Por Adriana Mendes*
Algo que sempre me motiva é a força do coletivo. “Quando um não pode o outro faz” ou “eu sou porque nós somos”, como me disseram esta semana. E em coletivos, por mais horizontais e lineares, sempre existem os líderes, o que é fundamental e necessário, pois atuam nos chamados, no diálogo entre as divergências e executam, colocam a mão na massa, porque o bom líder também ensina pelo exemplo. E o melhor da coletividade é que cada um pode atuar onde tem habilidade e mesmo descobrir novas habilidades. Comecei a me envolver em coletivos em 2015. Na verdade, até participar de suas criações. São os casos do Vote Nelas e Coletivo Mães na Luta, dos quais tenho muito orgulho em ser parte das histórias. E os coletivos crescem e ganham força e cada vez mais diversidade, o que torna seus integrantes ainda mais responsáveis por suas falas, decisões e ações. E suas existências ainda mais importantes. Quanto mais atingir pessoas, quanto mais sair das bolhas, melhor. Esse é um dos objetivos dos coletivos, mostrar que juntos é possível fazer mais e ir mais longe.
E em março de 2019, o Vote Nelas recebeu um chamado. Ana Paula Giamarusti, jurista e pesquisadora de direitos de gênero, nos enviou uma mensagem, em seu nome e da promotora de justiça do MP/SP Vera Taberti, especializada na atuação de candidaturas femininas desde as eleições de 2016 e com longo histórico de investigação nas candidaturas laranjas. As duas, que tiveram incentivo e apoio imediato da subprocuradora-geral de Justiça do MP/SP, Lidia Passos, iriam criar um grupo, o mais diversificado possível, dentro do eixo “Mulheres na Política”, para unir forças e apresentar um projeto de lei que protegesse as mulheres na política, no sentido de efetivar e fortalecer as candidaturas de mulheres.
“Buscamos a união entre movimentos, organizações, sociedade civil e instituições públicas que possam dar visibilidade e efetivar esse projeto de lei que criaremos JUNTAS”, afirmava o convite. Logo foi marcada a primeira reunião no Ministério Público de São Paulo, eu e as companheiras do Vote Nelas Amanda Brito (também representando o Mulheres com Direito), Drica Guzzi e Gisele Agneli (também pelo Mulheres do Brasil) fomos ver que iniciativa era essa. Naquele dia senti as tais borboletas no estômago, o frio na barriga de que algo grandioso estava acontecendo. Acreditei na força daquelas mulheres do Ministério Público, na vontade que estavam de mudar esse sistema, esse patriarcado, que atua em todas as esferas públicas. Reencontrei e conheci outras integrantes de movimentos nesse dia, como Caci Amaral, do MCCE, Maíra Rechia (Rede de Juristas Feministas), a jornalista Fefa Costa (APPCivico) e a cientista política Hannah Maruci (Gepô) e as ativistas Shirley Siolari (feminista), Sami Rodrigues (ativista), Fê Maidel (ativista LGBT) e Luciana Trindade (ativista pela inclusão da pessoa com deficiência). Eram muitas mulheres na mesma causa. E apresentaram a proposta para a construção do Projeto de Lei por igualdade nas cotas nas candidaturas, distribuição financeira igualitária dentro dos partidos, fortalecimento da democracia interna partidária para que as mulheres tenham voz efetiva e não apenas nas “comissões/secretarias/assessorias”, não punição às mulheres que são usadas como laranjas por partidos, proteção jurídica às mulheres que denunciarem fraudes em eleições, ampla diversidade nas representações.
A primeira vez que uma mulher votou no Brasil foi em 1880. A dentista Isabel de Mattos Dillon foi a pioneira, que aproveitou uma brecha da Lei Saraiva, na legislação brasileira. A lei, de 1880, dizia que todo brasileiro possuidor de um título científico poderia votar. E Isabel Dillon exerceu seu direito e solicitou sua inclusão na lista de eleitores do Rio Grande do Sul. Mas logo mudaram a lei e apenas homens com títulos tinham o direito ao voto. O primeiro país que garantiu o voto feminino foi a Nova Zelândia, em 1893, graças ao movimento sufragista liderado por Kate Shepard. No Brasil, somente em 24 de fevereiro de 1932, no governo de Getúlio Vargas, o voto feminino no Brasil foi assegurado.
Foram reuniões semanais de maio a setembro de 2019 para construir o Projeto de Lei de Iniciativa Popular Mais Mulheres na Política, que reivindica 50% de reservas de cadeiras no parlamento para mulheres, sendo 25% para mulheres negras. A inclusão era a proposta inicial do chamado e entre nós houve um debate se deveria ou não haver, por motivos constitucionais ou estratégicos. Como não sou jurista, nem cientista política, deixei nas mãos de quem entende, porque a confiança mútua é essencial na construção de qualquer projeto. Então a jurista Laura Astrolábio, do Mulheres Negras Decidem, escreveu a justificativa para que entrassem esses 25%. E, mesmo estando no Rio de Janeiro, fazia questão de participar das reuniões por vídeo, sempre nos colocando a importância do protagonismo da mulher negra, nos cedendo, generosamente, seu trabalho intelectual. E quando eu li o projeto pronto me emocionei. É tão perfeito e cheio de fundamentos.
Mapeamos mais de 200 coletivos espalhados pelo Brasil, que só precisavam saber um da existência do outro. Formamos grupos de embaixadoras em todas as regiões do País, que fazem parte da narrativa dessa história, que se mobilizam, chamam mais gente. Tivemos vídeos de apoio de deputadas com Lecy Brandão, Marina Helou e Áurea Carolina. Tivemos a deputada federal Sâmia Bonfim em uma de nossas reuniões em São Paulo e que nos convidou para apresentar esse PL na Secretaria da Mulher, em Brasília (sim, daí veio a pandemia e parou tudo). Mas como faríamos para que esse PL fosse para votação sem protagonismo de nenhum parlamentar, embora contando com apoio de todos? Então foi que aprendi sobre iniciativa popular. Eu não fazia ideia de que um cidadão comum ou um coletivo não institucional pudessem apresentar projetos de lei nas esferas legislativas municipais, estaduais e federais. Existem plataformas gratuitas, totalmente de acordo com a legislação, que podem colocar os projetos para assinaturas digitais. Fechamos com a plataforma Mudamos, do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade), que é financiado, exclusivamente, pelo prêmio Desafio Google de Impacto Social. Agora precisamos atingir a meta de 1, 5 milhão de assinaturas, para que vá ao Congresso Nacional. Parece muito, né? Mas somos 147 milhões de eleitores, acredito com todas as forças que 1% desses eleitores queiram uma sociedade mais igualitária e justa, com a presença de mais mulheres na política.
Essa é a beleza do coletivo. Alguém teve uma ideia, que seria apenas uma ideia se não tivesse apoio. Alguém escreveu uma justificativa, que seria apenas uma justificativa se não fosse amplamente divulgada. E agora estamos na plataforma e não vai ser apenas um PL na vitrine. É o Projeto de Lei Mais Mulheres na Política, que terá 1,5 milhão de eleitores fazendo parte da história. Baixa o aplicativo Mudamos e vem revolucionar a política brasileira também.
*Adriana Mendes é jornalista, integrante dos Coletivos Vote Nelas e Mães na Luta, ativista pelo desarmamento.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista