidade.

A revitalização urbana é um conceito amplo e pode abranger a reabilitação de edifícios e infraestrutura como reforma e renovação de edifícios antigos, adaptando-os para novos usos, e atualizando-os à infraestrutura urbana existente, como redes de água, esgoto e iluminação. Também pode desenvolver áreas comerciais e residenciais, criando estímulo para a implantação de espaços para comercio, serviços e moradia, promovendo a diversidade de atividades e a vitalidade econômica.

O incentivo à cultura e arte cria vida em áreas revitalizadas com a promoção de atividades como festivais, eventos artísticos e espaços culturais, o que só enriquece a vida de uma cidade. Na revitalização urbana de qualidade não se alija a mobilidade urbana, o investimento em sistemas de transporte público eficientes, ciclovias, calçadas e outras iniciativas que incentivem formas de locomoção mais eficientes sugerem um ambiente sustentável.

Até o momento, tudo que é veiculado acerca do Centro Histórico Santista aparentemente é sobre isso, no entanto, qual seria a crítica subjacente? Por ser um discurso estrategicamente político e não técnico, abandona-se a expertise do saber fazer, do projeto atento, dos detalhes que podem ser recuperados, da identidade cultural verdadeira.

Ainda no âmbito do significado de uma revitalização urbana sustentável, é necessário e urgente que as intervenções busquem excelência, pois criam impacto na qualidade de vida do cidadão. Projetos de revitalização bem-executados têm o potencial de melhorar significativamente a qualidade de vida das pessoas que vivem e trabalham na área revitalizada e isso inclui a criação de espaços públicos agradáveis, acessíveis e seguros, bem como a melhoria das condições de moradia e trabalho.

A preservação do patrimônio cultural com qualidade é crucial para preservar a autenticidade e a integridade dos elementos históricos. Projetos de revitalização que superam expectativas, tornam as áreas urbanas mais atraentes para residentes, visitantes e investidores.

E o mais importante se não o indispensável é a valorização da participação comunitária porque projetos que levam em consideração as necessidades e desejos locais têm mais probabilidade de serem bem-sucedidos e aceitos pela população. Em contrapartida projetos de baixa qualidade na área da revitalização do patrimônio histórico e cultural submetidos a agendas políticas e eleitorais, podem comprometer toda uma herança cultural que deveria ser sem dúvida o objetivo único dessas ações.

A relação entre política e revitalização urbana é complexa e multifacetada, pois as decisões políticas desempenham um papel crucial na forma como os projetos de revitalização são concebidos, financiados e implementados. As decisões sobre revitalização muitas vezes refletem as prioridades políticas de uma administração e infelizmente podem impactar diretamente a extensão e a qualidade dos projetos de revitalização. Por essa razão é importante a criação de regulações e incentivos fiscais que facilitem a implantação das ações renovadoras, mas que também dificultem o processo de revitalização se ele é inadequado.

A capacidade de influenciar o processo político pode ser valiosa para garantir a qualidade e a integridade dos projetos de revitalização, por isso a participação da sociedade na construção e reconhecimento de uma identidade cultural própria é essencial. No caso santista e de outras privilegiadas cidades da Região Metropolitana como São Vicente e Cubatão, há um organismo de preservação que, em tese, seria o responsável direto pela aprovação ou reprovação de projetos levados a cabo pelo poder executivo, o conselho municipal de preservação – CONDEPASA, por ser um órgão democrático e deliberativo, com participação da sociedade civil deve garantir a qualidade dos projetos de revitalização de patrimônio histórico e cultural. É o conselho através de sua equipe de técnicos que define, propõe e auxilia, ações baseadas na ciência que a preservação do patrimônio cultural tem como premissa.

A dicotomia entre as necessidades técnicas e a interferência política nem sempre resulta no melhor para a comunidade e o ambiente urbano. Essa questão é particularmente relevante quando se trata de preservação de patrimônio histórico, onde o conhecimento técnico é crucial. A falta de qualificação ou entendimento técnico por parte de alguns gestores políticos pode levar a intervenções inadequadas e definitivas que afetam a identidade cultural e arquitetônica de uma cidade. É vital encontrar maneiras de promover uma abordagem mais equilibrada, envolvendo especialistas e garantindo que as decisões sejam informadas por conhecimento técnico sólido.

Participar ativamente do diálogo político, advogar pela importância da expertise técnica e promover a conscientização sobre os impactos de decisões inadequadas pode ser uma maneira de contribuir para a melhoria desse cenário. Além disso, envolver a comunidade no processo de tomada de decisões pode ajudar a garantir que os projetos de revitalização atendam às verdadeiras necessidades e desejos locais. Enfrentar esses desafios pode ser complexo, mas a conscientização e o engajamento contínuo são essenciais para a promoção de mudanças.

A qualificação técnica na gestão urbana é primordial, a cidade é regida legalmente por um planejamento, criado por diversos profissionais entre eles arquitetos e urbanistas. A revitalização do patrimônio histórico não pode ser concebida a partir de ideais imediatistas. Nos últimos anos a descaracterização do ambiente urbano do Centro Histórico Santista vem sofrendo danos irreparáveis e a preservação da memória, da herança cultural não pode ser vilipendiada como se fosse obra menor. A comunidade deve ser esclarecida sobre os impactos relevantes, das decisões equivocadas e dos danos irreversíveis que uma revitalização inadequada pode oferecer.

Concluindo, se a quase inalcançável relação saudável de coexistência entre técnica e política na esfera do patrimônio histórico e cultural vem resultando em prejuízo a todos, vale lembrar que isso não ocorre como premissa em todos os lugares do mundo, mas é recorrente por aqui, como a sociedade terá garantias do resultado sustentável do lugar em que vive? A capacidade de ouvir é crucial para que uma abordagem política seja eficaz, para que ideias muitas vezes equivocadas e pré-concebidas da esfera política possam ser desencorajadas e para que possa haver garantias de que haverá sempre o melhor resultado para o cidadão, para que haja respeito pelos saberes e pela busca de consensos mínimos levando em consideração a coexistência da democrática diferença das visões de mundo.

Ninguém preserva aquilo que não reconhece.

Arq. Urb. Jaqueline Fernández Alves –  Especialista em patrimônio histórico e cultural, doutoranda, professora universitária

 

Rua XV de Novembro, no início século XX – Créditos: Fundação Arquivo e Memoria de Santos