Deise Guerra - Foto: Arquivo Pessoal

O Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha será celebrado nesta quinta-feira (25). E nada melhor do que destacar uma trajetória de êxito de uma mulher negra, nordestina, periférica e vítima de violência doméstica.

Deise Guerra tinha tudo para ser só mais um número nas estatísticas. Porém, conseguiu dar a volta por cima e construir uma vida onde passou a ser protagonista da própria história.

Nascida em Salvador, capital da Bahia, Deise, hoje, esbanja alegria, otimismo e força de vontade. “Eu sou uma baiana arretada que vim para o litoral paulista para ser vencedora. Compartilho minha história mostrando que ser mulher é, por si só, um ato de resistência e força. Porque eu saí de todas as minhas batalhas mais forte”.

Conforme dados do relatório elaborado pelo Ministério da Igualdade Racial (MIR), as mulheres negras são o maior grupo populacional, 60,6 milhões, sendo 11,3 milhões de mulheres pretas e 49,3 milhões de mulheres pardas que respondem por mais de 28% da população total do Brasil.

Deise chegou ao Guarujá em 2009, acompanhada do ex-marido e dos dois filhos. O terceiro nasceu já na Baixada Santista. Deixou de atuar como enfermeira, sua formação original, e foi distribuir currículo. O primeiro emprego no litoral foi na rua mais popular de Vicente de Carvalho, distrito de Guarujá, onde, mesmo sendo freela, encantou as clientes que só queriam comprar com a baiana.

Durante os cinco anos que trabalhou em uma loja, conseguiu estudar. “Fiz Gestão Comercial, me formei como Tecnóloga de Varejo e um curso na consultoria Seattle Brasil”. Em seguida, foi chamada para entrar para o time de uma loja de vestuário feminino, que por muitos anos foi sucesso de venda na região. Também passou por outra loja muito conhecida antes de tentar o empreendedorismo. Chegou a ter uma loja no bairro Morrinhos, no Guarujá, mas ainda não seria a que a impulsionaria para a nova vida.

Apesar das conquistas profissionais, Deise enfrentava uma “guerra” pessoal. A violência doméstica foi mais um desafio por qual a baiana passou antes de se tornar uma mulher empoderada.

“Eu nunca me vitimizei, apesar de ter sido vítima. Enfrentei preconceito, misoginia e até violência doméstica. Eu chorei, mas pensei que a dor agora não será em mim e, sim, nos meus filhos. E quem é mãe sabe muito bem o que isso representa. Apesar de toda essa ‘guerra’, eu sou da paz”, relembrou.

Deise mudou para outra cidade do litoral, Praia Grande, e lá, mais uma vez, recomeçou. Em 2019, abriu uma nova loja, agora com seu nome, e obteve êxito. Empregou várias mulheres na loja que ficava em um dos shoppings mais sofisticados de Santos. Eram vendedoras, costureiras e outras profissionais que passaram pela boutique.

Até que surgiu a pandemia de Covid-19. Durante o período de isolamento, voltou a trabalhar prestando serviço, mas sempre com a meta de empreender, novamente, assim que reconquistasse sua autonomia financeira.

Depois de encerrar a etapa na área comercial, a baiana, então, virou mais uma chave e, agora, atua como palestrante para inspirar mulheres a ganharem autonomia. “De tudo que eu faço, o que mais me orgulha é ser um farol para as mulheres que ainda não se reconhecem com a sua própria força guerreira”.

Uma frase que Deise adota como guia é da filósofa negra estadunidense Angela Davis. “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”.

Mulheres negras no Brasil

Gênero e raça são fatores marcantes da precarização no mundo do trabalho, como revela o levantamento “Brasil: A Inserção da População Negra no Mercado de Trabalho”, realizado pelo Dieese, em 2022.

Empregabilidade, rendimento e ocupação em postos desprotegidos, assim como em cargos de gerência, são investigados no estudo, que foi baseado nos indicadores da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022.

A pesquisa destaca que as mulheres negras ocupam em maior presença o setor de serviços domésticos: dos quase seis milhões de trabalhadores do setor, mais de 67% são mulheres negras que atuam sem carteira assinada (75,3%) e sem contribuição para a previdência social (64,7%). Com este cenário, seus rendimentos as colocam em situação de pobreza (26,2%) ou de extrema pobreza (13,4%).