Acusado de ter cometido abuso sexual contra uma paciente, o médico ginecologista de Santos, Marcelo Moura Guedes, de 56 anos, foi condenado a pagar R$ 25 mil por danos morais à vítima, de 40 anos. O caso, segundo relatos da vítima, aconteceu durante exame ginecológico no consultório localizado no bairro do Gonzaga, em Santos, em outubro de 2021.
A mulher disse que o médico praticou sexo oral sem seu consentimento ao longo do procedimento. Em entrevista para A Tribuna, a defesa alega inocência, que a condenação não prova o estupro e que irá recorrer da sentença.
O ginecologista foi condenado pela juíza Lívia Maria De Oliveira Costa, da 5ª Vara Cível do Foro de Santos. O inquérito criminal foi arquivado por falta de provas, mas a defesa da vítima juntou documentos para o processo na vara cível. Foi julgado procedente o dano moral no caso, mas improcedente o dano material.
Na época dos fatos, a vítima – uma psicóloga de Santos – alegou que estava em uma consulta ginecológica de rotina. Paciente do médico havia 15 anos, a mulher contou que foi levar seus exames e pediu um atestado de comparecimento da consulta anterior.
Ela revelou que tinha uma relação de confiança com o profissional, mas sem intimidade e que, quando chegou ao consultório, estranhou por não estar lotado de pacientes como costumava. Além disso, recordou-se de que foi recebida pela secretária, como de praxe. “Ele sabia do meu trabalho e tudo da minha vida”, contou.
A psicóloga comentou que era a primeira paciente do dia. No consultório, ela reclamou do trabalho e, como resposta, falou que Guedes disse que a mulher “precisava relaxar” e que lhe daria um atestado. Na sequência, a vítima disse que o ginecologista a quis examinar, porém ela já havia feito outro tratamento no mês anterior.
A vítima reforçou ter avisado que não havia se preparado para o exame, que havia ido direto da academia para o consultório e que, por isso, estava suada. Segundo a vítima, ele insistiu e, como era paciente há anos, não estranhou. Ela se trocou, se deitou na maca e fechou os olhos.
A mulher relatou à polícia, na época, que notou que o médico colocou lubrificante em seu clitóris e começou a manipulá-lo com o dedo, e que depois sentiu a língua do ginecologista. Também disse que ele passou a mão no corpo dela a chamando de “gostosa” e dizendo “que tesão”.
“Ele (o médico) começou a passar a mão em mim e senti uma coisa muito diferente do que era normal em um atendimento. Achei que eu estava ficando louca, que era coisa da minha cabeça. Ele começou a me masturbar e colocou a boca em mim. Meu corpo travou e não consegui reagir. Isso é o que mais dói, saber que não xinguei ou gritei. Fiquei estática”, contou.
Quando abriu os olhos, ela descreveu que Guedes aproximava a boca de seu seio. Foi quando levantou da maca, assustada, e foi embora. Neste momento, notou que o médico estava sem camisa, com o zíper da calça aberto e com a luz da sala apagada.
Ela contou, ainda, que foi necessário pedir por três vezes para ir embora até que ele finalmente a deixasse se recompor e sair. A psicóloga disse que ficou paralisada e tremia durante toda a situação.
Antes que fosse embora, Guedes teria se desculpado e dito que ela receberia todos os atestados que quisesse, além de não precisar mais pagar as consultas com ele. “Ele pegou na minha mão e disse ‘me perdoa’. Foi muito rápido. Foi tudo muito assustador. Quando estava indo embora, ele encostou em mim e me abraçou”, descreveu a psicóloga.
Naquele momento, a vítima revelou que não havia outros pacientes na sala de espera, nem mesmo a assistente na sala do exame. O local tinha sido preparado para uma manhã de sexo, acredita a moça. “Usou do poder de médico e se aproveitou da situação em que eu estava nua, preparada para ser examinada, para fazer isso”, contou.
Sequelas
O boletim de ocorrência foi registrado na semana posterior à data relatada pela psicóloga. Ela disse que demorou para reunir forças e conseguir contar tudo à polícia. Abalada psicologicamente, ela ressaltou que não conseguiu mais trabalhar e precisou se afastar de suas atividades profissionais.
Nos autos do laudo movido contra o profissional, a mulher foi diagnosticada por um psiquiatra com depressão, ansiedade e estresse pós-traumático.
Ela disse que continuará buscando por Justiça. “Não queria dinheiro dele, mas sim falar para o mundo o que ele fez. Duvido que tenha ética. Estou feliz, mas quero mais. Quero que ele não faça com mais ninguém o que fez comigo”.
Acusação
As advogadas de acusação, especialistas em violência de gênero, Laura Gonçalves Cardoso e Carol Valentino, defendem a psicóloga e celebraram a condenação na Vara Cível. Agora elas aguardam para decidir se, com essa decisão, tentarão reabrir o inquérito criminal, arquivado por falta de provas.
No inquérito criminal, segundo Carol, existiam conversas da vítima com outras mulheres que também passaram pela mesma situação. Além disso, ela acrescentou que as mensagens passaram por um programa que verifica a veracidade do autor e, mesmo assim, o Ministério Público (MP) entendeu que não havia indícios materiais suficientes.
O que diz o médico?
No auto de declaração do médico à polícia, na época do crime, Guedes disse que atendia à vítima havia anos e que, durante as consultas, ela pedia atestados médicos com queixas de saúde diversas, mas em setembro – um mês antes do abuso relatado – não a havia examinado conforme ela alegou.
Também relatou que, após a psicóloga se queixar de dores abdominais, decidiu examiná-la. O motivo dessas dores não foi esclarecido durante o exame, segundo o ginecologista. Mas ele relatou que a consulta durou entre 15 a 20 minutos, tempo comum das consultas. Porém, estranhou o fato da paciente ter lhe mostrado fotos dela de biquíni.
De acordo com Guedes, ele não tinha pedido para ver as fotos e alegou que esta teria sido a segunda vez que ela teria lhe mostrado imagens de cunho íntimo no celular por vontade própria. Também descreveu que a vítima estaria tomando hormônios e costumava ter alterações na libido, o que poderia lhe dar fantasias de cunho sexual.
Nega abuso
Sobre o abuso relatado, ele negou. Ressaltou que é um médico ginecologista e obstetra respeitado e que atua no mesmo local há 25 anos. Que nunca recebeu nenhuma denúncia desse tipo. Também garantiu que no dia da consulta, a secretária estava no local e poderia testemunhar em seu favor. Porém, disse não se lembrar se a vítima era realmente a primeira paciente do dia ou se havia outros pacientes na sala de espera.
Por fim, Guedes relatou à polícia que a paciente pediu um atestado médico na consulta em questão, o que lhe foi fornecido, mas informou que não havia mais motivos médicos para que ela passasse por mais consultas, e que, por isso, não poderia mais fornecer atestados posteriormente.
Defesa
Os advogados Anna Paula Marszolek Albino e João Victor Neiva defendem o ginecologista na esfera cível. Em nota para A Tribuna, se posicionaram reforçando que o inquérito policial foi arquivado por falta de provas.
“Até porque meu cliente é inocente, possui 32 anos de profissão e nenhuma conduta desabonadora. Importante ressaltar, não obstante as instâncias (criminal e cível) serem independentes, que essa independência é relativa, sendo certo, que o dever de indenizar advém de um ato ilícito, o que não ocorrera e não fora reconhecido (ilícito penal) no caso em tela, ou seja, não havendo o que se falar em reparação do dano”, cita a nota.
Ainda segundo a defesa, eles entrarão com recurso de apelação para que a “Justiça seja feita e não haja conflito entre as decisões emanadas pelo Poder Judiciário”.
Cremesp
O Conselho Regional de Medicina do Estado São Paulo (Cremesp) não se posicionou a respeito do caso e comunicou que o profissional está ativo na entidade.
Com informações de A Tribuna.